Anistia vergonhosa une esquerda e direita
Folha de S. Paulo
Medida que concede impunidade a partidos é
subversão da atividade parlamentar, aprovada pelas maiores forças da Câmara
Apesar das merecidas críticas e a despeito de
seus inúmeros problemas, a famigerada PEC da
Anistia passou com folga pela Câmara. Menos de 20%
dos deputados federais tiveram a dignidade de votar contra essa
proposta de emenda à Constituição que, na prática, concede um atestado de
impunidade a todos os partidos políticos.
Ainda pendente de aval do Senado,
a medida oferece às legendas três tipos de perdão, os quais têm em comum o
descaso com a opinião pública e a subversão traiçoeira da atividade
parlamentar.
Em uma das frentes, estende-se a imunidade das agremiações políticas, bem como de seus institutos e fundações, a todas as sanções de natureza tributária, com exceção para as previdenciárias. Entram nessa patuscada até mesmo os processos de prestação de contas eleitorais e anuais, incluindo juros, multas e condenações.
Ou seja, de forma ampla e irrestrita, os deputados
querem passar a borracha sobre as mais diversas irregularidades cometidas
por eles próprios ao longo de suas campanhas ou na condução dos partidos —e
nunca é demais lembrar que as siglas dispõem de fundos que somaram R$ 6 bilhões
só em 2022.
E pior: não se trata apenas de criar um
salvo-conduto para todos os erros já cometidos pelas legendas, desde os
singelos e comezinhos até as mais descaradas fraudes; trata-se de modificar a
Constituição para fazê-lo, deixando aberta uma porteira por onde projetos de
lei com teor semelhante decerto passarão com facilidade no futuro.
A PEC da Anistia não para aí. Seu segundo
tentáculo envolve um generoso parcelamento de dívidas das legendas, que terão o
benefício de aderir ao programa a qualquer tempo, contarão com até 180 meses
para quitar as pendências e, como se a desfaçatez não fosse grande, poderão
empregar verbas do fundo partidário nesse objetivo.
Por fim, a emenda fixa uma cota para negros
nas eleições,
obrigando a destinação de ao menos 30% dos recursos para essas candidaturas —em
2020, o Supremo Tribunal Federal havia decidido que a divisão deveria ser
proporcional ao número de postulantes, o que representou 50% na última disputa.
O mérito da cota racial nem vem ao caso. É
inadmissível que seja facultado aos partidos compensar, nas próximas eleições,
as infrações praticadas em relação a esse ponto nas disputas de 2020 e 2022.
Ressalvados o PSOL,
a Rede e o Novo, todas as demais agremiações —da esquerda governista à direita
oposicionista, passando, é claro, pelo centrão— se irmanaram nessa patifaria
que só faz crescer o descrédito do Congresso. Cabe agora ao Senado decidir a
quem dá as mãos: aos infames deputados ou à sociedade?
Maduro cambaleia
Folha de S. Paulo
Pesquisas apontam vitória da oposição, mas
ditadura ainda pode afetar o pleito
A duas semanas das eleições presidenciais
na Venezuela,
a ditadura de Nicolás
Maduro se vê ameaçada. Seu arsenal antidemocrático contra
candidatos competitivos da oposição esvaiu-se ao mesmo tempo em que o pleito
marcado para 28 de julho converteu-se em plebiscito do governo.
Pesquisas indicam haver maioria a favor do
desmantelamento do regime chavista, exaurido pela economia dilapidada
e por infração sistemática aos direitos
humanos, que geraram mais de 8 milhões de refugiados—
cerca de um terço da população do país.
Maduro é desafiado por um diplomata
aposentado e neófito em política, Edmundo González, que o trata respeitosamente
como "presidente", não se enreda em discursos revanchistas e promete
ressuscitar a atividade econômica para trazer os refugiados de volta.
Em pesquisa de intenção de voto de junho,
Maduro obteve 35%, ante 56% de seu oponente. Neste mês, outra sondagem apontou
diferença ainda maior, de 27,3% e 68,4%, respectivamente.
Na Venezuela, pesquisas não necessariamente
refletem o saldo das urnas. O uso ilimitado da máquina pública e a coação
exercida pelo regime em favor da reeleição de Maduro, que assegura ter enquetes
sobre sua vitória indiscutível, podem vir a minar as tendências atuais.
O caudilho subestimou a capacidade da
oposição de se unir em torno de um nome desconhecido, proposto pela Plataforma
Democrática Unitária. E a candidata natural do antichavismo, María Corina
Machado, tem sido hábil em atrair votos para González.
Maduro ignorou, principalmente, sua crescente
impopularidade oriunda da exaustão de um modelo de governo autoritário, cuja
violência está sob investigação pelo Tribunal Penal Internacional.
Entretanto não há dúvidas de que restam
fartos instrumentos
para o regime perseguir opositores e fraudar a eleição. O chavismo
provou-se hábil em se valer deles, mesmo sob o peso da indignação e das sanções
internacionais.
Ademais a força bruta, militar e paramilitar,
sempre estará à mão de qualquer ditador para impor sua continuidade no poder.
Abin paralela deve ser investigada com celeridade
O Globo
Operação da PF trouxe indícios de que
espionagem era mais ampla e nefasta do que se imaginava
Já se sabia que, durante o governo Jair
Bolsonaro, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin)
monitorou autoridades e cidadãos clandestinamente. A operação deflagrada
pela Polícia
Federal (PF) nesta semana trouxe indícios de que esse esquema
de espionagem era mais abrangente e nefasto, mantendo relação estreita com um
grupo que funcionava dentro do Palácio do Planalto para disseminar
desinformação e atacar instituições republicanas, autoridades e adversários
políticos, alcunhado “gabinete do ódio”.
Entre os elementos elencados na investigação
da PF está o uso, pela Abin, do software espião First Mile para monitoramento
ilegal em massa, revelado
no ano passado pelo GLOBO. Esse programa permite invadir a
privacidade, sem autorização judicial, e acompanhar a localização de qualquer
um a partir do número de celular. Estima-se que tenha sido acionado 30 mil
vezes.
Entre as autoridades vigiadas, diz a PF,
estavam os ministros do STF Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Dias
Toffoli e Luiz Fux; os deputados Arthur Lira e Rodrigo Maia, presidente e
ex-presidente da Câmara; os senadores Omar Aziz e Renan Calheiros, presidente e
relator da CPI da Covid; o ex-governador de São Paulo João Doria, desafeto de
Bolsonaro; além servidores do Ibama, auditores da Receita Federal e
jornalistas.
O documento afirma que os ataques não eram
dirigidos somente a ministros do STF, mas também a seus familiares. Num áudio
em poder da PF, Bolsonaro, o então diretor da Abin Alexandre
Ramagem (deputado federal e pré-candidato à prefeitura do Rio)
e o então chefe do GSI Augusto Heleno conversam sobre uma investigação
contra Flávio
Bolsonaro. Segundo a PF, no áudio gravado pelo próprio Ramagem, eles
discutiram medidas contra os auditores da Receita responsáveis pelo relatório
de inteligência que gerou o inquérito sobre suspeitas de “rachadinhas”. O
objetivo, dizem as investigações, era levantar “podres” e relações políticas
dos auditores. O inquérito contra Flávio acabou arquivado pela Justiça.
Na rede subterrânea descrita pela PF, as
informações obtidas ilegalmente pela Abin paralela eram usadas para gerar
dossiês falsos e abastecer os assessores que operavam o “gabinete do ódio”. O
senador Alessandro Vieira, um dos mais atuantes na CPI da Covid, também foi
monitorado e virou alvo depois de tentar convocar o vereador Carlos Bolsonaro
para depor e de pedir a quebra de seus sigilos bancário, fiscal, telefônico e
telemático. Diálogos obtidos pela PF mostram integrantes do “gabinete do ódio”
combinando os ataques.
É preocupante que, segundo a PF, a
organização criminosa não tenha sido “totalmente neutralizada”, pois nem todos
os seus integrantes foram identificados. A operação expõe não só um aparato
montado ilegalmente para espionar cidadãos, mas também a captura de uma
instituição pública para uso político e pessoal. Espera-se que, com base nos
indícios levantados, as investigações sejam aprofundadas com celeridade e que
todos os que agiram à margem da lei respondam por seus atos. Tão importante
quanto puni-los é impedir que instituições de Estado sejam sequestradas por
quem está no poder. É a sociedade que deve vigiar seus governantes, não
contrário.
Uso da Petrobras para reerguer indústria
naval repete erro petista
O Globo
Edital para navios que favorece estaleiros nacionais representa desperdício do dinheiro do acionista
O anúncio de que a Transpetro, subsidiária
da Petrobras,
encomendará navios em licitações cujas regras favorecem estaleiros nacionais é
um desafio à sensatez. O edital para
contratar o primeiro lote de quatro petroleiros de pequeno
porte para transportar combustível na costa brasileira marca a retomada de um
programa que já não deu certo no passado, deixou prejuízos para o Erário e um
rastro de denúncias de corrupção investigadas pela Operação Lava-Jato.
Sob medida para beneficiar estaleiros
nacionais, o edital permite que estaleiros em recuperação judicial participem
das licitações. Oferece vantagens a fornecedores locais, repetindo a reserva de
mercado adotada no segundo governo do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva e na gestão Dilma Rousseff. Na ocasião, o governo usou a capacidade
financeira da Petrobras para lotar estaleiros de encomendas e gerar empregos no
setor. Tal política fracassou. Não entregou navios e sondas na quantidade e
qualidade exigidas.
O maior emblema desse fracasso foi a Sete
Brasil, criada no final de 2010, sob controle da Petrobras, para encomendar
sondas a estaleiros e depois arrendá-las à estatal. Não produziu uma sequer das
29 contratadas, e sua falência foi decretada em 2019. Os prejuízos com a
empreitada foram estimados em US$ 25 bilhões pelo Tribunal de Contas da União
(TCU), conta paga pelos acionistas da Petrobras — o maior deles, a União — e
pelos cotistas de fundos de pensão de estatais que o governo envolveu no
negócio.
A nova gestão petista não parece ter
aprendido nada com o episódio. Fala apenas na volta do tempo em que os
estaleiros empregavam 85 mil funcionários (hoje, depois do fracasso da política
de subsídios, restaram apenas 26 mil). A encomenda de quatro petroleiros é só o
início. O plano integral prevê 25 navios, com entregas até 2029. O lançamento
do primeiro petroleiro está agendado para junho de 2026, meses antes da eleição
presidencial.
O financiamento aos estaleiros nacionais será
feito pelo Fundo de Marinha Mercante, administrado pelo BNDES. As taxas de
juros serão subsidiadas com dinheiro público. Elas já são vantajosas, entre
2,3% e 3,3% ao ano. Mas serão ainda mais baixas para quem se comprometer a
entregar navios com no mínimo 65% de “conteúdo local”.
Num mercado em que empresas nacionais não têm
vantagens comparativas, não é difícil prever o que acontecerá: perdas para a
Petrobras. Mas a nova presidente da estatal, Magda
Chambriard, demonstra estar de acordo com o que deseja o Planalto.
Logo na posse, afirmou que sua gestão estará “totalmente alinhada com a visão
de país do presidente Lula e do governo federal”.
O fato de a União deter o controle da
Petrobras não dá ao governo o direito de impor à empresa investimentos
temerários, que já se mostraram equivocados. Os interesses dos milhares de
outros acionistas, dentro e fora do país, não podem ser deixados de lado. Nem é
preciso lembrar a corrupção desmascarada pela Lava-Jato na Petrobras para
entender o erro crasso de gestão que representa o edital dos petroleiros.
A escalada da desfaçatez
O Estado de S. Paulo
Em revelação estarrecedora, PF diz haver
gravação que sugere uso da Abin por Bolsonaro para prejudicar auditores da
Receita que teriam exposto malfeitos de um de seus filhos
A Polícia Federal (PF) cumpriu no dia 11
passado uma nova etapa da Operação Última Milha, que investiga a transformação
da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) em um aparato clandestino de
espionagem durante o governo de Jair Bolsonaro.
Esse desdobramento da operação não trouxe
muitas novidades sobre o caso, que já é objeto de investigação desde o início
deste ano (ver o editorial Um arremedo
de SNI, de 27/1/2024). A principal revelação da PF foi a existência
de uma gravação, cujo teor não foi divulgado, da conversa em que Bolsonaro
teria autorizado, em agosto de 2020, que a Abin servisse como espécie de órgão
auxiliar da equipe de defesa de seu filho mais velho, o senador Flávio
Bolsonaro (PL-RJ), no caso das “rachadinhas”.
A julgar por esse novo achado dos
investigadores, a grave suspeita de que Bolsonaro agiu contra a Constituição,
as leis e o interesse nacional enquanto presidente da República – ao espionar
autoridades dos Poderes Legislativo e Judiciário, entre outros – caminha para
ganhar a materialidade que pode comprometer ainda mais o seu destino
jurídico-penal no futuro próximo.
O fato de Bolsonaro ter se apoderado da Abin
para fazê-la seu aparelho particular de bisbilhotagem de autoridades,
adversários políticos e jornalistas, prática típica de um Estado autoritário,
não surpreende. Afinal, o ex-presidente jamais escondeu a sua índole
liberticida e sua intolerância a críticas e divergências. Ademais, a própria PF
já havia revelado como a Abin usou indevidamente o sistema FirstMile, que
permite a geolocalização de celulares, para invadir a privacidade de quaisquer
pessoas tidas como inimigas por Bolsonaro e seus acólitos.
Segundo a PF, Bolsonaro, Flávio, uma das
advogadas do senador, o então diretor da Abin, Alexandre Ramagem, e o então
chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno,
teriam discutido naquela fatídica reunião meios de empregar os recursos humanos
e tecnológicos da agência para “descobrir podres” dos auditores da Receita
Federal responsáveis pelo relatório de inteligência financeira que implicou
Flávio no esquema das “rachadinhas” na Assembleia Legislativa do Estado do Rio
de Janeiro – revelado por este jornal no fim de 2018.
De acordo com o relatório da autoridade
policial, “a premissa investigativa (o aparelhamento da Abin para fins
particulares) é corroborada por áudio no qual Jair Bolsonaro, o general Heleno
e, possivelmente, a advogada de Flávio Bolsonaro tratam sobre as supostas
irregularidades cometidas por auditores da Receita”. O objetivo, como fica
claro, era usar um órgão, que deveria servir à instituição da Presidência da
República, para desqualificar o trabalho de servidores públicos que ousaram
apontar movimentações financeiras suspeitas de um dos filhos do então
incumbente. É estarrecedor.
Ainda segundo a PF, a gravação da conversa
teria sido realizada de forma sorrateira pelo próprio Ramagem, sem o
conhecimento de Bolsonaro e dos demais interlocutores. Ora, com que objetivos o
então diretor da Abin gravou ninguém menos que o presidente da República? Fosse
republicana aquela conversa, decerto não haveria razão para o registro
clandestino. De boa coisa, Ramagem sabia que não se tratava.
Consta que Bolsonaro teria ficado “furioso”
ao saber que seu pupilo, o “poste” que ele ungiu como seu candidato à
prefeitura do Rio de Janeiro, o teria gravado. Ora, é isso o que acontece
quando um governante se presta a exigir que agentes públicos se comportem fora
da lei para atender a seus desígnios particulares. Sem freios morais, uma vez
rompida a barreira legal, nada há de impedir que aqueles que se julgam acima do
bem e do mal façam o que bem entender para impor seus objetivos políticos.
Tudo isso é gravíssimo e impõe o
prosseguimento da investigação de forma técnica, a fim de levar à punição de
todos os responsáveis. Por sorte, a espionagem bolsonarista levada a cabo pela
Abin foi trabalho de amadores. Se a competência dos liberticidas estivesse à
altura de suas más intenções, o Brasil estaria perdido.
O atrevimento de uma estudante
O Estado de S. Paulo
Ao inaugurar metade de um câmpus, Lula foi
cobrado por aluna de 19 anos que escancarou modo petista de governar: o
importante é anunciar a obra; concluí-la e mantê-la são só detalhes
“Depois de muita luta e 14 anos de espera,
finalmente estamos presenciando a inauguração oficial de apenas metade do novo
câmpus”, alertou a aluna Jamily Fernandes Assis, de 19 anos, do curso de
Direito da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), no mesmo palanque onde
estavam, entre outros, o presidente Lula da Silva, o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, e o ministro da Educação, Camilo Santana. Sublinhe-se o
“apenas metade” dito pela aluna. Sua fala corajosa, tendo ao lado um abúlico
presidente, escancarou o viço dos governos brasileiros e, em especial, o modo
lulopetista de governar: a prioridade está nos anúncios de obras e promessas de
recursos, preferencialmente exibidos com eventos grandiosos, cifras
exuberantes, plateias providencialmente escolhidas e discursos eloquentes das
autoridades.
Segundo tal lógica, o dia seguinte é um mero
detalhe. Para Lula e o PT, fica desde já dispensada a apresentação de projetos
detalhados, cronograma de entregas e desembolsos e – premissa ainda mais
distante – um plano de gestão eficiente para fazer da obra anunciada uma
realidade capaz de efetivamente beneficiar a comunidade. Anos atrás, a
Universidade Federal do Vale do Jequitinhonha foi inaugurada por Lula sem ter
corpo docente; a do ABC começou a funcionar em meio a um canteiro de obras
atrasadas e abriu seu primeiro processo seletivo sem dispor sequer de
laboratórios e de bibliotecas. Foram consequências inevitáveis do voluntarismo
lulopetista, que resolveu fazer um esforço desmedido de expansão da rede
federal de ensino superior sem pensar no óbvio – instalações precisam ser
mantidas e universidades não existem pelo impulso das edificações: requerem
pessoas, recursos e gestão.
O caso da Unifesp em Osasco, um exemplo
memorável do mau uso do direito de fazer promessas, é parte do mesmo enredo. A
construção da unidade inaugurada agora – pela metade, não é demais lembrar –
foi prometida por Lula ainda em 2008, durante o seu segundo mandato, com o
lançamento da pedra fundamental no terreno que abrigaria o câmpus. As promessas
de expansão, no entanto, esbarraram em restrições de estrutura e atrasos nas
obras. Resultado: os cursos do câmpus Quitaúna, no bairro de Osasco, começaram
a funcionar em 2011, num prédio cedido pela prefeitura da cidade. Somente em
2016 o contrato para as obras seria assinado, com prazo previsto de 18 meses
para a construção. Acabou durando oito anos, depois de consumir mais de R$ 100
milhões.
Nesta semana ficaram prontos os edifícios
acadêmico e administrativo da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios
de Quitaúna. Mas, como tratou de alertar a aluna Jamily Fernandes Assis no
discurso ao lado de Lula, “é necessário reforçar que as obras do câmpus não
estão completas” e “ainda nos faltam o auditório, o prédio da biblioteca, a
quadra e os anfiteatros”. A biblioteca, por exemplo, teve sua construção
iniciada no ano passado e só deve ficar pronta em 2025. A aluna reclamou também
de um problema habitual que integra a rotina das universidades brasileiras – o
número insuficiente de moradias para estudantes.
Em vez de, humildemente, reconhecer que uma
universidade sem biblioteca não é universidade, o ministro Fernando Haddad
preferiu dar um pito na atrevida estudante de 19 anos. “Uma universidade não é
um prédio. Uma universidade é uma obra que não tem fim. Até hoje, a
Universidade de São Paulo (USP), que foi lançada em 1934, está inaugurando
novos prédios. Isso aqui não tem fim, isso aqui é um começo”, discursou Haddad.
Ora, tratar a precariedade de um câmpus entregue pela metade como se fosse a
modernização contínua da USP é ofender a inteligência alheia, e certamente a
estudante Jamily, bem como seus colegas, sabe diferenciar uma coisa da outra.
Já Lula fez o que mais sabe fazer: transferiu
responsabilidades e apontou os culpados de sempre – os outros. O presidente
creditou a demora das obras em Osasco a “irresponsabilidades” e “falta de
vontade” de outros presidentes, provavelmente esquecendo que sua aliada Dilma
Rousseff governou o Brasil durante quase seis anos após lhe suceder e deixou um
estrago infinitamente maior do que uma obra inacabada.
Devastação em série
O Estado de S. Paulo
Degradação descontrolada do Cerrado e da
Amazônia alimenta os incêndios no Pantanal
A degradação do Cerrado e da Amazônia
retroalimenta os incêndios no Pantanal e escancara o descaso sistêmico do País
com seus biomas. O enfrentamento da devastação ambiental e das mudanças
climáticas, cada vez mais extremas, exige do governo federal ações efetivas. De
nada servem as bravatas do presidente Lula da Silva, que vende ao mundo o
palavrório em defesa das florestas, enquanto a destruição avança Brasil afora.
A fúria do fogo no Pantanal espanta ao
ameaçar uma região que levou milhões de anos para se consolidar como a maior
área alagada do planeta. O nível do Rio Paraguai está mais de três metros
abaixo do esperado, o que fez a Agência Nacional de Águas (ANA) decretar
escassez hídrica crítica. A seca chegou mais cedo. A ação humana – não raro
criminosa – intensificou a propagação do fogo, abastecido por matéria orgânica
abundante no solo.
A receita perfeita da tragédia deixou um
saldo de mais de 3,5 mil focos de queimadas, segundo o Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe). Mas o drama não é localizado.
De acordo com dados do WWF-Brasil, 84% das
cabeceiras dos rios do Pantanal estão no Cerrado, onde o desmatamento prospera,
e 16%, na Amazônia, que também sofre com incêndios, mesmo após o governo Lula
da Silva já ter sido alvo de críticas pela letargia na reação a queimadas no
ano passado. Como afirmou ao Estadão Daniel Silva, especialista em
Conservação do WWF-Brasil, trata-se de “um ciclo vicioso”.
Os números são alarmantes. Em 1985, primeiro
ano da série histórica dos dados do MapBiomas, a região onde se encontram as
nascentes dos rios pantaneiros tinha mais de 60% de vegetação nativa
remanescente, ante menos de 40% nos dias atuais. Não à toa o Pantanal foi o
bioma que mais secou nos últimos 40 anos – dos quais 15 deles governados pelo
lulopetismo. Logo, não é possível à atual gestão ignorar seu passado.
O combate ao fogo no Pantanal não foi
antecipado, apesar de alertas de que as queimadas chegariam mais cedo – a
temporada de incêndios se concentra no segundo semestre. Em junho, com esse
bioma já em chamas, foi firmado um pacto do governo federal com dez Estados
para conter queimadas pelo País. Mais tarde, recursos foram anunciados para
contornar o problema.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva,
preferiu culpar a mudança do clima, El Niño, La Niña, as ações humanas e o
Congresso – sem reconhecer a falta de real empenho político de seu chefe em
articular soluções para o problema. Até agora, nem promessa de campanha Lula da
Silva conseguiu cumprir. Prevista para implementar e fiscalizar iniciativas
ambientais em todos os ministérios, a Autoridade Climática, por exemplo,
hiberna em alguma gaveta do Palácio do Planalto.
O governo poderia investir pesado em pesquisas para otimizar ainda mais a agropecuária, acelerar a recuperação de pastos degradados e empregar todos os esforços para combater o desmatamento. A proteção dos biomas exige uma resposta mais vigorosa do governo, perdido entre a inércia e a demagogia.
Anistia de multas confirma supremacismo
racial
Correio Braziliense
A decisão aprovada no apagar das luzes da
Câmara, às vésperas do recesso, caso seja confirmada pelo Senado, será um
desserviço do Congresso à democracia brasileira
A baixa representatividade de negros na
política brasileira é um problema para toda a população e impede um
desenvolvimento social necessário a todos, ainda mais porque pretos e pardos
sempre foram a maioria da população. As políticas de branqueamento e higienistas
das cidades, que pautaram o Segundo Império e a República Velha, resultaram na
sobrevivência do racismo estrutural e no supremacismo branco das elites
brasileiras após a abolição da escravidão, em 1888.
Esse supremacismo — a crença de que um
determinado grupo de pessoas é superior aos outros — é insidioso e
sub-reptício, emerge quando menos se espera no cotidiano da população e nas
estruturas constituídas de poder político. Foi o que aconteceu na anistia às
multas impostas aos partidos políticos por não cumprirem as cotas destinadas ao
financiamento das candidaturas de mulheres e o respeito à proporcionalidade de
negros autodeclarados (pretos e pardos) no registro de chapas, para efeito da
distribuição do fundo eleitoral.
A decisão aprovada no apagar das luzes
da Câmara, às vésperas do recesso, caso seja confirmada pelo Senado, será um
desserviço do Congresso à democracia brasileira. Ela cria uma situação de
apartheid eleitoral, porque os negros terão direito apenas a 30% do fundo
eleitoral, não importa o número de candidatos, mesmo que a população negra seja
amplamente majoritária no seu domicílio eleitoral. Serão candidatos de segunda
classe.
Apesar de todos os problemas em relação ao
cumprimento da legislação eleitoral — daí o estoque de multas aplicadas aos
partidos pela Justiça Eleitoral e a decisão dos partidos de não pagarem as
punições decorrentes dessa irregularidade —, a obrigatoriedade do respeito à
proporcionalidade no financiamento dos candidatos negros, tanto quanto a cota
das mulheres, apresenta resultados positivos que deveriam ser tratados como
acertos políticos. Não são supostas "decisões inaplicáveis" da
Justiça Eleitoral, como concluíram as excelências.
Em 2022, de um total de 513 vagas para
deputado federal no Congresso Nacional, foram eleitos 135 pretos e pardos.
Inédito, por exemplo, foi o aumento significativo de mulheres negras eleitas
para a Câmara dos Deputados, que passou de 13 para 29; o número de homens
pretos ou pardos recuou de 111 para 106 no mesmo período. Mesmo assim, ainda é
pouco. Uma das causas é a dificuldade de acessar os recursos do financiamento
público para as campanhas eleitorais e, consequentemente, de ser eleito.
A constatação de que, entre os candidatos
competitivos, os homens negros receberam apenas 16% dos recursos de todos os
tipos de doação de campanha, mesmo representando 21% dos candidatos a deputado
federal, aponta para a confirmação de desigualdades estruturais. Esse é um
problema que não faz distinção ideológica, é racial mesmo.
Segundo o TSE, nas eleições de 2022, a
direita elegeu mais do que o dobro da esquerda, apesar do discurso identitário
de seus partidos: 77 a 31. Venceu de goleada no número de eleitos
autodeclarados pretos ou pardos em relação à esquerda. O placar foi de 77 a 31.
Em parte, o fenômeno se deve à ascensão do pensamento conservador nas famílias brasileiras e à presença significativa de negros nas igrejas pentecostais, que se envolveram diretamente na política. O problema é que a direita nega a existência do racismo estrutural, que se manifesta por meio de estigmas, discriminações e violências. E o resultado é o "apagão" das lideranças negras no Congresso.
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