- O Globo
“Vou provar que não faltei com a verdade na CPI”, afirmou o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, diante da abertura do processo de cassação de seu mandato por quebra de decoro parlamentar. Como as contas na Suíça que ele nega serem suas, mas têm sua assinatura e até foto do passaporte para não deixar dúvidas, têm data muito anterior ao depoimento de Cunha na CPI da Petrobras, meses atrás, é difícil imaginar um truque que permita a ele provar que à época da declaração as contas não existiam e que, portanto, não mentiu.
O ex-presidente Clinton, dos Estados Unidos, alegou que não mantivera relações sexuais com a estagiária da Casa Branca porque não considerava nessa categoria o sexo oral. O deputado Paulo Maluf ficou indignado por ter sido comparado a Cunha, alegando que nunca encontraram uma assinatura sua, muito menos registros de seu passaporte, nas contas no exterior que ele continua dizendo que não são suas.
As provas já vazadas das investigações da Procuradoria-Geral da República, com base nas informações vindas da Suíça, são tão avassaladoras que, a princípio, parecia questão de tempo para a clássica saída dos políticos enrascados apanhados com a boca na botija: renúncia à presidência da Câmara e negociação para não perder o mandato no Conselho de Ética.
Mas Eduardo Cunha é mais ousado do que o senador Renan Calheiros, que abriu mão da presidência do Senado numa negociação em que preservou seu mandato e ganhou tempo para voltar à presidência do Senado anos mais tarde. O processo de que era acusado ainda está em curso.
Cunha é mais ousado que Antonio Carlos Magalhães e Jader Barbalho, que também renunciaram à presidência do Senado a seus tempos. Quer repetir a façanha do ex-senador José Sarney, que se manteve firme na presidência do Senado mesmo sendo julgado pelo Conselho de Ética pela edição de decretos secretos.
Mas aquela era uma questão que poderia ser tratada como administrativa, e Sarney era um ex-presidente da República que tinha todo o apoio do então popular presidente Lula, que considerava que ele não podia ser tratado como “uma pessoa comum”.
Eduardo Cunha tem o apoio disfarçado do PT e de áreas da oposição, e até mesmo apoios declarados, como o de Paulinho da Força Sindical, que vai assumir a vaga do Solidariedade no Conselho de Ética com a disposição declarada de ajudar Cunha a se livrar das acusações.
Arma-se um circo no Conselho de Ética que pode levar até mesmo ao arquivamento do processo antes do que a opinião pública imagina, a começar pela escolha do relator, que pode nem mesmo iniciar o processo com a sugestão de arquivamento dentro dos próximos 10 dias.
Entre os três sorteados para a função, todos são ligados de uma maneira ou outra a Cunha, que já fez uma declaração que tem cheiro de ameaça. Segundo ele, cerca de 150 deputados respondem a processo neste momento, e todos deveriam ser submetidos ao Conselho de Ética se prevalecesse a tese que vingou para ele.
É uma versão reduzida dos “300 picaretas” que Lula identificou no Congresso quando lá esteve como deputado constituinte. É o caso de dois deles: Vinicius Gurgel, do PR, é investigado por crimes eleitorais e contra a ordem tributária. Fausto Pinato, do PRB, é acusado de falso testemunho. Já Zé Geraldo, do PT, tem proximidades ideológicas com Cunha, pelo menos em relação ao juiz Sérgio Moro, a quem acusa de “trabalhar fortemente para desestabilizar nossa democracia”.
O petista acha que a Lava-Jato “vem causando prejuízos enormes ao país, quebrando empresas, produzindo um exército de desempregados e desfalcando dia a dia um dos nossos maiores patrimônios, a Petrobras”.
Como o ex-deputado André Vargas conseguiu levar por oito meses seu processo na Comissão de Ética até ser condenado, o mais provável é que Eduardo Cunha, antes de ser cassado por seus companheiros, terá que prestar contas mesmo é à Justiça.
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