terça-feira, 31 de julho de 2012

Hora da acusação - Tereza Cruvinel

A diferença entre o processo de Collor e o mensalão estaria, segundo boa parte dos especialistas, na qualidade da peça acusatória

Sobem as taxas de excitação e de estresse, a depender do interesse e da posição de cada um, na contagem das horas que faltam para o início do julgamento do caso "mensalão" pelo STF, a partir de quinta-feira. Antes que o espetáculo comece, convém recordar a diferença entre o processo judicial e o processo político em si, neste como em qualquer caso de grande repercussão, envolvendo poder e política, e crimes complexos como os que foram apontados pela acusação. Convém recordar o caso Collor. Depois de uma CPI que também escandalizou o país com suas revelações, Collor foi politicamente condenado. Mesmo tendo renunciado pouco antes do início da votação de seu impeachment, já havia perdido qualquer condição de continuar governando. Dois anos depois, em dezembro de 1994, o STF o absolveu das acusações que sustentaram a proposta de impeachment. E muito se louvou, na época, o fato de o STF não ter se curvado às pressões da opinião pública e condenado sem provas. Os jornais daqueles dias contêm declarações de notáveis juristas e acadêmicos do direito neste sentido.

A absolvição de Collor deu-se fundamentalmente em função da má qualidade da peça acusatória produzida pelo então procurador-geral da República, Aristides Junqueira. Dez entre dez advogados que conhecem o assunto concordam nesse ponto. Na Polícia Federal, houve um grande descontentamento com Junqueira, pelo fato de ele ter concluído e apresentado sua denúncia ao STF antes que a PF terminasse de instruir o inquérito do caso PC Farias. Ou seja, sem dispor de indícios e provas objetivas, baseou-se muito no relatório da CPI do PC para sustentar que Collor era conhecedor e beneficiário das estripulias financeiras que PC Farias realizava com o baita caixa dois que operava. Um caixa dois composto pelas sobras da campanha eleitoral de 1989, quando o baronato do capital nacional, temendo a eleição de Lula, despejou dinheiro a rodo na campanha de Collor. Segundo os petistas, as relações com Marcos Valério decorreram de situação oposta: o partido saíra endividado da campanha de 2002 e aceitaram a ajuda de Valério, amigo dos bancos Rural e BMG, que se dispuseram a ajudar, esperando serem recompensados com certas facilidades para seus negócios. Veio a eleição de 2004 e foi preciso ajudar no financiamento das campanhas aliadas ou coligadas.

A diferença entre o processo de Collor e o mensalão estaria, segundo boa parte dos especialistas, na qualidade da peça acusatória. A de Antonio Fernando de Souza, apresentada ao STF em 2006, seria muito mais consistente na demonstração dos delitos. O ex-procurador foi sucedido, em 2009, pelo atual, Roberto Gurgel, que desposou inteiramente a acusação nas alegações finais que apresentou ao STF em 2011, bem como no "memorial" que encaminhou agora aos ministros, recordando os pontos mais contundentes da acusação.

Depois de amanhã, o dia será dele. O ministro-relator, Joaquim Barbosa, falará por apenas 15 minutos sobre seu relatório de mais de mil páginas, supostamente já examinado por quem interessa: réus, advogados de defesa, procurador e ministros. Aliás, aqui está outra diferença em relação ao caso Collor: o relator, ex-ministro Ilmar Galvão, rejeitou a denúncia de Junqueira, diferentemente de Barbosa, que a subscreveu quase que inteiramente.

Mas, voltando a Gurgel, no primeiro ato o foco estará nele, na leitura que fará de seu libelo acusatório ao longo de cinco horas. Não se sabe se, nessa nova peça, que acabou de redigir, ele incluirá fatos ou provas novas. Pois embora a acusação original de Antonio Fernando seja considerada muito mais consistente que a de Junqueira, não só entre os advogados de defesa ouve-se que faltam provas técnicas para duas das mais graves acusações.

Uma, a de formação de quadrilha, que na definição clássica exigiria uma organicidade que os operadores e beneficiários do valerioduto não teriam entre si. Outra, e mais importante, do ponto de vista político, a de que o mensalão foi um esquema montado para o aliciamento de deputados que receberiam pagamentos periódicos para votar a favor do governo. A denúncia e as alegações finais são ricas em detalhes sobre o funcionamento do esquema, colhidos tanto pela CPI como pela PF, esmiuça os mecanismos adotados pelo operador do valerioduto, mas não avança em um ponto: a revelação de todos os deputados que receberiam para votar com o governo. Na lista dos 38 réus, apenas 11 eram deputados em 2005, dos quais quatro eram da bancada petista: João Paulo Cunha, Paulo Rocha, Professor Luizinho e João Magno. Quem conhece o Congresso sabe que a compra de 11 deputados não garante a maioria. Os sete não-petistas com certeza repassaram o dinheiro a seus colegas de partido, é o argumento corrente, baseado na lógica dedutiva. Mas, para um juiz, talvez não baste a dedução. Talvez eles sintam falta de deputados em número compatível com a compra da maioria pelo PT.

Os nichos mais exaltados da opinião pública, dizem os advogados que apontam estas duas falhas na peça de Antonio Fernando, devem levar em conta estes aspectos técnicos da denúncia, antes de apostarem no seu inteiro acolhimento pelo STF. O julgamento responderá a tudo isso.

Fracasso. Agosto chegou e dentro de duas semanas começa o horário eleitoral. A não ser que o TSE entre no assunto, o tempo de tevê do PSD, em Minas, ficará para Marcio Lacerda, do PSB, apesar da intervenção do prefeito Gilberto Kassab, impondo o apoio do PSD ao PT. O PSDB fatura: "Houve a intervenção da Dilma no PT, impondo a candidatura do Patrus, no PMDB, para tirar Leonardo Quintão da disputa; e a do Kassab no PSD, que fracassou. Sempre que um paulista se mete em Minas, aprende uma lição", diz o deputado tucano Marcus Pestana.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

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