sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Maria Cristina Fernandes - A disputa no asfalto

• PT perdeu, pela 1ª vez, onde o Brasil é mais junto e misturado

- Valor Econômico

O Brasil tem 24 cidades com mais de 500 mil eleitores. Este colégio eleitoral, que equivale a um quarto do nacional, abrange 16 capitais, municípios da Baixada Fluminense e da Região Metropolitana de São Paulo. Nessas cidades o Brasil é mais junto e misturado. Foi desse caldeirão que saiu junho de 2013.

O conjunto desses municípios deu sucessivas vitórias ao PT desde 2002. Ganhou pelo dobro dos votos do PSDB na primeira eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, manteve dianteira folgada em 2006 e viu a diferença se estreitar em 2010. Este ano, pela primeira vez desde que chegou ao Planalto, o partido perdeu nessas cidades - redutos dos brasileiros apelidados de 'nova classe média'

Nas eleições municipais que aconteceram em seu período no poder, o PT elegeu entre seis a sete prefeitos deste colégio eleitoral. Chegou, pela primeira vez, à Prefeitura de São Bernardo do Campo, perdeu Fortaleza, Belo Horizonte e Recife, manteve Guarulhos e reconquistou São Paulo.

O que acontece numa eleição não determina a outra, mas é nas disputas municipais que se formam as bases para as bancadas de deputados estaduais e federais e é nelas que as candidaturas aos governos estaduais ganham corpo.

Antes de chegar ao Planalto, o PT encorpou-se em todas essas esferas de poder. No exercício da Presidência continuou a ganhar terreno no Congresso e nos executivos estaduais. Nesta eleição, a redução de bancadas parlamentares e a perda de votos nas metrópoles amarelaram os prognósticos para o partido em 2016.

A primeira rodada de votações do Congresso desde o segundo turno mostrou que os partidos estão de olho redobrado em suas bases municipais. Foi este o sinal dado pelo aumento no repasse no Fundo de Participação dos Municípios e pela mudança do indexador das dívidas estaduais e municipais.

Das 24 cidades com mais de 500 mil eleitores, dez serão beneficiadas pela mudança do indexador. O projeto foi uma das principais bandeiras encampadas por Fernando Haddad, prefeito da maior delas. Acumulada durante o reinado malufista, a dívida paulistana levou a cidade a investir no ano passado metade da média das capitais do Sudeste. Em outubro, São Paulo deu ao partido a pior votação em eleição presidencial desde 2002.

O mercado não se mexeu com a mudança no indexador. Uma sanção sem vetos pela presidente Dilma Rousseff sinalizará que o ajuste fiscal a ser perseguido por quem-quer-que-seja o ministro da Fazenda, manterá salvaguardas numa federação que, afetada por receitas em queda, engordou as urnas da oposição.

É nesse conjunto de cidades que podem vir a ter um acesso mais facilitado a recursos para mobilidade e saneamento a partir da renegociação de suas dívidas que prosperam manifestações inconformadas com os resultados das urnas.

É chocante quando esse inconformismo deixa a virulência das redes sociais e vai à rua escoltada por um deputado golpista armado. Mas é a céu aberto que essas manifestações despertam democratas de todas as estirpes a rechaçá-las e a reafirmar compromisso com as regras do jogo.

No PSDB, a voz mais dissonante foi a do coordenador jurídico da coligação do senador Aécio Neves, que, durante a campanha, encabeçou uma caça indiscriminada a quem postasse críticas na internet ao seu candidato. No segundo turno, alardeou nas redes sociais a internação de Alberto Youssef como sinal de alerta. Passada a eleição, pediu auditoria nas urnas. Não pretendia por em dúvida a lisura da justiça eleitoral, explicou, mas queria tranquilizar os brasileiros - os mesmos que havia alarmado com suas postagens na internet - sobre o resultado da disputa.

Em seu longo discurso na tribuna, o senador Aécio Neves dividiu o Brasil em dois. A metade que votou nele viu que o seu projeto era o melhor para o país. A outra metade foi vitima da mentira e da chantagem governistas.

Mas o discurso parecia menos voltado para sua banda de eleitores do que para a guerra interna já aberta no PSDB pelo comando da oposição. Pela primeira vez em 20 anos, sem uma administração a defender, o senador está em luta livre. Só não subiu o tom contra quem, na sua campanha, duvida dos resultados da eleição, única oportunidade em que os brasileiros beneficiários do Bolsa Família valem tanto quanto os do Bolsa Refis.

Aécio pretende marcar diferença em relação ao governador Geraldo Alckmin, que já busca com Dilma uma solução para as torneiras de São Paulo. Candidato tucano mais bem sucedido das últimas quatro eleições, escolheu sua trincheira. Vai disputar a opinião pública com um discurso mais radicalizado de oposição numa difícil calibragem com a extrema direita que, acolhida por correligionários, teima em se manter por perto.

O eleitorado das 24 grandes cidades desencantado com o PT parece ser seu primeiro alvo. Para mantê-lo ao seu alcance até 2018 ainda precisa pagar o pedágio de 2016. Já sinalizou que pretende manter Marina Silva à mão na tentativa de manter acesa uma mobilização nunca vista na história de seu partido. Veio dela uma grande parte dos votos que o PSDB angariou para ultrapassar o PT nas metrópoles.

Assediado como em campanha, Aécio manterá o discurso inflamado contra um Alckmin que tem como principal ativo o maior refúgio de poder do seu partido.

Na trilha para 2018 o PT tem quatro anos no poder e muito mais do que contas fiscais a ajustar se quiser recuperar o eleitor que perdeu para o trânsito, a insegurança, as filas - e para o PSDB.


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