- O Estado de S. Paulo
• O que queremos nas nossas relações externas deveria estar na agenda dos candidatos em 2018
O sistema internacional – político econômico e comercial – está em acelerada transformação como consequência das mudanças que ocorreram desde o desaparecimento da União Soviética, em 1989, e o fim do mundo bipolar existente durante a guerra fria.
A ordem global tradicional foi construída a partir do Tratado de Westfalia, em 1648 (Estado/nação), e do Congresso de Viena em 1815 (concerto europeu), em torno da proteção e das prerrogativas dos Estados. Mais tarde, depois da 2.ª Grande Guerra, a criação das instituições multilaterais (ONU, Banco Mundial e FMI) serviu para garantir a paz, a segurança e a ordem econômica e financeira mundial. Decisões dos países desenvolvidos impuseram suas visões geopolíticas e os conceitos de soberania, equilíbrio de poder, áreas de influência, lógica territorial, Ocidente, guerra fria, bipolaridade, unipolaridade, multipolaridade, hiperpotência, liderança norte-americana, rogue States, perigo amarelo, conflito de civilizações e protecionismo, entre outros.
Nas últimas décadas, as mudanças ocorridas com a globalização, com a revolução tecnológica e nas comunicações, com o fim do mundo bipolar e agora com o terrorismo estão afetando o processo decisório interno nos países e obrigando os governos a repensar como os desafios externos devem ser encarados. Essa nova atitude forçará uma ampla coordenação, que deverá levar em conta os interesses de todos os países.
A defesa do interesse nacional – político, econômico e social – está levando ao reexame desses conceitos, à superação das obsessões geopolíticas e ao questionamento das ações dos países desenvolvidos, de modo a refletir as necessidades e demandas que surgiram com a nova realidade global. O discurso nacionalista e populista de Donald Trump na posse, anunciando que “os interesses dos EUA estarão acima de tudo”, deixa para trás uma época em que os EUA “defenderam outras nações” e “subsidiaram seus exércitos” e indica a aceleração do fim da atual ordem global criada por Washington.
Essa ordem em formação está adaptando conceitos vigentes até aqui às realidades de um mundo interconectado e às novas ameaças e aos novos desafios representados, em especial, pelo aumento da desigualdade, pelo regionalismo, por drogas, violência, guerras localizadas, segurança, ataques cibernéticos, não proliferação e mudança de clima. E também pelo terrorismo, pelo nacionalismo xenófobo e pelas questões de imigração e dos refugiados. A soberania não é mais um conceito absoluto, as organizações internacionais, em crise, deverão ser reformuladas. E todos os países, não apenas um grupo reduzido de países desenvolvidos, passarão a ter participação mais intensa nos problemas que afetam o sistema internacional.
No Brasil ainda estamos presos a conceitos e percepções superados. Não houve até aqui renovação do pensamento estratégico no âmbito de grande parte do governo, do setor empresarial e da comunidade acadêmica. Como inserir o Brasil nessa nova ordem internacional em mutação com novos conceitos e maneiras de ver o que está acontecendo ao nosso redor. Pouco se discute sobre isso.
Como pano de fundo, deve-se reconhecer que nossa região (América do Sul) está na periferia das transformações econômicas e tecnológicas, longe dos principais centros dinâmicos de comércio (Ásia), e que até agora não está contaminada pela ameaça terrorista e por grandes crises sociais (Europa e Oriente Médio). Em compensação, está mas perto dos EUA, principal potência militar, econômica, financeira, comercial e política, agora com enormes incertezas (Trump) nos próximos anos.
Para o Brasil, enfrentar o desafio de encontrar seu lugar no mundo, compatível com o papel que deve desempenhar uma das dez maiores economias globais, não pode ser mais adiado. Urge a definição de nossos reais interesses. O que queremos do novo sistema internacional? O que queremos das relações com os EUA, com a China, com a União Europeia, com os vizinhos sul-americanos e com os Brics?
Ao discutir o que queremos para o Brasil no novo cenário internacional, teríamos de examinar, em especial, como 1) integrar o Brasil nos fluxos dinâmicos da economia global e de comércio exterior (o que significa discutir o grau de abertura da economia e sua competitividade); 2) assumir a efetiva liderança na América do Sul, segundo os interesses brasileiros, tendo presente que liderança não é dominação, nem hegemonia (o que significa discutir o papel do Mercosul); 3) ampliar a voz do Brasil nos organismos internacionais de paz e segurança, comércio, mudança de clima, não proliferação, direitos humanos, terrorismo, segurança cibernética e refugiados, entre outros (o que implica fortalecer a coordenação interna pelo Itamaraty); 4) pôr fim ao isolamento do Brasil nos entendimentos comerciais com a ampliação das negociações bilaterais e com acordos com megablocos, como a União Europeia e mesmo com a Ásia, examinando a conveniência de aderir à Parceria Transpacífica (com o reforço do papel da Camex); 5) aproveitar as facilidades financeiras oferecidas pelo Brics para projetos de infraestrutura e ampliar a cooperação econômica entre o Brasil e os outros membros do grupo.
O atual governo, com o ministro José Serra à frente do Itamaraty, começou esse processo de correção de rumos e de redefinição do papel do Brasil no mundo. Essa ação deveria ser aprofundada nos próximos meses e anos, na medida em que a economia voltar a se expandir e crescer. Assim como ocorre com política econômica, a discussão sobre o papel do Brasil no mundo e a definição do que queremos nas nossas relações externas deveriam estar na agenda da eleição presidencial de 2018, com os candidatos comprometidos com sua implementação a partir do próximo governo.
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*Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior
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