- O Globo
Informante do bem se coloca como mais um instrumento para desestabilizar ações de grupos
que buscam dilapidar Erário
Cumprindo uma das 35 metas dos primeiros cem dias de governo, o ministro da Justiça, Sergio Moro, apresentou o Projeto de Lei Anticrime. Escrita a partir de três grandes eixos — efetividade de Justiça criminal; combate aos crimes violentos e à violência urbana; e combate à corrupção —, a proposição traz algumas inovações ao Direito brasileiro, dentre elas a figura do informante do bem ou whistleblower (assoprador de apito em inglês).
Segundo a ideia original, inspirada no instituto do Direito americano, o informante do bem é qualquer pessoa que procura a Administração Pública para relatar informações sobre crimes contra a Administração, ilícitos administrativos ou quaisquer ações ou omissões lesivas ao interesse público.
Ao fornecer o relato, o assoprador de apito passa a gozar de proteção integral contra retaliações (jurídicas, demissão arbitrária, alteração injustificada de funções ou atribuições, imposição de sanções, de prejuízos remuneratórios, dentre outras) e estará isento de responsabilização civil ou penal em relação ao relato, salvo se tiver apresentado, de modo consciente, informações ou provas falsas.
Como estímulo ao informante, caso, a partir do seu relato, o Poder Público venha recuperar valores desviados, o whistleblower receberá como prêmio 5% do que for recuperado.
Se aprovada pelo Congresso, a proposta poderá, concretamente, reduzir os desmandos do dinheiro público. A expectativa é que, de imediato, haja hipernotificação de casos de desvios, permitindo que a Administração Pública possa atuar em diversas frentes, trazendo não só efetividade, mas atualidade às ações de controle. Para surtir o efeito desejado, a Administração Pública tem que estar suficientemente estruturada para processar em tempo razoável todos os relatos recebidos, bem como para dar real proteção ao informante.
Ao lado da colaboração premiada e do acordo de leniência, o informante do bem se coloca como mais um instrumento de desestabilização das ações de grupos que buscam dilapidar o Erário. A colaboração comprometeu a honra entre ladrões, a leniência permitiu a faxina dentro da empresa, e o informante do bem dá a estabilidade ao servidor público, embora não exclusivo a ele, para se esquivar da pressão de agir contrariamente à lei.
Lançada a ideia, agora é hora do debate público e aprimoramento legislativo, considerando a complexidade do sistema jurídico brasileiro. O projeto prevê imunidades legais, mas não trata da participação do Ministério Público, nem a formalização de acordos para eventual ressarcimento por parte do informante. O estímulo não pode ser sinônimo de injustiça ou impunidade, quando o informante que causou dano à Administração ganhará imunidade quanto à obrigação de reparação e ainda será agraciado com um prêmio em dinheiro pela informação.
A participação do Ministério Público na coleta das informações fornecidas é de fundamental importância também para que não haja mau uso dos instrumentos colaborativos. Se o informante é ou foi parte de uma organização criminosa, a forma de contribuição com a Justiça é a colaboração premiada (com negociação de penas), e não a figura do informante (com imunidades), dada a gravidade da conduta e contexto em que os ilícitos foram praticados. Quanto à remuneração pela informação, o colaborador também poderia negociar em seu contrato de colaboração um percentual, a exemplo do que já se viu na Operação Lava-Jato, em que certo colaborador foi remunerado pelos ativos ilícitos de clientes que ele conseguiu ajudar a confiscar.
Em cima de tudo isso, teremos um efeito muito curioso no controle social dos gastos públicos. O povo fiscalizando o governo em troca de prêmio pelo seu trabalho.
*Yuri Sahione é presidente da Comissão de Compliance do Conselho Federal da OAB
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