Folha de S. Paulo
Seita platônica exige taxa de juros punitiva
para o fiel malcomportado
Somos descendentes e dependentes de primeira
hora dos filósofos gregos. Em especial da revolução do mundo helênico. Platão defendia
o mundo das ideias, perfeito, com o homem perfeito e as relações
perfeitas. Aristóteles,
seu opositor, dizia o contrário. O homem é imperfeito. O mundo idem. As ideias
de Aristóteles foram menos charmosas, e Platão moldou grande parte da
civilização ocidental. Entrou nas universidades, especialmente nos cursos
de economia…
Os fiscalistas puros da economia são, hoje, uma seita platônica. Exigem do Brasil uma performance perfeita que não tem correspondente no mundo real; nem nos países em desenvolvimento, nem nos desenvolvidos. Como a performance exigida não aparece, impõem uma taxa de juros punitiva para o fiel malcomportado. Buscam o mundo ideal, imaginando que é possível evitar com juros as ameaças do futuro.
As seitas dialogam com fatalidades. O mundo
está prestes a acabar e existe, após esse fim, um mundo perfeito. Possuem fiéis
escudeiros, embalados em uma cultura desleixada com a realidade.
Olhando somente para os dados —e aqui vamos
compreender que durante a pandemia de
Covid-19 a discussão foi a de que deveríamos adotar a ciência,
os fatos—, fica evidente que os fiscalistas consideram que a inflação está
fora de controle, quando na realidade ela não está.
Olhando para a realidade, o IPCA acumulado
nos últimos 12 meses é de 4,23%. Já o IPCA acumulado de 2024, até o momento, é
de 2,48%. Os nossos fatalistas do Banco Central construíram
uma ideologia do caos e criaram uma seita. Alguns sentam-se nos bancos à
esquerda. Outros sentam-se à direita. Mas ambos realizam as mesmas previsões.
Essas são sempre
amargas. A penitência? Juros absurdamente altos —Selic parada
em 10,5% ao ano e agora com ameaça de aumento— para controlar uma inflação
hipotética que pode destruir o sonho do mundo ideal. Não bastam os dados. Não
basta a realidade. Os platônicos querem prever o futuro, e a realidade que se
dane.
O Banco Central deve, claro, agir para conter
descontroles da economia. Mas deve fazer isso abaixando os livros sagrados
inflados pelo apocalipse. Decidir baseado na realidade para garantir a
qualidade e a quantidade de empregos, em vez de punir a população de baixa
renda com juros altos e condenar empresas e agronegócio a baixos investimentos.
Uma passada de olhos em jornais e artigos de
economia mostra as dificuldades do Brasil no quesito produtividade. No ranking do World Competitiveness Ranking (WCR), do
International Institute for Management Development (IMD), em 2024 o Brasil caiu
para a 62ª posição, ficando à frente apenas de Peru, Nigéria, Gana, Argentina e
Venezuela. Dentro desse mesmo ranking, no quesito eficiência empresarial,
ficamos na 61ª posição. Honestamente, qual empresário se dispõe a investir em
equipamentos com esses juros? Colocar os juros dentro de seus custos eliminará
boa parte de sua receita. A solução? Produzir na China, na Índia ou em outros
locais. E os empregos? Bem, para os fiscalistas, empregos talvez não importem.
Sem empregos todos poderão contemplar a natureza no mundo ideal.
A inflação está
controlada. A taxa Selic no Brasil é mais de duas vezes a inflação
acumulada em 12 meses. Por quê? Porque os fatalistas decidiram que o futuro é
uma ameaça constante. No mundo real, população, empresários, empreendedores,
agricultores, trabalhadores e donas de casa sentem os efeitos negativos dos
juros altos. Os economistas debatem suas visões.
É preciso dar um basta e retirar do Banco
Central qualquer sacerdote fiscalista. Ter um presidente com autoridade e
convivência com o mundo real. Alguém vinculado ao sistema produtivo, não ao
rentismo. Alguém que compreenda os mecanismos de investimentos que aumentem
competitividade, gerem postos de trabalho e parem de arrancar dinheiro da
população pauperizada.
Não fazer isso conduzirá ao apocalipse
ameaçado pelos fiscalistas. Dirão: "Nós avisamos". Na verdade, não
avisaram nada, foi muito pior. Empurraram o país para o atraso. E isso sim é um
erro fatal.
Um comentário:
Excelente! "JUROS ABSURDAMENTE ALTOS", mantidos pelo Banco Central e aplaudidos pelos jornalistas e colunistas mercadófilos! Maus brasileiros que só defendem seus empregos e os interesses dos mercados financeiros!
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