O assassinato brutal de 12 crianças em uma escola em Realengo não afetará o PIB de 2011. Por isso, corremos o risco de um fato tão grave ser esquecido dentro de pouco tempo, como aconteceu com o assassinato de seis crianças em Luziânia, Goiás, em 2010. Isso porque ainda estamos presos à economia e ao imediatismo. Quando ocorre um crime como o de Realengo, a busca pela segurança prevalece sobre a ideia da paz. Desde essa tragédia, surgiram várias propostas para evitar a violência nas escolas: muros, detectores de metal. Mas não são solução para formar as futuras gerações que governarão o País. Mesmo para garantir a segurança imediata é preciso ter a perspectiva da paz, no médio e longo prazo. E para isso, devemos entender melhor o problema da violência nas escolas.
A sociedade brasileira é violenta, e é difícil imaginar uma escola em paz cercada pelo tráfico, pelo assassinato de crianças, por lares violentos. Existe ainda a violência da miséria convivendo com a riqueza, ainda mais em uma sociedade permissiva e que não pune a violência que se espalha diariamente.
É preciso lembrar que nos últimos cinco anos foram assassinadas mais de 10 mil crianças, que muitos outros milhares morreram por falta de cuidados. E que há uma violência aceita com naturalidade: o vandalismo na escola, das cadeiras quebradas, dos prédios degradados por atos de alunos ou pela omissão de governantes; o desrespeito ao professor; o bullying generalizado. A construção da paz depende de uma mudança cultural, mas também de leis que estimulem o respeito pela escola e a punição de todos os crimes: dos assassinos em massa aos vândalos.
Um dos passos é criar no MEC um setor educacional dedicado à segurança, sob a ótica da paz. Para construir um pacto dentro da sala de aula, envolvendo professores, alunos, pais e servidores, e proteger os arredores da escola, usando a capacidade e a competência dos policiais. A escola passa a ser pacífica por dentro, e protegida de forma invisível por fora. Projeto nesse sentido está no Senado desde 2008, é o PLS 191.
Isso não basta, pois a violência não existe apenas na escola, afeta milhões de crianças que não têm um setor público federal que tome conta delas: uma Agência (Secretaria Presidencial) Nacional de Proteção à Criança e ao Adolescente. Como já existem para jovens, afro-descendentes, mulheres, índios. Um projeto de lei nesse sentido foi apresentado ao Senado há quase seis anos. Cinco dias depois da tragédia de Realengo, a Comissão de Finanças da Câmara dos Deputados mandou arquivar, porque ele envolvia algum custo. Foi aprovada a criação de um ministério para cuidar das pequenas e médias empresas, mas falta dinheiro para cuidar dos pequenos e médios brasileiros.
Também está tramitando no Senado o PLS 518/2009, que propõe concentrar a ação do MEC na educação de base. Nem é preciso criar um novo ministério, as universidades podem ser bem cuidadas pelo Ministério de Ciência e Tecnologia.
Ajudaria a trazer paz às escolas o PLS 480/2007, pelo qual seria falta de decoro um político eleito proteger seus filhos em escolas privadas, abandonando as públicas para os filhos dos seus eleitores. Esse também está engavetado na Comissão de Constituição e Justiça.
Cabe lembrar que a paz na escola só virá se tivermos escolas com qualidade. Só temos um caminho: criar uma carreira nacional do magistério básico e um programa federal de qualidade escolar em horário integral. Projeto para ambos tramita no Senado desde 2008.
Finalmente, é preciso implantar o cartão federal de acompanhamento de toda criança, desde o nascimento, ou mesmo antes, desde a gestação, como o MEC iniciou os estudos em 2003.
Depois de assistirmos a tantas mortes, de sabermos que nossas escolas são depredadas e violentadas diariamente, esperemos que a monstruosidade cometida em Realengo desperte a população para a importância de ir além da segurança e construir a paz de que todas as escolas precisam.
Cristovam Buarque é senador (PDT-DF).
FONTE: O GLOBO
Nenhum comentário:
Postar um comentário