- O Estado de S.Paulo
É no Planalto que tem de haver coordenação para evitar ruídos
Ruídos, bateção de cabeça e recuos são normais na primeira semana de qualquer evento: casamento, emprego, treino, dieta, escola. Não seria diferente numa estrutura tão complexa quanto o governo de um país. Os que se viram nos últimos dias, portanto, podem ser colocados na conta daquele momento da mudança em que tudo está em caixas espalhadas e você não sabe onde achar uma xícara para tomar o café pela manhã. Tá ok.
Mas assim como funcionários não podem passar muito tempo perdidos na função e as provas começam pouco tempo depois do início das aulas, governos têm urgências diárias, envolvem decisões cruciais em todas as pastas a todo momento e requerem organização rápida. No caso do governo federal, esse papel é exercido na cozinha, que é o Palácio do Planalto. E é justamente ali que parece reinar a bagunça maior na mudança da “família” Bolsonaro.
Desde a transição, o arranjo montado para o Planalto pareceu meio esquisitão, disfuncional. Onyx Lorenzoni, primeiro ministro anunciado pelo “capitão”, como insiste em chamar o presidente até hoje, chegou com um voluntarismo diretamente proporcional à própria inexperiência. Demonstra uma certeza na empostação de voz que lhe falta nas respostas mais básicas, como se viu nos episódios do salário mínimo e da reforma da Previdência.
Tratou de anunciar a “despetização” da pasta como a medida mais importante que promoveria. Como se o PT não estivesse fora da Presidência há 2 anos e 7 meses. Pelo jeito, o afã de mandar todo mundo embora foi tal que faltou gente para fazer as informações chegarem a ele, que se mostrou absolutamente vendido quando sua postura corporal e sua arrogância costumeira afetavam certezas inexistentes.
O general Santos Cruz, instalado na Secretaria de Governo, por ora é uma incógnita. Fechado, reservado, chama a atenção pelo silêncio num governo de tagarelas. Pode ser bom, mas, tendo-se em vista que seu cargo envolve participação na articulação política, fica a dúvida: para que, afinal, ele está no Planalto?
A equipe da cozinha conta ainda com Gustavo Bebianno, na Secretaria-Geral da Presidência. Depois de sobreviver a uma tentativa de fritura entre a campanha, quando foi muito importante, e a transição, o ex-presidente do PSL assegurou presença no entorno de Bolsonaro para coordenar a modernização do governo e ser a interface com a sociedade civil. Na prática, será um contraponto a Onyx, o que pode gerar muita cotovelada justamente onde Bolsonaro precisa de concertação – ainda mais dada a ansiedade demonstrada por ele próprio em sua primeira semana na Presidência, anunciando como assinadas medidas que haviam sido descartadas ou queimando a largada na discussão do projeto mais importante de seu governo, a reforma da Previdência.
Diante do caos reinante entre as panelas, com o fogão com todas as bocas funcionando com chama alta e os pedidos que não param de chegar do salão, caberá, ao que tudo indica, ao general Augusto Heleno a função de colocar ordem na cozinha.
Sua entrevista à GloboNews na semana que passou esteve entre as falas virtuosas de uma semana que terminou confusa – juntamente às de Paulo Guedes e Sérgio Moro, justamente os dois manda-chuvas fora da cozinha. Com segurança e sem medo de defender posturas polêmicas ou duras (mas de forma fundamentada), Heleno demonstrou entender a cabeça de Bolsonaro e comungar de suas ideias, mas ter a sensatez e a experiência necessárias para mitigar as mais exóticas delas, alertar para os riscos do voluntarismo excessivo e corrigir os arroubos dos aprendizes das facas e cutelos. É bom Bolsonaro lhe dar logo o avental antes que a sopa entorne.
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