Como o julgamento do mensalão, as acusações contra a Delta na CPI do cachoeira e as eleições municipais dividiram o partido entre a turma de Lula e a turma de Dilma
Alberto Bombig
Uma linha divide a estrela do PT. Seu nome: mensalão. De um lado, estão os acusados no maior escândalo de corrupção do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, como José Dirceu e José Genoino. De outro, os integrantes do governo de Dilma Rousseff, que querem distância da banda enrolada do partido. Alguns membros do Partido dos Trabalhadores já levantam a tese dos “dois PTs”. O PT de Lula e o PT de Dilma. O primeiro lado é o defendido pelo ex-presidente, que, no afã de proteger seu legado, operou nos bastidores para adiar o julgamento do mensalão. Agora que foi marcado, ele tenta minimizar os prejuízos dos “réus companheiros”. Na outra ponta, a presidente Dilma e seu governo sabem que só têm a perder com o envolvimento com o “outro lado”. O PT de Lula, afinal, é o passado. O de Dilma é o futuro.
Há outros sinais da divisão no PT. A atitude da senadora Marta Suplicy na campanha eleitoral deste ano em São Paulo expôs as fragilidades do centralismo nas decisões petistas. Preterida em favor de Fernando Haddad, Marta decidiu enfrentar Lula. Assim, deixava claro a Dilma com qual dos dois PTs pretende ficar. Outro indício foi o desconforto de Lula com a atitude do governo federal, que deixou que a CPI do Cachoeira - incentivada por Lula contra os interesses da presidente da República - quebrasse os sigilos da empreiteira Delta. O PT, com isso, quase perdeu o controle da comissão. O cochilo, segundo ÉPOCA apurou, embute a estratégia de uma ala do governo: jogar aos leões a empreiteira líder em obras e negócios no Programa de Aceleração do Crescimento. Lula quase saiu do sério. Ele não chegou a reclamar diretamente com Dilma, mas externou seu desconforto a auxiliares e parlamentares de sua confiança. “A relação entre Lula e Dilma não chegou a azedar, mas deu uma esfriada”, afirmou um deles a ÉPOCA.
Os que acreditam na tese do partido rachado dizem que a linha divisória entre os dois PTs ficará mais clara a partir de agosto, quando o Supremo Tribunal Federal começar a julgar o mensalão. Ao contrário de Lula, Dilma planeja se manter afastada do processo e cogita participar de campanhas de candidatos petistas a prefeito somente no segundo turno, após o fim do julgamento. A tese petista sobre o mensalão sustenta que o esquema envolvia apenas sobras de campanha de 2002 e liga o escândalo a disputas eleitorais. Dilma teme associar sua imagem às disputas e não quer nem ouvir falar em palanque.
Em privado, petistas com cargo na gestão Dilma já admitem um resultado desfavorável aos eminentes réus do partido no julgamento: o ex-ministro José Dirceu, o deputado João Paulo Cunha (SP), o ex-tesoureiro Delúbio Soares e o ex-presidente do PT e ex-deputado José Genoino (SP). A eventual condenação de todos eles poderá significar, ao menos em termos simbólicos, a reprovação do governo Lula no campo da ética. Essa possibilidade tem levado Lula a se alinhar com os réus numa campanha por sua absolvição.
Já em 2005, no auge do escândalo, o então líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante, chegou a propor uma “refundação” do partido. Sete anos depois, a chance parece ter ressurgido na esteira da popularidade de Dilma. Hoje ministro da Educação, Mercadante passou décadas ao lado de Lula, como um de seus gurus para a economia. Agora é só elogios à presidente.
De volta a São Bernardo do Campo, seu berço político na Grande São Paulo, e mesmo em tratamento contra um câncer na laringe, Lula aceitou se ocupar da política partidária miúda.
Dilma e seus auxiliares petistas ficaram ainda mais distantes da atividade, que a presidente diz detestar. “Lula voltou à articulação política numa situação nova. Antes, usava uma pressão indireta sobre as escolhas partidárias. E ganhava na maioria das vezes. Agora, usa o intervencionismo direto”, diz o cientista político Lincoln Secco, da Universidade de São Paulo e autor do livro História do PT. “Isso revela duas coisas: ele tem um poder muito maior no PT, mas isso tem custos políticos que nem sempre pode controlar. Vide o caso paulistano: ele impôs o candidato, Haddad, e acabou com as prévias. Mas há um setor do partido que simplesmente não entrou na campanha até agora.”
Com Lula à frente das negociações, o PT de Dilma sentiu-se desobrigado de negociar eleitoralmente com os líderes petistas e dos partidos aliados. O movimento é bom para Dilma, uma ex-pedetista que só adotou o PT em 2000. Assim, ela se afasta ainda mais da turma do mensalão. Ao lado dela, instruídos a não perder tempo com conversas políticas, atuam, além de Mercadante, os ministros petistas Gleisi Hoffmann (Casa Civil), José Eduardo Martins Cardozo (Justiça), Guido Mantega (Fazenda), Giles Azevedo (chefia de gabinete), Fernando Pimentel (Desenvolvimento Econômico), Ideli Salvatti (Relações Institucionais) e Paulo Bernardo (Comunicações).
Em sentido oposto, Lula manobrou para vetar a indicação do prefeito do Recife, João da Costa, à reeleição. Também costurou alianças com antigos aliados de partidos “faxinados” por Dilma após algum escândalo, como o PCdoB e o PP de Paulo Maluf. “A relação mudou. Em primeiro lugar, Dilma tem sido muito mais dura com auxiliares acusados de desvios éticos. Em segundo, embora seja do PT, ela não tem história na sigla. Nunca havia sido candidata a nada. A relação do partido com ela é mais fria”, diz Secco.
Por enquanto, ninguém aposta num confronto aberto entre Lula e Dilma, ungida por ele para assumir o comando do país. Mas os choques recentes são reais e cada vez mais frequentes. A presidente era contra a criação da CPI do Cachoeira, instalada para investigar o bicheiro Carlos Augusto Ramos. Estava disposta a atuar contra a CPI, mas perdeu a disputa com o antecessor. Deu o troco ao vetar a indicação de Cândido Vaccarezza (PT-SP), fiel escudeiro de Lula, para a relatoria.
O deputado Vaccarezza acabaria flagrado ao celular enviando uma mensagem ao governador do Rio de Janeiro, o peemedebista Sérgio Cabral. Prometia blindagem absoluta a Cabral nas investigações. Vaccarezza queria o apoio do PMDB para acuar a imprensa com a comissão. Não conseguiu e deixou os governistas fragilizados. Poucos dias depois, em 30 de maio, a CPI quebrou o sigilo da empreiteira Delta (braço operacional do esquema de Cachoeira) em âmbito nacional durante toda a era Lula (2003-2010). Lula queria a Delta longe do foco da CPI que ele mesmo ajudou a criar. Mas o feitiço do feiticeiro ameaça ter vida própria. Na quinta-feira passada, governistas comandados pelo líder Jilmar Tatto (PT-SP) conseguiram uma vitória e postergaram a convocação de Fernando Cavendish, ex-homem forte da Delta. Mesmo assim, a CPI examinará as contas da Delta e poderá convocá-lo no futuro.
O deputado federal André Vargas (PT-PR) nega haver tempo ruim com o Planalto. “Nas relações com o Congresso e o PT, Dilma é diferente de Lula. Mas ela encampa os símbolos do partido e da gestão do ex-presidente. Os estilos são diferentes, e temos de entender isso”, diz Vargas. Verdade, mas algo mais os difere. Lula é pressionado pelo tempo, algo que Dilma, na primeira metade de seu primeiro mandato, tem de sobra. No discreto embate da presidente contra o lulismo, o tempo está de seu lado.
FONTE: REVISTA ÉPOCA
Nenhum comentário:
Postar um comentário