O troca-troca aberto com a criação de duas siglas teria sido evitado com a vedação da portabilidade dos mandatos. O projeto foi barrado com o pretexto de que visava Marina Silva, que pode morrer na praia por outros motivos
O tempo se esgotou e o Congresso não conseguiu responder à insatisfação da sociedade com a representação popular, aprovando a reforma política ou, pelo menos, o aprimoramento das regras eleitorais. Essa é uma situação que ocorre há anos no fim de setembro, quando expira o prazo para alterações que surtam efeito sobre a eleição do ano seguinte. Alguns poucos se esforçam sinceramente, quase todos se declaram a favor, mas, na hora H, a maioria sempre trava o jogo. E, assim, segue a história: era uma vez um país encantado com a democracia, mas dotado de um sistema inadequado que a elite política insistia em conservar.
O resultado, todos sabem: campanhas caras, corrupção e caixa dois, baixa qualidade da representação, baixo desempenho dos parlamentos. Esquecendo o passado e ficando apenas nos últimos quatro anos, eles começaram as promessas de mudanças trazidas pela posse da primeira presidente mulher. O intelectual e o operário que vieram antes fizeram outras reformas, não esta. Ela também, absorvida pela gestão, só foi tratar do assunto quando as manifestações de junho trouxeram, entre muitas reivindicações, protestos contra os representantes políticos. Dilma Rousseff propôs a Constituinte exclusiva e o plebiscito sobre o tema, caminhos que poderiam ter levado uma reforma com participação popular. A elite do Congresso valeu-se de sua fragilidade naquele momento para se fingir de ofendida com a intromissão e recusar as propostas.
Pouco antes, entretanto, uma reforma já aprovada pelo Senado havia sido rejeitada pela Câmara, embora o texto do relator, Henrique Fontana (PT-RS), tenha sido negociado à exaustão. Após enterrar o plebiscito, o presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), criou uma comissão mista, que deveria ter feito uma proposta da reforma possível este ano. Deu em nada. Os senadores, em outra frente, resolveram aprovar apenas uma reforma das regras eleitorais. Rapidamente, aprovaram a proposta do senador Romero Jucá (PMDB-RR), que, embora não toque nos problemas mais complexos – como o financiamento de campanha e a forma de eleger deputados, hoje baseada na individualidade, o que encarece barbaramente a disputa –, traria alguns benefícios. A emenda dos senadores Humberto Costa (PT-PE) e Walter Pinheiro (PT-BA) tornaria ilegal a contratação de cabos eleitorais. Alguns custos seriam reduzidos, na medida em que fossem proibidas alguma práticas caras e poluentes, como os cavaletes de rua e o envelopamento de carros. Mas nem isso, pelo andar das coisas na Câmara, será aprovado.
A oposição, temendo mudanças que favoreçam os partidos governistas, partiu para a defensiva nos anos recentes. Os partidões não querem reforma nenhuma que ameace as posições atuais. Com outras regras, podem ter as bancadas reduzidas, perdendo o poder de barganha de onde retiram poder e vantagens. O PT, tendo compromisso histórico com as mudanças no sistema que combateu quando era oposição, afora o pouco empenho nestes 10 anos, errou nos procedimentos recentes, como admite o senador Humberto Costa: "De fato, o PT errou. Se não queria uma reforma política parcial, não devia ter concordado em participar da comissão mista da Câmara nem ter permitido que o Vacarezza (PT-SP) fosse relator. Se não concordava com a minirreforma eleitoral deflagrada pelo Senado, que ajudaria pelo menos a reduzir os custos eleitorais, deveria ter nos avisado antes. Não teríamos nos empenhado inutilmente". Na segunda-feira, a Executiva do partido desautorizou o apoio das bancadas aos remendos.
O líder do PT no Senado, Wellington Dias (PT-PI), também se diz decepcionado, e cobra do partido outra postura no futuro: "Agora, Inês é morta. Mas, qualquer que seja o resultado eleitoral do ano que vem, devemos começar 2015 determinados a fazer a reforma. As eleições estarão ainda distantes, ninguém poderá dizer que não se preparou para as mudanças".
Agora que a população começou a entender o sentido da expressão, talvez faça, no futuro, a favor dela, o barulho que o Congresso escuta.
Feira livre
Dilma pode se encontrar com Eduardo Campos amanhã. Para aquele final civilizando, tipo continuamos bons amigos. O ministro Fernando Bezerra deve ser substituído por Vital do Rêgo, do PMDB. E, com a saída do grupo cearense do PSB, Leônidas Cristino deve continuar na Secretaria de Portos. Com isso, o PT de Pernambuco deve aprovar, na segunda-feira, o desembarque do governo Campos. O PSB pernambucano cooptou um deputado estadual do PT e dois do PTB, que deve cobrar na Justiça Eleitoral a devolução dos mandatos.
Na pescaria de novas adesões, o deputado Garotinho batucava ontem. Filiou-se ao PR o sambista Neguinho da Beija-Flor. Será candidato a deputado federal.
Os novos partidos, PROS e Solidariedade, disputam a filiação dos que estão insatisfeitos em suas respectivas siglas. Nessa hora é que o criador de um partido fatura. Por isso, era bom o projeto que fechava a porta das migrações também para novos partidos. Foi barrado com o pretexto de que visava a candidatura de Marina Silva, que pode morrer na praia por outras razões.
Fonte: Correio Braziliense
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