- O Globo
Entramos agora no terreno das especulações destrambelhadas. Um áudio que circula na internet, este espaço dominado por fake news, dá conta de que já está tudo decidido no julgamento do recurso do ex-presidente Lula no TRF-4, mas a favor dele. Por 2 a 1, Lula seria absolvido no dia 24, ficando com o terreno aberto para prosseguir na campanha eleitoral rumo ao Palácio do Planalto novamente.
Da mesma maneira que circulam rumores de que Lula será condenado por 3 a 0, com um mínimo espaço para recursos, o que significaria que seria enviado para a cadeia dentro de pouco mais de um mês. A verdade é que ninguém sabe o que vai acontecer, como, aliás, ocorre em qualquer país que tenha uma Justiça independente. E qualquer resultado deve ser acatado pela sociedade.
Lula parece comandar a corrida pela radicalização que domina as ações de seus partidários. Foi ele quem, na noite de terça-feira no teatro Casagrande do Rio, disse que o Juiz Sérgio Moro, que o condenou, deveria ser demitido a bem do serviço público (já sabemos o que acontecerá a Moro caso Lula seja eleito em outubro), e que o presidente do TRF-4, ministro Thompson Flores, é bisneto do comandante das forças do governo que mataram Antonio Conselheiro na guerra de Canudos.
Demagogicamente, Lula afirmou diante de ditos intelectuais na reunião, produzindo mais uma fake news: “Esse cidadão é bisneto do general Thompson Flores, que invadiu Canudos e matou Antônio Conselheiro. É da mesma linhagem. Quem sabe esteja me vendo como cidadão de Canudos”. Tomás Thompson Flores de fato participou da Guerra de Canudos, chegou a liderar uma das brigadas enviadas após seu líder, Cláudio do Amaral Savaget, ser ferido. Contudo, o coronel ( não era general) morreu em combate no dia 22 de junho de 1897, três meses antes da morte de Antônio Conselheiro e da rebelião ser contida.
Foi um dos inúmeros homens enviados para Canudos. A morte de Thompson foi registrada por Euclides da Cunha em "Os sertões", descrito como lutador de primeira ordem, mas sem "atributos essenciais de comando" e "serenidade de ânimos".
Se o grande líder se considera em condições de atacar os juízes, por que seus seguidores não se sentiriam liberados para dizer as besteiras que vêm dizendo nos últimos dias? E por que Lula é diferente de qualquer outro candidato, ou mesmo de outro cidadão brasileiro, para ser isento do alcance de uma lei?
A Lei da Ficha Limpa, oriunda de um projeto de iniciativa popular que reuniu mais de 1,5 milhão de assinaturas numa campanha da CNBB contra a corrupção, foi aprovada na Câmara dos Deputados no dia 5 de maio de 2010 e também no Senado Federal 14 dias depois, por votação unânime.
Promulgada pela então presidente Dilma, está em vigor desde a eleição de 2012, depois de uma disputa no Supremo Tribunal Federal (STF) para decidir se valeria já para a eleição de 2010. Aliás, devido a essa dúvida, Joaquim Roriz acabou desistindo de concorrer ao governo do Distrito Federal naquele ano e colocou em seu lugar sua mulher, que acabou indo para o segundo turno e não se elegeu.
Lula estará num dilema semelhante ao de Roriz se for confirmada sua condenação na segunda instância. Tornado inelegível pela Lei da Ficha Limpa, poderá indicar um substituto até 20 dias antes da eleição. Se Roriz arriscasse naquela ocasião, teria sido beneficiado pelo entendimento do STF de que a nova lei só valeria a partir das próximas eleições. Se Lula insistir com sua candidatura, no caso de ser condenado pela maioria e estar recorrendo da decisão do TRF-4, pode ser que reverta a condenação num tribunal ampliado que analisará os embargos infringentes.
Mas se perder, corre o risco de não poder ir para o segundo turno mesmo que vença ou, no limite improvável, ser eleito e não poder tomar posse, pois os votos dados a ele depois da decisão final contrária serão considerados nulos.
Anular milhões de votos dados a um líder popular será uma prova de fogo para nossa democracia. Mas se por acaso o confronto com a Justiça terminar com uma vitória do candidato condenado, passando por cima de uma lei que está em vigor há anos, estaremos dando posse a um candidato a ditador.
Isso na hipótese de Lula vir a ser o vencedor. E se ele perder, no primeiro ou no segundo turno? Estará desmistificando a si mesmo.
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