sexta-feira, 27 de maio de 2022

Cristian Klein: Produção em alta da Fascisbras

Valor Econômico

Empresa tem sócios no aparato estatal e na iniciativa privada

A empresa de intolerância e atrocidade nacional - a Fábrica de Ataques Sistemáticos Contra Inimigos Sociais (Fascisbras) - está batendo recorde de produtividade nesta semana. A companhia, uma sociedade de economia mista, cujos sócios estão no Estado e na iniciativa privada, na polícia e nas milícias digitais, nos gabinetes e certos círculos empresariais, registrou desempenho digno de comemoração pelo presidente da República.

Até o fim do ano, no período pré e pós-eleitoral, a expectativa é que o grupo lance uma linha de produtos numa estratégia agressiva de dominar o mercado (golpe), o que se junta à ‘expertise’ na destruição de reputações e de vidas, setor bastante explorado durante a pandemia.

Bolsonaro, cujo comportamento é como se CEO do conglomerado fosse, parabenizou as tropas que mataram 26 pessoas, entre as quais inocentes, na segunda maior chacina na história do Rio. Não sem razão. A equipe quase bateu a meta da última e recordista operação, em maio do ano passado, no Jacarezinho, onde foram recolhidos 28 cadáveres - na maioria peças de reposição do tráfico.

Desta vez, na Vila Cruzeiro, participaram Polícia Militar (PM) e Polícia Rodoviária Federal (PRF), uma “joint venture” incomum, dado que a PRF não tem propriedade para tal. Atropelou a lógica e as atribuições legais, como aponta o coronel da reserva Robson Rodrigues, ex-chefe do Estado-Maior da PM do Rio: “Agiu fora do escopo constitucional e geográfico. Há um indício forte de desvio de função”.

O que as ruelas da favela da Penha se assemelham a estradas federais ainda está para se descobrir. “Não há nenhum beco federal na Vila Cruzeiro”, sintetizou em entrevista o procurador da República Eduardo Benones, coordenador do Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial, que busca entender a atuação da PRF.

A 1.800 quilômetros de distância, a mesma Polícia Rodoviária Federal, no município de Umbaúba, no Sergipe, empreendeu um nível de crueldade que remeteu aos eficientes campos de concentração nazistas e aos porões da ditadura militar.

Abordado por dois policiais, na BR-101, Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, é imobilizado e metido, de bruços, dentro do compartimento de presos do camburão onde é torturado até morrer asfixiado numa câmara de gás improvisada. Negro, diagnosticado com esquizofrenia, ele grita para ser solto enquanto os dois homens empurram a porta, forçando-o a inalar o gás de pimenta e lacrimogêneo, que esfumaça todo o veículo.

Os policiais, que poderiam tê-lo algemado, não se mostram sensibilizados ou constrangidos mesmo com os apelos de quem estava por perto e com a cena sendo gravada. A repercussão do assassinato filmado também não impediu o cinismo da corporação.

Em nota oficial, que se choca com vídeo que viralizou nas redes sociais, a PRF do Sergipe diz que a vítima “resistiu ativamente” e que foram empregados “instrumentos de menor potencial ofensivo”. No boletim de ocorrência, os agentes sugerem que a morte deu-se “possivelmente devido a um mal súbito”.

Bolsonaro, que durante a pandemia debochou das vítimas de covid imitando uma pessoa com falta de ar, desta vez preferiu se dizer desavisado sobre a brutalidade do sufocamento. “Câmara de gás? Onde? Vou me inteirar com a PRF”, tergiversou.

A morte de Genival vem num 25 de maio, exatamente dois anos depois de crime semelhante quando George Floyd, de 46 anos, também negro e pai, morreu asfixiado enquanto um policial de Mineápolis ajoelhou sobre seu pescoço, imobilizado no chão do asfalto, por quase nove minutos.

Mas se nos Estados Unidos uma onda de revolta e protestos de rua se espalhou pelo país, dando corpo ao movimento Black Lives Matter e à condenação do assassino a uma pena de 22 anos e meio de prisão, a violência policial no Brasil já se tornou algo não apenas banalizado, como defensável, desejável.

Vide a reação dos ávidos consumidores da Fascisbras. Há um fascínio ao ver o funcionamento da tecnologia de extermínio e de exclusão que oprime populações pobres, negras, em nome de um pretenso combate ao crime organizado ou do que deveria ser uma mera abordagem policial.

Os mesmos que defendem com fervor qualquer vida humana, negando o aborto, dão lugar à indiferença ou ao sentimento de fatalidade diante de mortes que desafiam o Estado de direito.

Prestigiada por Bolsonaro, com criação de cargos e aumento de salários, a PRF está sendo cobrada pelas ações em Sergipe e no Rio, onde foi acionada de maneira sui generis. Mas a atuação da PM em operações em favelas - a despeito das restrições criadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) - já faz parte da paisagem urbana, ressalta Robson Rodrigues, configurando um desvio de função de longa data.

Antropólogo e pesquisador do Laboratório de Análise da Violência (LAV) da Uerj, o coronel da reserva lembra que PM e PRF são polícias ostensivas e atuam no máximo no flagrante delito imediato, não em investigação, como a que foi alegada para a chacina na Vila Cruzeiro: “A investigação é da polícia judiciária, isto é, Polícia Civil e Polícia Federal. PM não é paga para fazer investigação. Existe um escopo, um mandato. Mas aqui já se naturalizou tanto que esse tipo de atuação não é questionada”.

Salta aos olhos, nas últimas operações sob a gestão do governador Cláudio Castro, o mesmo enredo. Policiais alegam excepcionalidade, enfrentam bandidos alegadamente armados até os dentes mas só morre gente de um dos lados. “Os leigos ou os bolsonaristas ficam satisfeitos”, diz Rodrigues.

Para além do aparato estatal, nesta semana o bolsonarismo pôs em funcionamento, a todo vapor, sua máquina de perseguição a inimigos da vez, movida por robôs, militantes radicais e até empresários gaúchos que levaram o ministro do STF Luiz Fux a cancelar uma palestra em Bento Gonçalves, por falta de segurança.

Com uma produção talvez só comparável à confeccionada contra a deputada Joyce Hasselmann (PSDB-SP), a chef Paola Carosella passou a ser alvo de intensos ataques. Num episódio de podcast, disse que quem ainda apoia o presidente é “escroto ou burro”, causando a fúria de simpatizantes de Bolsonaro, que chegaram a ameaçar funcionários de seu restaurante. Com a pesquisa Datafolha de ontem, dando uma vantagem de 48% a 27% para Lula, que reação terão diante de uma eventual derrota em outubro?

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

É,muitos vão enlouquecer com a derrota.