segunda-feira, 22 de abril de 2024

Bruno Carazza - Propostas para o sistema político

Valor Econômico

Livro discute problemas e soluções para tornar políticos mais responsivos aos eleitores

Nas eleições de 2010, o economista Marcus Pestana foi eleito deputado federal com 161.892 votos, após longa carreira como professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, vereador (1983-1988), deputado estadual (2007-2010) e duas passagens como secretário estadual no governo de Minas Gerais, comandando Planejamento (1995-1998) e Saúde (2003-2010).

Transcorrido quase um ano de seu primeiro mandato em Brasília, Pestana resolveu contratar uma pesquisa para analisar seu desempenho parlamentar na cidade natal e principal base eleitoral, Juiz de Fora, onde havia recebido o apoio de 19.937 eleitores.

Ao realizar o levantamento, a surpresa veio logo na primeira pergunta. Quando perguntados em quem haviam votado no pleito realizado apenas um ano antes, 74,1% dos entrevistados não conseguiram se recordar da escolha do seu representante para a Câmara dos Deputados.

Apesar da pouca memória do eleitor juiz-forano, Marcus Pestana descobriu que não era um total desconhecido do eleitorado local: apenas 17% dos pesquisados afirmaram não ter ideia de quem era o político, enquanto o restante se dividia entre quem já tinha ouvido falar dele (52%) e quem o conhecia pouco (27%) ou muito (4%).

Interessado em ter um feedback do seu trabalho no Congresso, Pestana selecionou as três votações mais importantes e polêmicas daquele ano de 2011 (elevação do salário mínimo, o novo Código Florestal e a criação de um novo imposto para o financiamento da saúde, uma de suas especialidades) para saber como o eleitor de sua cidade avaliou o seu posicionamento.

O resultado é impressionante: na média, 96% dos cidadãos consultados não tinha a mais remota ideia sobre como o parlamentar mineiro votou. E entre a minoria que afirmava saber o posicionamento do deputado, a metade simplesmente errou a resposta.

Esses dados são surpreendentes porque eles estão longe de ser fruto de um caso isolado, numa localidade qualquer. Com uma população de 540.756 habitantes, Juiz de Fora é uma das maiores cidades mineiras, responsável pelo sétimo maior PIB municipal do Estado, além de ser berço de importantes políticos, como o ex-presidente Itamar Franco e o ex-deputado Fernando Gabeira.

Tampouco os resultados podem ser atribuídos a uma possível atuação apagada de Pestana. Apesar de novato no Congresso, Pestana tinha uma bagagem intelectual e política que rapidamente o posicionou no alto clero do parlamento brasileiro, sendo indicado logo no primeiro ano de mandato como titular na importante Comissão de Saúde, além da comissão especial de Reforma Política, entre outros trabalhos.

Para tirar a prova, Pestana encomendou que os entrevistadores fizessem as mesmas perguntas sobre o comportamento de outro parlamentar, seu conterrâneo Júlio Delgado. Os resultados foram igualmente desapontadores.

A história acima é narrada no livro “Desafios do sistema político brasileiro”, coletânea de artigos organizada por Bernardo Sorj e Sergio Fausto e publicada recentemente pela Fundação FHC, para a qual tive a honra de escrever um capítulo. Essa desconexão entre eleitores e políticos, também captada por outras pesquisas, tem raízes estruturais, segundo a análise dos autores convidados.

Eleições disputadas em territórios muito grandes e populosos distanciam os deputados de seu eleitorado. Eleições caras, financiadas pela abundância de recursos dos fundos eleitoral e partidário distribuído de forma concentrada pelos dirigentes partidários, elevam a barreira à entrada de novos candidatos. Partidos fracos, lançando centenas ou milhares de candidatos em cada Estado, dificultam a avaliação dos cidadãos e incentivam o personalismo nas campanhas.

Para discutir soluções para diminuir a individualização na atuação política, o enfraquecimento dos partidos e a baixa responsabilização dos políticos perante os eleitores, foi realizado na última sexta debate com alguns dos autores do livro e três políticos: a deputada Adriana Ventura, o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia e o próprio Pestana.

Entre as propostas, três opções para um novo sistema eleitoral poderiam levar a campanhas mais baratas, fortalecendo os partidos ou aproximando os políticos de seu eleitorado.

No modelo de lista fechada, em vez de escolher um candidato, o eleitor votaria no partido, que elaboraria uma lista pré-ordenada de candidatos. No sistema distrital, cada Estado seria dividido em pequenos distritos, cada qual responsável por uma cadeira de deputado, com os partidos indicando um único candidato para a disputa.

Um modelo intermediário seria manter o sistema eleitoral vigente, porém dividindo os Estados em regiões menores, cada uma delas responsável pela escolha de oito deputados (número equivalente ao dos menores Estados atualmente).

Todas as propostas têm suas vantagens e custos, e qualquer mudança exigiria muito debate. Melhorar a qualidade da nossa política, tornando os representantes mais responsáveis, é tarefa quase impossível - porém, nunca foi tão urgente.

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