Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO
A economia, onde havia maior emergência, foi o ponto em que o presidente Barack Obama teve o desempenho mais fraco. Em 100 dias ele fez mudanças históricas nas áreas ambiental, política internacional, científica. Mas ainda patina na crise econômica. O fantasma da crise bancária ainda não foi afastado, as montadoras continuam quebradas, o plano de estímulo não chegou às pessoas.
Na época da campanha eleitoral, Obama falava sempre do conflito entre Wall Street e Main Street, numa alegoria da encruzilhada entre o mundo das grandes finanças e o mundo do cidadão comum. Prometeu que sua prioridade seria Main Street. Nenhuma das duas respira aliviada, mas seu governo passou pelo dissabor de ver que os executivos de uma seguradora quebrada, onde o contribuinte pôs mais de uma centena de bilhões de dólares, pagou bônus aos seus executivos. Wall Street levou a melhor neste caso.
Ontem foi divulgado o terceiro trimestre consecutivo de encolhimento do PIB americano. Um tombo maior do que o esperado, acima de 6%. Três trimestres de queda é um fato que só aconteceu 34 anos atrás. A utilização da capacidade ociosa está no mais baixo nível desde que o dado existe: 1967.
É resultado ainda da herança maldita. Ele recebeu um país em recessão grave, sob risco de depressão. Ninguém resolve isso em 100 dias. Qualquer pessoa sabe que a economia tem seu tempo e decisões de hoje demoram a fazer efeito. O programa de estímulo só começará a ter impacto realmente relevante em meados do atual trimestre, mas é mais seguro esperar reflexos no segundo semestre.
A pedra da crise bancária está no mesmo lugar. Ele anunciou pacotes de trilhões que ainda não levaram a nada de concreto. Sem a solução desse problema, não haverá remédio duradouro para a crise econômica.
O secretário do Tesouro, Timothy Geithner, já entrou enfraquecido no cargo, por causa do escândalo da não declaração do dinheiro recebido quando era funcionário do FMI. Só por ficar na defensiva ele já perdeu parte do impulso inicial. Seu plano, que foi anunciado como a grande solução, ainda não produziu efeitos concretos.
Quando surgiu, no dia 10 de fevereiro, foi recebido com dúvidas e ceticismo.
O mercado despencou.
Quase um mês depois ele foi detalhado, e o mercado reagiu bem.
O governo americano anunciou que usaria algumas armas: um plano de capitalização dos bancos, desde que eles se mostrassem viáveis através dos testes de estresse; um fundo formado por capital público e privado para a compra de ativos podres; outra parte seria dinheiro do Fed, para reativar o mercado de papéis lastreados em diversas dívidas, como cartão de crédito, financiamento de estudante e ativos imobiliários.
Tudo isso era para evitar a estatização dos bancos, mas se parece com uma espécie de estatização envergonhada, pela porta dos fundos. Os 19 maiores bancos estão sendo auditados nesses testes de estresse, mas o que se sabe é que até os mais fortes, como o Citibank e o Bank of America, receberão novas montanhas de dinheiro do contribuinte.
Aí fica uma grande questão: qual a diferença em relação aos cheques distribuídos aos banqueiros pelo governo Bush? A outra ferramenta de capitalização dos bancos — o fundo com capital privado e público — não virou realidade.
A novidade neste ponto é que o governo encontrou uma fórmula para sair da armadilha de arbitrar quais ativos dos bancos seriam podres e que valor eles teriam: realizar leilões dos papéis que os bancos decidissem que são podres e, nos lances que dessem, os eventuais compradores é que arbitrariam o valor. A solução foi encaminhada, mas o governo se perdeu no temor de fazer uma estatização assumida.
Tenta encontrar uma saída que o afaste dos extremos: a estatização ou a quebra de bancos.
Obama tem que remover os destroços da crise bancária e conseguir fazer com que o sistema volte a funcionar, para que a economia retome o crescimento em algum momento.
Em outras áreas, Obama fez muita diferença em pouco tempo. Mudaram de água para vinho a atitude e a política do governo americano em relação ao tema mais decisivo do século XXI: a mudança climática. O presidente já retirou o veto dos Estados Unidos a um acordo climático global e fez reuniões com os principais emissores dos gases de efeito estufa para mostrar a eles que o caminho, agora, é o da conciliação com o planeta. O órgão ambiental do governo tomou uma decisão histórica ao reconhecer a letalidade dos gases de efeito estufa e agora ele busca, no Congresso, uma lei que restrinja as emissões. Na área científica, a chegada de Obama equivale ao fim da visão medieval de Bush, que proibia pesquisas com célulastronco e censurava cientistas na questão climática, para o mundo novo do iluminismo.
A Ciência voltou a respirar o ar da inteligência livre com Obama no poder.
Na política internacional, ele fez gestos aguardados há décadas, como anunciar o fechamento de Guantánamo e ter uma palavra serena em relação ao mundo árabe. Nas reuniões da Cúpula das Américas e do G20, o país de Obama mostrou um jeito diferente: mais humilde, mais sedutor, mais moderno.
Com Leonardo Zanelli
DEU EM O GLOBO
A economia, onde havia maior emergência, foi o ponto em que o presidente Barack Obama teve o desempenho mais fraco. Em 100 dias ele fez mudanças históricas nas áreas ambiental, política internacional, científica. Mas ainda patina na crise econômica. O fantasma da crise bancária ainda não foi afastado, as montadoras continuam quebradas, o plano de estímulo não chegou às pessoas.
Na época da campanha eleitoral, Obama falava sempre do conflito entre Wall Street e Main Street, numa alegoria da encruzilhada entre o mundo das grandes finanças e o mundo do cidadão comum. Prometeu que sua prioridade seria Main Street. Nenhuma das duas respira aliviada, mas seu governo passou pelo dissabor de ver que os executivos de uma seguradora quebrada, onde o contribuinte pôs mais de uma centena de bilhões de dólares, pagou bônus aos seus executivos. Wall Street levou a melhor neste caso.
Ontem foi divulgado o terceiro trimestre consecutivo de encolhimento do PIB americano. Um tombo maior do que o esperado, acima de 6%. Três trimestres de queda é um fato que só aconteceu 34 anos atrás. A utilização da capacidade ociosa está no mais baixo nível desde que o dado existe: 1967.
É resultado ainda da herança maldita. Ele recebeu um país em recessão grave, sob risco de depressão. Ninguém resolve isso em 100 dias. Qualquer pessoa sabe que a economia tem seu tempo e decisões de hoje demoram a fazer efeito. O programa de estímulo só começará a ter impacto realmente relevante em meados do atual trimestre, mas é mais seguro esperar reflexos no segundo semestre.
A pedra da crise bancária está no mesmo lugar. Ele anunciou pacotes de trilhões que ainda não levaram a nada de concreto. Sem a solução desse problema, não haverá remédio duradouro para a crise econômica.
O secretário do Tesouro, Timothy Geithner, já entrou enfraquecido no cargo, por causa do escândalo da não declaração do dinheiro recebido quando era funcionário do FMI. Só por ficar na defensiva ele já perdeu parte do impulso inicial. Seu plano, que foi anunciado como a grande solução, ainda não produziu efeitos concretos.
Quando surgiu, no dia 10 de fevereiro, foi recebido com dúvidas e ceticismo.
O mercado despencou.
Quase um mês depois ele foi detalhado, e o mercado reagiu bem.
O governo americano anunciou que usaria algumas armas: um plano de capitalização dos bancos, desde que eles se mostrassem viáveis através dos testes de estresse; um fundo formado por capital público e privado para a compra de ativos podres; outra parte seria dinheiro do Fed, para reativar o mercado de papéis lastreados em diversas dívidas, como cartão de crédito, financiamento de estudante e ativos imobiliários.
Tudo isso era para evitar a estatização dos bancos, mas se parece com uma espécie de estatização envergonhada, pela porta dos fundos. Os 19 maiores bancos estão sendo auditados nesses testes de estresse, mas o que se sabe é que até os mais fortes, como o Citibank e o Bank of America, receberão novas montanhas de dinheiro do contribuinte.
Aí fica uma grande questão: qual a diferença em relação aos cheques distribuídos aos banqueiros pelo governo Bush? A outra ferramenta de capitalização dos bancos — o fundo com capital privado e público — não virou realidade.
A novidade neste ponto é que o governo encontrou uma fórmula para sair da armadilha de arbitrar quais ativos dos bancos seriam podres e que valor eles teriam: realizar leilões dos papéis que os bancos decidissem que são podres e, nos lances que dessem, os eventuais compradores é que arbitrariam o valor. A solução foi encaminhada, mas o governo se perdeu no temor de fazer uma estatização assumida.
Tenta encontrar uma saída que o afaste dos extremos: a estatização ou a quebra de bancos.
Obama tem que remover os destroços da crise bancária e conseguir fazer com que o sistema volte a funcionar, para que a economia retome o crescimento em algum momento.
Em outras áreas, Obama fez muita diferença em pouco tempo. Mudaram de água para vinho a atitude e a política do governo americano em relação ao tema mais decisivo do século XXI: a mudança climática. O presidente já retirou o veto dos Estados Unidos a um acordo climático global e fez reuniões com os principais emissores dos gases de efeito estufa para mostrar a eles que o caminho, agora, é o da conciliação com o planeta. O órgão ambiental do governo tomou uma decisão histórica ao reconhecer a letalidade dos gases de efeito estufa e agora ele busca, no Congresso, uma lei que restrinja as emissões. Na área científica, a chegada de Obama equivale ao fim da visão medieval de Bush, que proibia pesquisas com célulastronco e censurava cientistas na questão climática, para o mundo novo do iluminismo.
A Ciência voltou a respirar o ar da inteligência livre com Obama no poder.
Na política internacional, ele fez gestos aguardados há décadas, como anunciar o fechamento de Guantánamo e ter uma palavra serena em relação ao mundo árabe. Nas reuniões da Cúpula das Américas e do G20, o país de Obama mostrou um jeito diferente: mais humilde, mais sedutor, mais moderno.
Com Leonardo Zanelli
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