Correio Braziliense
Bolsonaro corre o risco de
perder a eleição no primeiro turno, para o ex-presidente Lula, o que contraria
o instituto da reeleição, que favorece quem está poder para dar continuidade
aos projetos
O Príncipe, de Nicolau Maquiavel, discorre
longamente sobre a sorte na política. “De quanto pode a fortuna nas coisas
humanas e de que modo se lhe deva servir” (Quantum fortuna in rebus humanis
possit, et quomodo illis it occurrem dum), o 15º capítulo de seu livro, foi
escrito com a intenção subjacente de separar o Estado da Igreja, que exercia
enorme influência sobre os principados italianos. À época, dizia-se que as
coisas eram governadas pela fortuna e por Deus e que os homens não poderiam
modificar o seu destino, que já estava predeterminado. Muitos deixavam-se
governar pela sorte e perdiam o poder.
Com a cautela que seu pescoço exigia,
Maquiavel resolveu dividir as responsabilidades: “Pensando nisso algumas vezes,
em parte inclinei-me em favor dessa opinião. Contudo, para que o nosso livre
arbítrio não seja extinto, julgo poder ser verdade que a sorte seja o árbitro
da metade das nossas ações, mas que ainda nos deixe governar a outra metade, ou
quase”.
Para explicar sua tese, comparou a fortuna aos rios torrenciais: “Quando se encolerizam, alagam as planícies, destroem as árvores e os edifícios, carregam terra de um lugar para outro; todos fogem diante dele, tudo cede ao seu ímpeto, sem poder opor-se em qualquer parte. E, se bem assim ocorra, isso não impedia que os homens, quando a época era de calma, tomassem providências com anteparos e diques, de modo que, crescendo depois, ou as águas corressem por um canal, ou o seu ímpeto não fosse tão desenfreado nem tão danoso”.
As conclusões de Maquiavel são
atualíssimas, já escrevi sobre isso. Dizia que o príncipe que se apoia
totalmente na sorte arruína-se segundo as mudanças de conjuntura. Seria feliz
aquele que acomodasse o modo de proceder à natureza dos tempos, da mesma forma
que infeliz aquele que, com o seu proceder, entrasse em choque com o momento. É
o que está acontecendo com o presidente Jair Bolsonaro, que chegou ao poder
muito mais pela sorte do que pelas virtudes, mas não se deu conta de que o
ambiente político e econômico mudou profundamente desde que assumiu o governo.
Agora, Bolsonaro corre o risco de perder a
eleição no primeiro turno, para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o
que contraria a lógica do instituto da reeleição, que favorece quem está poder
com propósito de dar continuidade aos seus bons projetos. É preciso um
desgoverno, e errar muito na política, para não se reeleger. É exatamente isso
que vem fazendo.
Pesquisa
A pesquisa DataFolha, divulgada ontem,
mostra isso claramente. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está com
48% de intenções de votos, contra 27% de Bolsonaro. Ciro Gomes (PDT) tem 7%;
André Janones (Avante), 2%; Simone Tebet (MDB), 2%; Pablo Marçal (Pros), 1%; e
Vera Lúcia (PSTU), 1%. Branco/nulo/nenhum somam 7%; não sabe, 4%. Felipe
d’Avila (Novo), Sofia Manzano (PCB), Leonardo Péricles (UP), Eymael (DC),
Luciano Bivar (UB) e General Santos Cruz (Podemos) não pontuaram.
Na simulação de segundo turno, Lula tem 54%,
e Bolsonaro, 30%. O DataFolha ouviu 2.556 pessoas entre 25 e 26 de maio, em 181
cidades brasileiras. A margem de erro é de dois pontos para mais ou para menos.
A pesquisa está sendo espinafrada nas redes
sociais pelos bolsonaristas, embora seja uma fotografia do atual momento. A
campanha eleitoral somente começa para valer em 15 de agosto. É tempo
suficiente para que Bolsonaro e os demais candidatos se reposicionem.
A pesquisa estimulada não pode ser
comparada com o levantamento anterior, de 22 e 23 de março, porque o
ex-governador de São Paulo João Doria está fora da disputa. Naquele
levantamento, Lula registrou 43% das intenções de voto, enquanto Bolsonaro
tinha 26%, mas o petista já batia na trave de uma vitória no primeiro turno. O
DataFolha pegou de surpresa os estrategistas de Bolsonaro e atordoou os
políticos do Centrão, porque a vantagem de Lula no Nordeste é avassaladora: 62%
a 17%.
Enquanto Lula jogou praticamente parado, e
deu algumas declarações infelizes, Bolsonaro se deslocou pelo país, lançou
novos programas, baixou medidas provisórias, demitiu dois presidentes da
Petrobras, partiu novamente para cima dos ministros do Supremo Tribunal Federal
e voltou a levantar suspeitas infundadas sobre as urnas eletrônicas. Retomou
sua agenda conservadora nos costumes e iliberal na política. Foi um desastre,
que reverteu a aproximação junto aos eleitores moderados e jogou no colo de
Lula setores de centro-esquerda preocupados com seus arroubos autoritários.
Depois da pandemia de covid-19, que foi controlada, a Guerra da Ucrânia agravou a situação econômica do país. As medidas erráticas que vem adotando para conter a inflação e mitigar seus efeitos junto às camadas mais pobres da população também não estão surtindo o efeito desejado. Na prática, a desorientação política reduziu as expectativas de reeleição que Bolsonaro havia projetado.
Um comentário:
É,tá difícil Bolsonaro.
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