domingo, 9 de junho de 2024

Míriam Leitão - Conflito político afeta economia

O Globo

Os bons números da economia ficam muitas vezes submersos entre as projeções pessimistas do mercado e o ambiente político deteriorado

Algo comum no noticiário econômico e nos relatórios dos bancos é dizer que o “resultado veio em linha com as previsões”, informando que os analistas do mercado financeiro acertaram. Não foi diferente na notícia do PIB do primeiro trimestre, mas a verdade é que no começo do ano ninguém previa um crescimento de 0,8%. Todos os números eram bem menores. Quando o resultado saiu, houve outra surpresa, o da alta de 4,1% no investimento. Em meio ao faroeste político do país, que na semana passada foi particularmente intenso, a economia tem apresentado sempre algum bom número de atividade, de mercado de trabalho, de inflação e até de arrecadação. Sombras e incertezas estão no horizonte, mas isso faz parte da natureza da economia, agravado pelo clima tenso da política.

Previsão é aquilo que se faz antes, é óbvio. Mas, no mundo das projeções econômicas, não é. A previsão vai sendo ajustada a cada novo número, arrumando-se diante das surpresas e, no fim, todos se congratulam pela realidade ter saído “em linha”. O erro sempre é ler apenas a última linha. O mais relevante, e que está posto para os economistas, é que a economia brasileira e mundial têm mudado tanto que são necessários novos estudos e lunetas recalibradas. Uma área que tem surpreendido é o mercado de trabalho, com taxas sempre melhores do que a esperada.

— Realmente, o mercado de trabalho tem surpreendido bastante no último semestre, porque se esperava uma desaceleração que não ocorreu. O ritmo de criação de emprego diminuiu, isso de fato aconteceu, mas foi menor do que o esperado — diz o economista Daniel Duque, pesquisador da FGV/IBRE.

No começo do ano, o desemprego sobe pelo aumento da procura, mas desta vez ele permaneceu baixo. Há duas surpresas em relação ao mercado de trabalho: ele está melhor do que o previsto e está afetando menos a inflação, já que continua um processo de desinflação que, este ano, tirou um ponto percentual do acumulado em 12 meses.

A taxa de investimento é muito baixa no Brasil e isso é um problema estrutural e grave. Mas os números do primeiro trimestre mostraram um aumento de 4,1% no investimento. Segundo a CNI, 73% das grandes indústrias dizem que farão investimentos, a maioria para melhorar e aumentar a capacidade produtiva e uma parte pequena para desenvolver novos produtos. No setor imobiliário, principalmente para as faixas mais baixas de renda, há um forte crescimento. Só uma empresa, a Plano&Plano, na lista das dez maiores, está com 50 canteiros de obras e já fez quatro lançamentos. A MRV, a mais forte nesse segmento econômico, fechou o primeiro trimestre com vendas líquidas de mais de R$ 2 bilhões, um avanço de 13,7% no ticket médio, depois de ter batido um recorde de vendas de R$ 8,54 bilhões no ano passado. O diretor Ricardo Paixão, da MRV, acha que as condições de venda estão melhores este ano.

A balança comercial surpreendeu também, porque se esperava inicialmente um bom saldo, mas menor do que o do ano passado, que foi espetacular, de US$ 98,8 bilhões. Neste começo de ano, apesar da queda da exportação de soja, que estava prevista, o Brasil bateu recorde nos primeiros cinco meses com superávit de US$ 35,9 bilhões.

O problema fiscal tem sido sempre uma assombração no Brasil e vai continuar sendo, mas os últimos dados divulgados no fim do mês passado pelo Tesouro Nacional, mostram um superávit primário de R$ 30 bi acumulados em quatro meses.

A economia está com indicadores positivos. Não há razão para euforia, nem para esse clima de fim de mundo que aparece às vezes. O país gastou dias discutindo, viu refregas públicas, ameaças de traições a padrinhos políticos, disputas paroquiais, apenas porque o governo decidiu taxar importados até US$ 50. Sexta-feira, o ministro Fernando Haddad se desentendeu com um banco no qual tinha ido falar, porque eles disseram à imprensa que ele disse o que não havia dito. O dólar tem subido no mundo inteiro, mas um pouco mais no Brasil. Haddad propôs limitar o uso de créditos tributários para cobrir a perda de receita com a desoneração de 17 setores e iniciou-se uma nova guerra com o setor produtivo, principalmente o agronegócio.

Esse ambiente deteriorado na política e as avaliações sempre pessimistas na economia dão um quadro do país pior do que ele é. E o Brasil, convenhamos, já tem desafios demais a enfrentar.

 

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