Correio Braziliense
Bolsonaro foi cauteloso, num ano de eleições
municipais, para não se isolar politicamente. Muito mais do que por temor a uma
eventual prisão, que agora o transformaria em vítima
Há controvérsias sobre o número de participantes do ato em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro, domingo, na Avenida Paulista. O Palácio dos Bandeirantes, por meio da Secretaria de Segurança Pública, inflacionou os números para 600 mil pessoas, chegando a 750 mil se incluídas as ruas adjacentes. Imagens da multidão de apoiadores são usadas nas redes sociais de Bolsonaro para corroborar essa avaliação. O Monitor do Debate Político Digital da USP, grupo de pesquisa que o cientista político Pablo Ortellado coordena, também utilizando imagens e inteligência artificial para identificar as cabeças dos participantes, apontou a presença de 185 mil. Mesmo assim, é muita gente.
Essa é diferença é importante para avaliar o grau de mobilização dos bolsonaristas que vestem amarelo, mas o problema para o governo Lula são os que não se vestem de “patriotas” nem estavam lá, mas apoiam Bolsonaro e também avaliam que o fato de estar sendo investigado em razão do 8 de janeiro de 2023 é uma perseguição política. O objetivo do ato claramente foi demonstrar apoio ao ex-presidente, que, na semana passada, prestou depoimento à Polícia Federal (PF) e permaneceu calado, como os generais Walter Braga Netto e Augusto Heleno, ex-ministros do seu estado-maior na Presidência.
Pesquisa divulgada em 7 de janeiro último,
pelo instituto Genial-Quaest, mostrou que um ano depois da invasão do Palácios
do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF), 89% da população
desaprovaram os atos de 8 de janeiro. Em fevereiro do ano passado, eram 94%.
Segundo aquela pesquisa, 47% dos
entrevistados acreditam que Bolsonaro teve algum tipo de influência no 8 de
janeiro, porém 43% discordam, e outros 10% não souberam ou não responderam à
pergunta. Mais: 51% dos entrevistados acreditam que os participantes da invasão
não representam os eleitores de Bolsonaro, e 37% pensam o contrário. Outros 13%
não souberam ou não responderam.
Esses números merecem reflexão. Avançam as
investigações da PF, é robusta a suspeita de que havia, de fato, um golpe de
Estado em marcha, envolvendo militares ligados a Bolsonaro e outros aliados
mais próximos. Entretanto, nas redes sociais, esses fatos são interpretados de
maneira diversa e alimentam a polarização entre petistas e bolsonaristas, como
aconteceu no próprio dia da manifestação.
A propósito, o jornalista e pesquisador
Sérgio Denicoli, da AP Exata e Universidade do Minho (Portugal), no mesmo dia
registrou que 58% das manifestações nas redes eram favoráveis ao evento,
enquanto 42% eram negativas. Entretanto, o ato gerou apenas 2,4% das menções
nas redes — ou seja, a maioria da sociedade não estava preocupada com o
assunto.
Espólio em disputa
É importante identificar, no ato de domingo,
o que pode ter de permanente, as linhas de força capazes de moldar o futuro. A
primeira delas tem a ver com o inquérito que investiga a tentativa de golpe de
8 de janeiro, conduzido pelo ministro do STF Alexandre de Moraes — que os
golpistas pretendiam prender naquela ocasião. Durante o governo Bolsonaro, o
Supremo não se deixou intimidar, agora muito menos. Ou seja, o inquérito
avançará “doa a quem doer”, inclusive quanto a Bolsonaro.
Inelegível, o ex-presidente foi cauteloso,
num ano de eleições municipais, para não se isolar politicamente. Muito mais do
que por temor a uma eventual prisão, que agora o transformaria em vítima de uma
suposta arbitrariedade. Os vitupérios contra o Supremo ficaram por conta do
pastor Silas Malafaia, que convocou o ato e mobilizou grande número de
evangélicos.
“O sangue de Cleriston está na mão de
Alexandre de Moraes, e ele vai dar conta a Deus”, disse, em referência a um dos
presos pelos ataques golpistas de 2023, Cleriston Pereira da Cunha, que morreu
infartado na Papuda. A ex-primeira-dama Michele Bolsonaro, ao discursar, foi
além: defendeu o “fim do estado laico”, uma característica do regime
republicano.
Processos judiciais são como um trem na
ferrovia: precisam chegar ao fim da linha, respeitado o devido processo legal e
a presunção de inocência. Bolsonaro só pode ser preso se condenado e transitado
em julgado, o que ainda está longe de acontecer.
Mas uma escalada verbal contra o Supremo
afastaria os políticos que compareceram ao ato — entre os quais os governadores
de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos); de Minas Gerais, Romeu Zema
(Novo); de Goiás, Ronaldo Caiado (União); e de Santa Catarina, Jorginho Mello
(PL).
Nove governadores que apoiaram Bolsonaro não
compareceram: Cláudio Castro (RJ), Ratinho Jr. (PR), Mauro Mendes (MT),
Wanderley Barbosa (TO), Gladson Camelli (AC), Antonio Denarium (RR), Ibaneis
Rocha (DF), Wilson Lima (AM), Marcos Rocha (RO) e Eduardo Riedel (MS).
Tarcísio, Zema e Caiado têm uma motivação
especial para colar em Bolsonaro, que deve orientar o comportamento de ambos
daqui pra frente: os três têm ambição de ser o candidato à Presidência com seu
apoio. Mas, se prestarmos atenção ao ato, Michele e Malafaia disputam a
representação dos bolsonaristas e são potenciais candidatos à Presidência.
Um comentário:
Michele e Malafaia!!!
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