O Estado de S. Paulo
Nada muda no desequilíbrio entre os Poderes e o papel do Judiciário
É a politização do STF que estava em jogo no
circo armado no Senado para apreciar a indicação de Flávio Dino como novo
ministro da Corte, além de Paulo Gonet para a PGR. O mérito do espetáculo
residiu sobretudo em escancarar a realidade.
A politização do Supremo é tratada hoje nas
esferas do Executivo, do Legislativo e no imenso universo da mídia profissional
e redes sociais como um dado inconteste da política brasileira. Dino fez uma
defesa pro forma da “autocontenção” do Poder Judiciário e também foi ouvido pro
forma.
Esforço semelhante foi feito por Paulo Gonet. “Não acho que o Ministério Público faça política”, respondeu aos senadores. Não é o que pensa a totalidade da classe política, aqui apoiada em fatos históricos incontestes.
Senadores e indicados foram obrigados a
abordar de maneira direta a questão do equilíbrio entre os Poderes. A
degradação na suposta “relação harmoniosa” entre eles vem de longe e desaguou
na situação atual, na qual o Executivo se queixa do Legislativo, que se queixa
do Judiciário, que se queixa do Legislativo, e todos parecem ter razão.
Os indicados fizeram as observações que deles
se esperava, com as devidas citações de textos clássicos e dispositivos da
Constituição para admitir que uma coisa ou outra talvez tenha escapado da
norma, mas que, no total, o equilíbrio entre os Poderes funciona. Qualquer
maçaneta de porta de gabinete em Brasília sabe que não é bem assim.
Ambos, Gonet e Dino, prestaram a devida
reverência aos parlamentares que os sabatinavam no Senado. Em especial Dino
atribuiu sempre ao Legislativo, aos que têm voto, a responsabilidade principal
na decisão das principais matérias – deixando para o STF apenas a
“interpretação” da norma, sem ser legislador. Na Brasília de hoje ninguém leva
isso a sério, começando pelo Palácio do Planalto, que vê no STF um importante
aliado em economia e política. E como eventual freio ao Legislativo.
Temas que suscitam ferozes batalhas na internet, como aborto ou drogas, foram abordados pelos indicados exatamente como se esperava, isto é, empenhados em não gerar manchetes. Dino enfileirou Montesquieu, Locke, Aristóteles e os textos federalistas que criaram a Constituição americana para dizer que ativismo judicial não pode ser um dogma filosófico – ou seja, depende do ativismo para quê.
Gonet fez o afago final, comparando o Senado a uma grande Ágora ateniense na qual se exercita a democracia em nome de 220 milhões de brasileiros. Não se sabe quantos dos senadores conhecem a antiguidade clássica de 2.500 anos atrás para apreciar a qualidade do afago. Mas todos sabem que, depois da sabatina, é business as usual.
Um comentário:
Legal.
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