Folha de S. Paulo
Transição ecológica comandada por setor
privado não deve ser realidade
A promessa de que o setor privado se
encarregaria de fazer a transição ecológica não tem mais salvação. Evan Halper,
do Washington Post, mostrou que apenas 4% de uma amostra de
mil empresas que se comprometeram a zerar suas emissões até 2050 estão fazendo
o mínimo para atingir a meta do Acordo de Paris.
Em face da inépcia de corporações motivadas pelo lucro, as agências nacionais de desenvolvimento ganham destaque. Contando com subsídios estatais e garantias dos tesouros nacionais, estas instituições financeiras estatais atuam como catalisadoras de investimentos —públicos e privados— em setores-chave, como energias renováveis, transporte e agricultura sustentáveis.
Estudo do Roosevelt Institute,
intitulado Política Industrial 2025: Trazendo o Estado de Volta (de novo), faz
um levantamento da experiência internacional de política industrial e traz
alguns exemplos de instituições de financiamento guiadas por critérios como
emprego, renda, redução de emissões de carbono, inovação etc.
O banco de desenvolvimento alemão, KfW,
financia projetos de energia renovável e eficiência energética na Alemanha e no
mundo. Com mais de US$ 550 bilhões em ativos e adotando linhas de crédito
especiais, garantias e subsídios, o KfW fomenta pequenas e médias empresas,
crédito habitacional, bolsas de estudo, investimentos em infraestrutura e a
expansão das energias limpas. Atua também como investidor direto em empresas de
vários setores. Por exemplo, a KfW Capital, subsidiária especializada em gestão
de ativo, investe em fundos de capital de risco, para apoiar startups em vários
setores.
Outro exemplo é a Temasek, a gestora estatal
de ativos de Singapura. Com carteira diversificada de ativos em setores
estratégicos —como tecnologia limpa e infraestrutura sustentável—, a Temasek
investe com foco no longo prazo, equilibrando o retorno financeiro com o
impacto social e ambiental positivo.
Em parceria com a BlackRock, maior fundo de
investimento do mundo, criou a "Decarbonization Partners", uma
plataforma de capital de risco para projetos de economia com emissão zero para
2050. Além disso, é acionista de "campeãs nacionais" do país, como o
Banco de Singapura e a empresa estatal de transporte aéreo Singapore Airlines.
Até mesmo nos EUA ganha força a criação de uma agência nacional de
investimento (National Investment Authority - NIA): uma plataforma
institucional para operacionalizar, financiar e implementar políticas
industriais e de desenvolvimento. Estruturada com subsidiárias focadas em
infraestrutura e em gestão de carteira de ativos, a NIA misturaria elementos de
banco de desenvolvimento e gestora estatal de ativos, para coordenar a ação do
Estado em vários mercados por meio de múltiplos canais.
Aqui no Brasil, o BNDES tem uma subsidiária
gestora de ativos, a BNDES Participações (BNDESPar). Durante os governos Temer
e Bolsonaro, houve intenso desinvestimento das participações diretas, devido ao
tabu criado em torno das "campeãs nacionais".
A atual gestão do BNDES vem revertendo esta
direção. Por meio da BNDESPar, lançou iniciativas de fundos de investimento em
participações (FIP) no total de R$ 1,5 bilhão, para atrair o setor privado a
financiar startups e pequenas e médias empresas. Há também o FDIC Pátria Infra Crédito (R$ 500 milhões) —focado nos
setores de energia, saneamento, logística e transporte, mobilidade urbana e
telecomunicações— e o FIP Minerais Estratégicos no Brasil (até R$ 1 bilhão),
para projetos de minerais ligados à transição energética, descarbonização e
produção sustentável de alimentos.
Integrar o BNDESPar à política industrial do
governo permitirá intensificar os investimentos diretos e indiretos em empresas
ligadas à transição ecológica. As superstições neoliberais já não dão as
cartas. O Estado investidor está de volta!
*Professor de economia da Unifesp e doutor em
economia do desenvolvimento pela FEA-USP
Um comentário:
Excelente! Parabéns ao autor e ao blog que divulga seu trabalho!
O liberalismo e o neoliberalismo já mostraram suas tantas e enormes limitações. Mas continuam deixando cada vez mais ricos alguns tantos que deles se beneficiaram. E tão ou mais pobres os tantos que pouco ou nada ganham com eles.
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