quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Pés no chão


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. A decisão do Banco Central de manter a pressão sobre os juros coloca o governo com os pés no chão, num momento de euforia compreensível, mas preocupante. A dose pode ter sido demasiada, mas, para um governo super-otimista e gastador, somente um Banco Central mais realista que o rei dá conta de manter as condições básicas para um crescimento sustentável num mundo em crise econômica. Não foi à toa que Jim O"Neill, economista-chefe do banco Goldman Sachs, criador da expressão Bric, sigla que se refere aos países emergentes Brasil, Rússia, Índia e China, disse em recente entrevista que o Banco Central brasileiro está sendo considerado um dos mais respeitáveis do mundo.

A euforia com que o crescimento do PIB de 6,1% no trimestre foi recebido, como se confirmasse a tese de que o país está descolado da crise mundial, só tem comparação com a euforia que tomou conta de importantes figuras do governo, como a potencial candidata à sucessão de Lula, ministra Dilma Rousseff, com a intervenção do governo dos Estados Unidos nas companhias hipotecárias gigantes Fannie Mae e Freddie Mac.

Ao contrário de indicar "o enterro do neoliberalismo", nas palavras jocosas de Ciro Gomes ou, como quer Dilma Rousseff, que os países centrais nunca abriram mão de intervir na economia, mas recomendam o "neoliberalismo" para os outros, a intervenção naquelas empresas é um sintoma de que elas não deveriam nunca ter sido protegidas pela lei especial que rege as "empresas apoiadas pelo governo" (Government Sponsored Enterprises - GSE).

A Fannie Mae (Federal National Mortgage Association) foi criada em 1938 por Franklin Delano Roosevelt, durante o New Deal, uma época de ampla intervenção governamental, para fornecer liquidez ao mercado hipotecário e permitir que os cidadãos tivessem acesso a financiamentos para a casa própria depois da crise econômica provocada pela quebradeira da Bolsa de Valores em 1929. Foi privatizada em 1968 pelo governo Lyndon Johnson, para conter o déficit orçamentário provocado pela Guerra do Vietnã.

A Freddie Mac (Federal Home Loan Mortgage Company) foi criada em 1970, no governo Nixon, para expandir o mercado secundário de hipotecas. Esse tipo de empresa tem o apoio do governo americano, e foi para honrar esse compromisso "implícito" que o Tesouro interveio.

Quer dizer, essas empresas "apoiadas pelo governo" são anomalias, não respondem às leis do mercado e por isso trabalharam nos limites da irresponsabilidade na bolha especulativa imobiliária.

Por outro lado, é bom lembrar que, quando o governo Fernando Henrique Cardoso interveio em vários bancos para impedir uma crise sistêmica, criando o Proer, não houve quem na oposição visse nessa atitude uma demonstração de que o "neoliberalismo" estava sendo sepultado. Pelo contrário, criticaram a medida como se ela fosse uma ajuda aos banqueiros, e não aos depositantes.

O economista brasileiro Paulo Leme, diretor de pesquisas de mercados emergentes da Goldman Sachs em Miami lembra que "ninguém está imune a choques externos, e o Brasil não é exceção". Para ele, o PIB do segundo trimestre confirma a tese de que, numa economia relativamente fechada como a nossa, a expansão vigorosa da demanda doméstica (a 9% ao ano) foi muito mais importante para o crescimento do que a desaceleração do volume de exportações.

"Mas os efeitos negativos da crise externa já são evidentes em todas as contas brasileiras: a desalavancagem e contração de crédito nos mercados internacionais já reduziram significativamente o superávit na conta de capitais e no balanço de pagamentos; a preocupação com uma redução no crescimento mundial derrubou o preço internacional das commodities, derrubando a bolsa no Brasil. Estes fatores mais a recuperação do dólar derrubaram o real a R$1,78".

Para Paulo Leme, esses fatores negativos já presentes na economia e mercados brasileiros se agravarão ao longo dos próximos doze meses. "O crescimento em 2009 deverá cair abaixo de 3,5% (de 5,2% ou mais em 2008), em grande parte devido à contração da política monetária este ano. O menor ritmo de crescimento mundial e aperto de crédito explicam uma parte menor desta desaceleração".

Para 2010, "nossa previsão é de uma recuperação do crescimento a 4%, em parte por um ciclo de corte de juros no Brasil (começando em outubro de 2009), e em menor grau pela recuperação da economia mundial", diz Leme.

Outro economista brasileiro, este em Nova York, Paulo Vieira da Cunha, ex-diretor do Banco Central, também não acredita no "descolamento". Para ele, não há problema de financiamento do déficit de conta corrente, "mas a desvalorização do câmbio real provavelmente será recessiva, dada a falta de demanda externa e os baixos preços das commodities".

O crescimento do PIB traz de volta o problema de inflação, "pelo forte crescimento da demanda doméstica, ultimamente sustentado pelos gastos do governo e ainda com uma tração forte de 2007". Mas, Paulo Vieira da Cunha acha que "o ciclo vai virar e, quando virar, as receitas do governo cairão na frente, forçando uma queda no gasto que, em simetria ao que tem acontecido até agora, será pró-cíclica, acelerando a queda da demanda doméstica".

Paulo Vieira da Cunha acha que, ao contrário do "descolamento", a questão, em fins de 2009 e "mais provavelmente em 2010", vai ser a situação da economia mundial. "Se estiver em recuperação, vai ajudar, caso contrário, a economia brasileira provavelmente entrará em recessão".

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