Sem tempo para respirar
• Datafolha revelou neste sábado que 63% apoiam impeachment de Dilma
Simone Iglesias e Júnia Gama – O Globo
BRASÍLIA e SÃO PAULO — Pouco depois de completar três meses de governo — período em que foi confrontada por crises quase diárias na economia, nas relações políticas e nas ruas —, a presidente Dilma Rousseff enfrenta neste domingo nova manifestação popular contra sua gestão. Pesquisa Datafolha divulgada neste sábado mostra que 63% dos brasileiros apoiam a abertura de um processo de impeachment contra a presidente, a partir do que foi revelado até o momento na Operação Lava-Jato, que investiga esquemas de corrupção na Petrobras e em outras estatais envolvendo partidos políticos, entre eles o PT.
A pesquisa, divulgada no site do jornal “Folha de S.Paulo”, mostra também que a reprovação de Dilma continua muito alta, apesar de estável em relação ao levantamento anterior, realizado em março. O número de eleitores que considera o governo Dilma ruim ou péssimo oscilou de 62% para 60%. Como a margem de erro é de dois pontos percentuais, o índice ficou estacionado. O percentual de entrevistados que considera o governo bom ou ótimo ficou estável em 13% nas duas pesquisas. Já o daqueles que acham o governo apenas regular subiu levemente de 24%, em março, para 27%, em abril.
No intervalo de menos de um mês entre o primeiro grande protesto, realizado em 15 de março, e o de hoje, a presidente se viu obrigada a fazer uma reformulação no Ministério, com ênfase na articulação política — alvo de críticas dos aliados e obstáculo para o ajuste fiscal.
Maioria a favor dos protestos
A expectativa do governo é que os protestos de hoje sejam menores do que os de março, quando mais de 2 milhões de pessoas foram às ruas. Durante a semana, o Planalto monitorou as redes sociais e concluiu que, desta vez, a adesão será inferior. Segundo auxiliares presidenciais, de lá para cá, não houve fato novo de repercussão contra Dilma. O governo avalia que a indicação de Renato Janine Ribeiro para o MEC, a maior exposição de Dilma com viagens e entrevistas e a mudança na coordenação política melhoraram o ambiente.
A pesquisa Datafolha revela, porém, que nada menos que 75% dos brasileiros são a favor dos protestos, e apenas 19% são contra. Outros 5% são indiferentes, e 1% não soube responder. Para 57% dos entrevistados, Dilma sabia da corrupção na Petrobras. Outros 26% acreditam que, embora soubesse do esquema, a presidente não poderia fazer nada para evitá-lo. Por fim, 12% responderam que Dilma não sabia da corrupção na Petrobras.
O governo e o PT admitem que a redução da tensão não significa um horizonte tranquilo. A opinião geral é de um cenário sombrio, sem previsão de mudança a médio prazo. A própria presidente tem trabalhado com uma perspectiva de melhora da avaliação popular sobre seu governo apenas em 2017 e 2018. Este ano e o próximo serão de arrocho econômico e de enfrentamento de dificuldades.
A situação incomoda muito os petistas, que consideram ter perdido o controle do governo, ao entregar a coordenação política ao PMDB.
— Dilma abriu mão de comandar a economia e, agora, a política. Parece uma renúncia branca, somada à desconstituição de nossas bandeiras históricas, como é o caso do projeto da terceirização de trabalhadores. A presidente se tornou, por opção própria, refém de Joaquim Levy e de Michel Temer, indemissível — resumiu um senador petista.
O Datafolha mostra, no entanto, um desconhecimento dos entrevistados sobre o que aconteceria se o afastamento da presidente fosse aprovado pelo Congresso. Dos eleitores que defendem o impeachment, só 27% estão conscientes de que, caso ela saísse, o vice-presidente assumiria; e outros 10% sabem que o cargo seria ocupado por Michel Temer (PMDB). Entre os apoiadores do impeachment, 15% disseram acreditar que o candidato derrotado na última eleição, o senador Aécio Neves (PSDB), assumiria a Presidência, e 40% disseram não saber o que aconteceria. Os 8% restantes deram outras respostas.
Do total de entrevistados, 63% disseram não saber o nome do vice, e só 36% disseram que é Michel Temer.
Embora a maioria das pessoas apoie a abertura de processo de impeachment contra Dilma, 64% não acreditam que o afastamento da presidente vá ocorrer. O Datafolha também perguntou aos eleitores em quem eles votariam caso fossem convocadas novas eleições presidenciais. O resultado revela empate técnico entre Aécio e o ex-presidente Lula. O tucano foi escolhido por 33%, enquanto o petista ficou com 29% das intenções de voto.
Marina Silva, que concorreu às últimas eleições pelo PSB, e o ex-ministro do Supremo Joaquim Barbosa aparecem empatados em terceiro lugar, com 13%. O Datafolha ouviu 2.834 pessoas em 171 municípios entre 9 e 10 de abril.
No partido da presidente, o ambiente é de preocupação com a perda de conquistas e com a dificuldade de o governo apresentar uma agenda positiva, que seja simbólica para sua base de eleitores. A principal aposta é a recuperação da imagem na Educação, já que Dilma propôs para este mandato o lema da “Pátria Educadora”. Os petistas ainda querem do Planalto um compromisso com temas caros ao partido, como o combate à homofobia e a rejeição à PEC que reduz a maioridade penal. Neste último tema, o governo vem sendo derrotado na Câmara.
Enquanto isso, o PMDB tem perspectivas mais otimistas por ter conseguido chegar ao centro das decisões. Ainda assim, o clima é de expectativa sobre o que Temer poderá fazer como articulador. Todos aguardam para ver se ele terá, de fato, autonomia para agir, atender aos aliados na distribuição de cargos e evitar que os impasses entre governo e Congresso se tornem graves — ou se o temperamento de Dilma não resistirá a ver o vice se sobressaindo. Explicitam que se trata da “última cartada” do governo e que, se não funcionar, o cenário é apocalíptico. Nesse ponto, petistas e peemedebistas convergem.
— As condições para melhorar com Temer existem: ele tem legitimidade e experiência para a função. Se funcionará, depende mais do governo do que dele ou do Congresso. Vamos ver se, realmente, ele terá autonomia — disse o líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani (RJ).
Ao contrário do início do primeiro mandato, quando viveu relativa calmaria, a presidente convive há três meses com momentos de turbulência. Foi obrigada a compor com Temer, a quem deixou à margem das decisões nos últimos anos. Semana passada, ele foi instado por Dilma a assumir formalmente a articulação política, para tentar debelar a crise com o PMDB e com os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e, assim, reverter o cenário de derrotas no Congresso.
Dilma resistiu ao máximo à ideia de mudar o núcleo político que escolhera originalmente, com três petistas de sua confiança: Aloizio Mercadante (Casa Civil), Pepe Vargas (Relações Institucionais) e Miguel Rossetto (Secretaria-Geral). Porém, ficou sem alternativa, após perder o controle da pauta legislativa e ser pressionada pelo ex-presidente Lula a incluir o PMDB na cúpula da articulação.
Um personagem que esteve presente em muitos dos momentos de crise pelo qual o governo passa é o presidente da Câmara. Após derrotar o Planalto na disputa pelo comando da Casa e declarar independência em relação ao governo, Cunha proporcionou derrotas em votações como o projeto que regulamenta o novo indexador da dívida dos estados e municípios.
Outra derrota pilotada por Cunha foi a aprovação do projeto de quarentena para fusão de novos partidos, que implodiu antes do nascimento a estratégia palaciana de ter alternativa à hegemonia do PMDB. Também pode ser atribuída a Cunha a pressão que levou à queda de Cid Gomes e Pepe Vargas, e do então líder do governo, Henrique Fontana (PT-RS).
Três meses após ser nomeado por Dilma ministro da Educação, Cid declarou haver “300, 400 achacadores” entre os deputados. Não resistiu à reação de Cunha de convocá-lo para se explicar e trocou artilharia com parlamentares na sessão cujo desfecho foi sua saída do cargo.
Renan passou a criar dificuldades
Pepe Vargas foi alvo de críticas de Cunha desde que assumiu a função de ministro das Relações Institucionais, por sua tentativa de derrotar o peemedebista na disputa pela presidência da Câmara e pela pouca influência que tem sobre os deputados. Cunha o acusou de oferecer vantagens e tentar arregimentar com ameaças o apoio para seu então rival, o petista Arlindo Chinaglia (SP). Desde então, Eduardo Cunha não poupou ataques a Vargas, que ficou sem condições de permanecer como articulador com o Congresso. Como prêmio de consolação, Dilma o transferiu para a Secretaria de Direitos Humanos, abatendo Ideli Salvatti sem aviso prévio.
Aliado no primeiro mandato, Renan Calheiros virou o jogo no Senado, onde Dilma mantinha maioria de votos confiável. Citado na Lava-Jato, Renan viu o dedo do governo na inclusão de seu nome na lista de investigados. Passou a criar dificuldades para o Planalto, especialmente no ponto mais sensível: o ajuste fiscal.
A devolução da medida provisória sobre desonerações, que deixou o Planalto atordoado, foi o ápice do bombardeio disparado pelo cacique peemedebista. Renan adotou como prática as críticas públicas ao governo, ao qual chamou de “envelhecido”, e considerou a coalizão “capenga”, além de ter recusado convite de Dilma para um jantar com a cúpula do partido. Em seus encontros com o ministro da Fazenda, reclamou que o PMDB só é chamado para executar as tarefas impopulares, sem participar da formulação política.
Dilma ainda tem que lidar com os desdobramentos da Lava-Jato, afetando desde sua amiga Graça Foster, que deixou a presidência da Petrobras, até o PT e os aliados PMDB, PP e PTB.
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