terça-feira, 17 de abril de 2012

Oposição elege construtora como foco das investigações da CPI

Raquel Ulhôa, Bruno Peres e Daniela Martins

BRASÍLIA - O líder do PSDB no Senado, Alvaro Dias (PR), afirma ser "visível a tentativa de recuo" por parte de lideranças da base aliada do Palácio do Planalto em criar a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para investigar as relações de agentes públicos com o esquema chefiado pelo empresário Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, preso sob acusação de comandar exploração ilegal de jogos de azar em Goiás. Mas, para o tucano, a CPMI é "irreversível" e o foco das investigações deverá ser a construtora Delta. Principal empreiteira do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a empresa tem contratos com o governo federal e com governos estaduais em várias áreas.

O líder do PSDB na Câmara, Bruno Araújo (PE), também afirmou que o partido vai pedir a convocação do dono da Delta Construções S/A, Fernando Cavendish. Os tucanos pedirão a quebra dos sigilos fiscal e telefônico de Cavendish. A intenção do partido é apresentar o requerimento assim que for instalada a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI).

O líder justifica que, em gravações divulgadas pela imprensa, Cavendish diz ser possível ser convidado para obras oferecendo dinheiro a políticos. Bruno Araújo classifica as declarações como "gravíssimas". "A Delta é a empresa que mais recebe recursos do governo federal no PAC, Cavendish precisa explicar sua atuação e suas declarações".

Hoje, senadores e deputados do PSDB vão realizar um ato simbólico na Câmara para assinatura do requerimento de abertura da CPMI. A expectativa é coletar o número mínimo de 171 deputados e 27 senadores. Como o presidente do Congresso Nacional, senador José Sarney (PMDB-AP), está afastado por problemas de saúde, a vice-presidente do Congresso, deputada Rose de Freitas (PMDB-ES), deve ser a responsável por conduzir a instalação da comissão.

"A Delta vai ser a estrela da CPI", resumiu o senador Alvaro Dias. Somente do governo federal, a Delta recebeu R$ 4,1 bilhões em cinco anos, 90% com o DNIT, segundo Dias. "Se houve equívoco dos governistas em apoiar a criação da CPI, agora já é tarde", afirma o tucano. O bloco da minoria no Senado (PSDB e DEM) tem três vagas de titulares e igual número de suplentes. Dias afirmou que consultará os demistas sobre a possibilidade de ceder uma das vagas ao PSOL ou aos "proscritos" do PMDB, como Jarbas Vasconcelos (PE).

Hoje às 15h haverá ato na liderança do PSDB da Câmara dos Deputados, para que a oposição colha assinaturas para o requerimento de criação da CPI.

O líder do PT no Senado, Walter Pinheiro (BA), nega que a intenção da base governista seja voltar atrás no apoio à criação da CPI. "Não tem chance de recuo", diz ele, lembrando o empenho dos presidentes da Câmara, Marco Maia (PT-RS), e do Senado, José Sarney (PMDB-AP), que decidiram fazer uma comissão mista.

Hoje também, o corregedor do Senado, Vital do Rêgo (PMDB-PB), o presidente do Conselho de Ética da Casa, Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), e o relator do processo por quebra de decoro parlamentar contra o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO), Humberto Costa (PT-PE), vão consultar o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski sobre a existência de possibilidade legal de terem acesso ao inquérito da Polícia Federal que apontou envolvimento de Torres com Cachoeira.

Vital afirma que, se o conselho tiver acesso aos documentos, isso poderá ser usado como argumento para esfriar a CPI, já que "o argumento prioritário para a CPI" foi a posição do STF de que somente uma CPI poderia ter acesso ao inquérito, que corre em segredo de justiça. "Vamos conversar com o ministro e ver se existe, dentro da legalidade, alguma forma de ter acesso a determinados documentos da investigação", disse Vital.

O líder do PT diz que, mesmo que o STF concorde em encaminhar o inquérito, já é tarde para evitar a investigação pelo Congresso. "A CPMI é sem retorno", insistiu Pinheiro.

Um argumento usado pelos senadores para fazer o apelo é haver precedente. Quando o ex-senador Luiz Otávio (PMDB-PA) era alvo de processo por quebra de decoro, o STF mandou ao conselho documentos do inquérito. A dúvida de Vital, no entanto, é se, naquela época, o processo contra ele corria em segredo de justiça, como ocorre atualmente, com o caso Demóstenes.

Para o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), são sinais de que os governistas ensaiam um recuo nas investigações o fato de o requerimento de criação ter se desviado do foco principal - foi retirado o nome da Delta - e a inclusão de fatos novos, inclusive as interceptações telefônicas.

"Sou da máxima que a melhor desculpa para não fazer nada é dizer que vai fazer tudo", afirma. Ele reclama, ainda, de o PSOL ter ficado sem vaga no colegiado. Segundo ele, seria uma "vergonha nacional" qualquer tentativa de evitar a investigação, mas ele admite que, como a base governista tem ampla maioria no Congresso, a CPI só será instalada se tiver "boa vontade das lideranças do governo".

O líder do PT na Câmara, deputado Jilmar Tatto (SP), também negou recuo do PT no ímpeto de instalar a CPI. "Não há nenhuma posição por parte do PT no sentido de não haver a CPI", afirmou.

Tatto disse que "a decisão da bancada é de todos assinarem" o requerimento de abertura da CPI mista. Segundo o líder, até o momento, 40 deputados já assinaram o pedido de criação da CPMI e até amanhã "todos" deverão ter assinado o documento. No entanto, frisou que a bancada não fechou uma posição sobre o assunto e que os deputados petistas assinam "se quiserem". A bancada do PT na Câmara conta com 85 deputados.

"Até hoje não teve um deputado que se manifestasse contra. Podem, eventualmente, colocar que têm uma preocupação com isso ou aquilo em relação ao desgaste do governo, nas não é uma CPI contra o governo", declarou.

Tatto disse também não ver interferência da abertura da investigação com o julgamento dos réus do mensalão, cujo processo pode ser analisado no Supremo Tribunal Federal ainda neste semestre.

O líder petista rejeitou também a possibilidade de convocação do ex-ministro da Casa Civil do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva José Dirceu para depor na CPI, uma vez que o caso Carlos Cachoeira reacende o caso Waldomiro Diniz, assessor de Dirceu e protagonista do primeiro escândalo do governo Lula, por coincidência ligado a Cachoeira.

O líder defendeu, porém, a convocação de Fernando Cavendish, diretor da Delta Construções. "É uma empresa que tem contratos com vários Estados, tem contratos com o governo federal e eu acho importante a CPI convocá-lo. É um dos membros, digamos, do braço privado, e tem de chamá-lo para prestar esclarecimentos", afirmou. A Delta tem estreitas ligações com o governo federal e o empresário é amigo do governador do Rio, Sérgio Cabral.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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