sábado, 20 de outubro de 2012

Lula, a democracia e o progresso social - Marco Antônio Tavares Coelho

Luis Ignácio Lula da Silva é uma figura de relevo na vida brasileira. Por duas vezes foi eleito para a presidência da República. É a principal liderança do Partido dos Trabalhadores e desfruta de grande prestígio no país, tendo reconhecido carisma, mesmo porque sabe utilizar bem os meios de comunicação.

Assumiu a postura de fazer pronunciamentos irresponsáveis que inclusive criam problemas para os próprios petistas.  Possui projeção internacional e influencia a atividade política em outros países na América do Sul.

 Foi líder sindical no setor metalúrgico no ABC, em São Paulo. Após um papel destacado nas greves durante a ditadura militar tornou-se uma personalidade nacional. Nunca fez um curso superior, mas tem um bom diálogo com setores da intelectualidade. Na condição de líder sindical entrosou-se com o grupo de intelectuais e com personagens progressistas da Igreja Católica para organizar o Partido dos Trabalhadores.  

Com um projeto de renovação da luta política no Brasil, o PT em poucos anos tornou-se um partido de relevo, pela conquista do poder federal, de alguns governos estaduais e muitas prefeituras, além de possuir uma importante bancada nas duas casas do Congresso Nacional, inclusive a presidência da Câmara dos Deputados. 

Após cumprir um segundo mandato no Palácio do Planalto conseguiu eleger Dilma Rousseff para substituí-lo. Há especulações de que ele, em 2014, disputará novamente a presidência da República, ou poderá optar pela tentativa de reeleger Dilma.

Que fatores influíram para explicar o prestígio de Lula? Como chegou a ser um líder no cenário nacional? Para se entender esse fenômeno é indispensável analisar o quadro político e a realidade da economia. No final do regime militar foram organizados alguns partidos com uma plataforma de volta ao estado de direito democrático.  Atualmente, há uma crítica generalizada à atuação da maioria dos partidos e uma pressão irrefreável em favor de uma reforma política.

O PT se destacou pelo fato de defender os interesses dos trabalhadores e das camadas marginalizadas do povo, em contraste com a maioria dos outros partidos que nunca defenderam os brasileiros mais pobres. Apresentando-se dessa forma, o PT ganhou prestígio entre os trabalhadores e as pessoas que defendem a causa de uma sociedade mais justa.  

 Ao mesmo tempo o PT se distinguiu por ser uma organização diferente dos outros partidos, estimulando a atuação de seus militantes de base e seguindo inicialmente normas de democracia interna dentro do partido.  

 Mas, para conquistar a presidência da República, Lula e o PT resolveram conquistar setores conservadores da sociedade. Assim, nasceu uma contradição entre o programa e a conduta do PT e a prática de sua política de apoio a poderosos grupos, notadamente bancos e empresas que realizam grandes obras no país.

Agora, na eleição de prefeitos e vereadores o PT não obteve as vitórias que desejava. Teve ainda nacionalmente, uma expressiva votação, mas perdeu eleições em importantes estados, como em Minas Gerais e Pernambuco, apesar de neles ter havido uma interferência direta de Lula e Dilma. Evidenciou-se um fato que é apontado pelos analistas – o prestígio popular de Lula está em descenso e diversas correntes e personalidades que antes apoiavam irrestritamente o PT não aceitam mais as decisões de Lula. E no PT já surgem críticas ao fato do ex-presidente impor autoritariamente sua vontade pessoal, na escolha dos candidatos nos pleitos eleitorais.  

A realidade atual do Brasil
       
Do ponto de vista da economia, que análise pode ser feita sobre a política e a conduta do Partido dos Trabalhadores e de seu líder?

Lula e Dilma Rousseff fazem loas sobre o panorama econômico de nosso país. Na verdade,    em nossa vida econômica há dados positivos. Nossa situação é melhor do que a de outros países atingidos pela crise econômica.   No quadro mundial estamos colocados na categoria dos países em desenvolvimento. Nem pobres e nem ricos. Nos últimos anos participamos ativamente no mercado internacional, como grande exportador de commodities.   
       
Dois fatores contribuíram para esse desempenho. Em primeiro lugar, porque nos governos anteriores (de Fernando Henrique Cardoso) houve uma reforma financeira que conseguiu controlar a inflação, problema secular que dificultava o progresso do Brasil. Ao chegar ao Planalto, Lula encontrou uma realidade que permitia avanços posteriores na economia, mas jamais reconheceu essa realidade. Ao contrário, afirma haver recebido “uma herança maldita” do governo de FHC.

 Em segundo lugar, no período dos governos de Lula, a situação internacional beneficiou a economia brasileira. Ainda não havia começado a crise que atingiu todos os países, inclusive os mais desenvolvidos. Cresceram nossas transações econômicas e financeiras no mercado internacional e esse fato permitiu a considerável exportação de minério de ferro e de soja a preços elevados, em consequência das enormes importações da China.  
         
Ficaram também evidentes alguns fatores que contribuem para o nosso desenvolvimento. Por exemplo, a existência de um amplo mercado interno e as possibilidades de termos uma grande produção agropecuária. Além disso, contamos com expressivos recursos hidráulicos e de petróleo. Os economistas também assinalam o crescimento do crédito para pessoas e empresas, o que se reflete no aumento da capacidade da indústria.

Todavia, certos dados demonstram a debilidade de nossa economia, em comparação com outros países em desenvolvimento. Neste ano o crescimento do PIB foi de pouco mais de 1,00%. O país enfrenta uma séria crise na infra-estrutura da economia, que determina o elevado custo dos produtos que exportamos. Assim os fatos assinalam a diminuição dos investimentos nos últimos anos, como ocorreu com a importação e a produção de bens de capital. 

Apesar dos incentivos governamentais para viabilizar os investimentos o setor deverá receber este ano recursos de apenas 1,96% do Produto Interno Bruto. Será o pior desempenho desde o início do lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), peça-chave nas atividades e na propaganda do governo federal.

Comprova esse dado a queda dos investimentos em eletricidade, comunicações, transporte e saneamento, comparando esses dados atuais com o sucedido nas últimas décadas, a partir dos anos 70.   Por isso, com razão afirma o economista Mendonça de Barros que o governo diante dessa dificuldade... “corretamente acena com um grande pacote de concessões, para atrair capital privado em investimentos em estrada de ferro, portos, aeroportos, entre outros.” (“Folha de São Paulo”, 30/9/12)

Contudo, segundo o mesmo economista, o governo reage de forma equivocada porque estimula a expansão do consumo ao custo do maior endividamento das famílias e nas concessões ao capital privado estabelece condições e regras que dificultam a participação de investidores. Assim, além de repetir que não está realizando uma política de privatizações – tão criticada na ação dos governos de FHC – sua atividade é contraditória, causando insegurança entre os interessados.

O quadro se complica por alguns fatores. Foram agravadas as dificuldades e insuficiências da Petrobrás, como acontece com os projetos das refinarias do Rio de Janeiro e Recife e com a dependência da importação de diesel, gasolina e etanol. A esses dados negativos deve-se acrescentar à queda na produção de petróleo da Bacia de Campos, levando a empresa a perder receitas consideráveis, pois foi obrigada a pagar quase o dobro pela importação de diesel e gasolina, comprados no exterior a preços mais elevados do que os preços dos combustíveis vendidos aos consumidores no Brasil.

Diversos outros fatores causam problemas para a administração federal, como os sucedidos com a geração e transmissão de energia, assim como dificuldades frequentes com projetos equivocados ou mal conduzidos, como o projeto da usina de Belo Monte e o faraônico plano do “trem bala”.

Em resumo, pode-se dizer aos economistas do governo – “estúpidos, apesar da propaganda, a economia só nos dá péssimas notícias!”

Por que consideramos nefasta a política de Lula?

Luiz Ignácio Lula da Silva, apesar de sua formação de militante sindical, atua como um caudilho no velho estilo latino americano, impondo sua vontade, passando por cima de normas, leis e aspirações de diversos setores sociais.

Inteligente e sagaz contorna suas deficiências culturais com o que vai aprendendo no diálogo com os intelectuais.  Desde jovem entendeu o que pode e o que não pode fazer. Porém, dá voltas para obter o que deseja e diante das críticas tem respostas inaceitáveis. Contudo, é sensível aos sentimentos dos trabalhadores e muita habilidade na condução da massa operária, mas tem uma noção clara da correlação de forças na luta política e paciência para galgar posições. Busca com tenacidade um caminho para impor sua opinião, mesmo sabendo que não está de acordo com as leis vigentes e com princípios republicanos. Em resumo, sabe lutar pelo o que deseja sem se prender a normas estabelecidas. 

Vários episódios demonstram como Lula não tem como uma das normas de seu comportamento a luta pela democracia e o zelo pelos princípios republicanos.

Seu posicionamento político fica evidenciado pela posição que tomou na Assembleia Constituinte de 1988. Compreendia a importância de elaboração das leis básicas do País, defendeu com firmeza as teses dos trabalhadores e compreendeu que a obtenção de determinadas vitórias tinha limites na Constituinte. Porém, estranhamente, não aprovou o texto constitucional.  Mas, afinal, resolveu assinar a Constituição da República Federativa do Brasil.

Cometeu um erro político que é sempre lembrado: combateu a reforma financeira que instituiu a nova moeda - o real - simplesmente porque foi lançada pelo governo de FHC, quando era uma providência básica para reduzir drasticamente a inflação, tormento que prejudicava especialmente os trabalhadores. 

Um traço marcante de Lula é seu desprezo pelas instituições e organizações políticas e sociais criadas ao longo dos anos, quando são elas que garantem e impulsionam o progresso social, sendo mais importantes que os planos e projetos dos governos transitórios.  Para deixar claro vejamos alguns exemplos: Vargas tornou-se imortal pela instituição da Justiça do Trabalho e das leis trabalhistas, além da criação de algumas empresas, como a Petrobras; Kubitschek tornou-se inesquecível pela criação de Brasília e do impulso dado à industrialização do país; líderes políticos como Ulisses Guimarães e Tancredo Neves, se conceituaram eternamente pelo fato de conduzirem a batalha pela redemocratização e o restabelecimento do Estado de Direito no país.

A lição é, portanto, clara – governantes passam para a História se construírem ou fortalecerem instituições ou adotarem políticas fundamentais e se não cometerem erros políticos essenciais. Por isso, nada sobra de positivo na atuação dos presidentes da República durante o regime militar. 

Não será esquecida a política de Lula para desmoralizar organizações sociais. A CUT se tornou uma agência mantida por verbas oficiais a fim de aplaudir o governo e o movimento sindical deixou de ser uma poderosa arma usada pelos trabalhadores. O mesmo aconteceu com a gloriosa União Nacional dos Estudantes. São um marco em seu governo os projetos irrealizáveis, como a transposição do rio São Francisco, o “trem bala” e paralisou diversas obras do PAC. Também está destruindo até o Partido dos Trabalhadores, com o arquivamento de seu projeto de reformas sociais e de sua estrutura interna democrática, impondo nas eleições candidatos afinados com o ex-presidente.

Nas relações internacionais dissipou totalmente a tradição de respeito à soberania e à amizade com os países vizinhos e de busca de uma colaboração com todos os países. Sob a inspiração de Lula, o Itamaraty abandonou a política de negociações na Rodada de Doha na Organização Mundial do Comércio. Deixando de enfatizar a busca de soluções no diálogo multilateral, o Brasil perdeu sua capacidade de negociar acordos comerciais. Assumiu posições equivocadas na América do Sul, pelo apoio à política aventureira de Chávez, na Venezuela, criando uma desavença com o Paraguai e desarticulando o Mercosul.

Ao lado disso, Lula interfere diretamente na política externa desmoralizando o Itamaraty com declarações contraditórias na defesa dos direitos humanos. Daí suas afirmações como a de comparar presos políticos em Cuba com os criminosos no Carandiru, como de negar o apoio a adversários do governo do Irã, além de não protestar contra os massacres na Síria. Depreende-se desse comportamento de Lula um dado objetivo: ele leva para a política internacional seu menosprezo pela causa da democracia e pela defesa dos direitos do homem.

Outro traço indelével da atuação de Lula reside no fato de, seguindo a trajetória de todos seus predecessores no Palácio do Planalto, não ter como princípio exigir de todas as esferas da administração pública o zelo permanente pelo meio ambiente. Um exemplo demonstra bem a adoção de medidas que deveriam ser evitadas – os benefícios constantes dados às montadoras de automóveis (todas elas poderosas empresas estrangeiras), quando são evidentes os malefícios dos automóveis particulares para o meio ambiente, notadamente nas grandes cidades. Esses benefícios são dados porque o governo se preocupa em manter os empregos nessa indústria, não considerando que soluções alternativas existem para se transferir essa mão de obra para outros empreendimentos.

Podemos acrescentar ainda outro comportamento equivocado da política de Lula, continuada por Dilma Rousseff - a violação dos dispositivos constitucionais que garantem os direitos das comunidades indígenas de serem consultadas sempre que obras sejam projetadas em terras por elas ocupadas. Um exemplo dessa violação ocorre com o projeto da construção da usina de Belo Monte, no Estado do Pará.   

Então, já se pode perguntar: qual será o legado de Lula?

Além de se preocupar positivamente com algumas reivindicações dos trabalhadores ele não adotou uma política para diminuir a desigualdade social existente no Brasil.

Assumindo a presidência da República, Lula entendeu que necessitava de maior apoio no Congresso Nacional e nos meios de comunicação com o objetivo de manter-se no poder por muitos e muitos anos.  Para tanto um grupo de seus dirigentes criou o “mensalão”, a fim de garantir a aprovação de projetos de leis encaminhados pelo governo. Estrutura alicerçada em recursos públicos e de empresas privadas a fim de obter o apoio de parlamentares de outros partidos.

Mas deixará um legado fundamental: a organização no Palácio do Planalto do chamado “mensalão”, grupo encarregado de usar recursos financeiros públicos e de empresas privadas para aliciar o apoio de parlamentares à tramitação de projetos de interesse do governo.  Essa atuação criminosa foi denunciada pela Procuradoria Geral de República ao Supremo Tribunal Federal.

Pela primeira vez no Brasil as inúmeras sessões do Supremo Tribunal Federal foram transmitidas na totalidade pela televisão e a imprensa acompanhou o desenrolar do julgamento. E um fato se tornou indiscutível – esse julgamento foi conduzido respeitando-se rigorosamente todas as normas jurídicas, notadamente os direitos dos acusados de se defenderam.

O ministro Celso de Mello, no julgamento, fez o seguinte pronunciamento: “Entendo que o Ministério Público expôs na peça acusatória eventos delituosos revestidos de extrema gravidade e imputou aos réus ora em julgamento, ações moralmente inescrupulosas e penalmente ilícitas que culminaram, a partir de um projeto criminoso por eles concebido e executado, em verdadeiro assalto à Administração Pública, com graves e irreversíveis danos ao princípio ético-jurídico da probidade administrativa e com sério comprometimento da dignidade da função pública, além de lesão a valores outros, como a integridade do sistema financeiro nacional, a paz pública, a credibilidade e a estabilidade da ordem econômico-financeira do País, postos sob a imediata tutela jurídica do ordenamento penal.”

A divulgação desse julgamento pela primeira vez mostrou alguns aspectos da trajetória do PT para tentar conseguir o total controle do país.  Esse processo pós a nu as táticas de Lula para introduzir aqui a estratégia de Chávez, na Venezuela, de ficar indefinitivamente no poder, esmagando a resistência da maioria de nosso povo.

O julgamento do “mensalão” é a condenação mais vigorosa da atuação criminosa do PT, formulada pelos ministros do STF.  Lula tentou de várias maneiras adiar esse julgamento iniciado sete anos atrás. Depois afirmou ser uma farsa. Mas, agora, quando os dados concretos da trama vieram à tona, na divulgação do julgamento, Lula e o PT declaram que o “mensalão” é um conluio golpista da oposição e dos meios de comunicação para derrubar o governo.

Essa resposta de Lula e do PT indica claramente que eles consideram justo prosseguir no mesmo caminho iniciado pelo “mensalão”, pois seu objetivo é liquidar a democracia, enterrando para sempre a Constituição de 88 e os princípios republicanos.

Mas a Lula e seus companheiros nessa atividade serão derrotados por uma oposição contra seus projetos. Por isso, em boa hora, procede a observação de uma pessoa isenta, como cientista que acompanha de perto a América Latina. Eliana Cardoso, professora titular da FGV da São Paulo, afirmou: “Teremos sorte se o julgamento do mensalão vier a livrar a sociedade brasileira do lulismo.” (“O Estado de S. Paulo, 10/10).

                                               São Paulo, outubro de 2012

Marco Antonio Coelho é advogado, jornalista, ex-dirigente nacional do PCB, ex-editor executivo da revista Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, autor dos livros Herança de um sonho – memórias de um comunista (Editora Record) e Rio das Velhas – memória e desafios, (Editora Paz e Terra) e atual editor da revista Política Democrática.

2 comentários:

Anônimo disse...

Lula já elegeu um poste - Dilma - e vai eleger outros. Haddad, em São Paulo, e Pochman, em Campinas, são dois exemplos. E como ele mesmo disse, de poste em poste, o Brasil se ilumina...

Fernando Teles disse...

O mais irônico é que o relator do processo de julgamento do mensalão, agora o atual presidente do STF, Joaquim Barbosa, aquele que mais enfaticamente condena os acusados, disse que votou no Lula nas duas vezes em que ele se candidatou, votou na Dilma também E não se arrepende de forma alguma de seus votos, muito pelo contrário, acredita que o Brasil passou por grandes progressos durante o governo Lula.

http://www1.folha.uol.com.br/poder/1165270-relator-do-mensalao-afirma-que-votou-em-lula-e-dilma.shtml

Acho que é difícil não acreditar que Joaquim Barboas está sendo imparcial.... muito diferente do autor desse texto aí em cima...