Foi um tempo aflitivo, quando vivido um dia por vez, mas olhando-se agora, em retrospectiva, o Brasil se saiu muito bem da crise bancária que enfrentou nos anos 90. Nos Estados Unidos a crise é cada vez mais assustadora, e até Alan Greenspan defendeu ontem a estatização dos bancos. Gustavo Loyola, que enfrentou uma crise bancária, diz que aqui não foi preciso estatizar.
Loyola era presidente do Banco Central na maior parte da crise bancária que estourou com a quebra do Econômico, depois do Nacional, do Bamerindus e de uma série de instituições menores.
Nos Estados Unidos, a estatização (ou nacionalização, como eles dizem) tem sido defendida até pelos maiores adeptos do liberalismo. Aqui, esse caminho foi evitado.
- No Brasil havia bancos sólidos, que serviram como pontos de apoio para o Banco Central. O trabalho funcionava assim: o Banco Central intervinha no banco em crise e passava para outro banco os passivos com o público (os depósitos à vista e a prazo), junto com ativos equivalentes. Por esse banco bom, o adquirente pagava uma quantia ao banco podre que ficava no Banco Central.
As autoridades brasileiras foram rápidas em isolar o problema e atuar em cima de cada um. Não foram problemas simples. A crise maior estourou nos bancos públicos.
- O Banespa sofreu intervenção, o Banco do Brasil foi capitalizado na época do (Carlos) Ximenes na presidência, os bancos estaduais foram federalizados para serem saneados e vendidos - conta Loyola.
A crise, estourando no começo da estabilização, produziu um momento de perigo extremo para o país e a economia. Evitou-se que a crise se alastrasse. O complicador político foi afastado, quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso determinou que as decisões fossem técnicas e seu ministro da Fazenda, Pedro Malan, respaldou a atuação do Banco Central.
- No caso brasileiro não se podia estatizar os bancos, porque isso significaria proteger o acionista. No Brasil os acionistas tinham responsabilidade objetiva pela situação das instituições, ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, e por isso ficaram com os bens indisponíveis. Se os bancos brasileiros com problemas fossem estatizados, seria uma forma de tirar dos banqueiros essa responsabilidade - conta Loyola.
Outra diferença enorme entre a crise lá e cá é que no Brasil não havia subprime ou excessos de empréstimos. Os rombos dos bancos revelados após a queda abrupta da inflação estavam relacionados com títulos públicos como FCVS (Fundo de Compensação de Variação Salarial) ou títulos da dívida ou TDAs, papéis que no mercado tinham um valor muito menor que o valor de face porque traziam a memória dos problemas econômicos anteriores do Brasil. No caso dos bancos estaduais, principalmente do Banespa, havia rombos causados por empréstimos concedidos pelas instituições aos governos estaduais, que não pagavam. O Banespa recebeu um empréstimo do governo para sanear as contas e, quando ele foi vendido para o Santander, o dinheiro ajudou a abater a conta, mas o governo de São Paulo ainda paga essa dívida. Loyola diz que, ao atacar o problema, deve-se mapear o tamanho da crise e atacar a falta de confiança no sistema.
- O primeiro norte com o qual trabalhar é a eliminação da desconfiança, por isso não adianta emprestar 300 para cobrir um rombo de 500, porque os agentes econômicos continuarão desconfiados e, ao fim, o buraco crescerá e o Banco Central terá posto 300 para nada. Na medida do possível, é preciso ter um diagnóstico preciso do tamanho do problema. O segundo norte é saber que o investidor de risco que subscreveu ações do banco não pode ser salvo, é preciso garantir apenas o depositante e o poupador. O terceiro norte é não permitir a contaminação de um banco sólido que tiver absorvido um banco com problema; aqui, quando tivemos sinal disso, agimos imediatamente.
Nos Estados Unidos, o Bank of America comprou a Merrill Lynch depois de uma longa due diligence (auditoria), mas, após completada a aquisição, avisou ao Fed (o BC americano) que tinha subestimado os problemas do banco adquirido, e isso reabriu a temporada de problemas.
Crises bancárias aconteceram em outros países da região. A Venezuela teve uma crise antes do Brasil. Vários bancos quebraram, os donos fugiram para o exterior com remessas de capital e o governo caiu. A crise provocou uma enorme recessão. No corralito que aconteceu na Argentina, tempos depois, o dinheiro dos depositantes ficou preso, numa espécie de Plano Collor piorado. O Brasil voltou a ter um problema com os bancos Marka e FonteCindam na época da desvalorização cambial, mas o problema foi isolado.
- Mas a grande vantagem é que no Brasil a crise bancária não coincidiu com a crise cambial. Aqui houve um sequenciamento perfeito - diz Loyola.
Agora enfrentamos a crise internacional de grandes proporções, à qual não resistiríamos sem ter saneado e criado regras de prudência para os bancos, como foi feito naquela nossa crise bancária.
Um comentário:
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