Folha de S. Paulo
Nada fora, acima ou contra as urnas, de
acordo com a Constituição
Cobrei
neste espaço, na semana passada, que o capital dissesse aos brasileiros se
a democracia é um valor universal e inegociável ou se está disposto a flertar
com um golpe de Estado. Algo se move. No dia 11 de agosto, a Faculdade de
Direito da USP —as históricas Arcadas da São Francisco— reeditarão, em novo
contexto, a
célebre "Carta aos Brasileiros", de 1977, lida, então, por
Goffredo da Silva Telles Jr., em repúdio à ditadura e em defesa do estado
democrático e de direito.
Desta feita, trata-se de defender a liberdade já conquistada para que possamos transformá-la em qualidade de vida para os mais pobres, esconjurando as ameaças golpistas feitas pelo presidente da República. Diz a nova carta, de que sou um dos signatários: "Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar de lado divergências menores em prol de algo muito maior: a defesa da ordem democrática."
O texto traz, de saída, a assinatura de
juristas, jornalistas, artistas e representantes da sociedade civil e ficará
aberto à adesão de quantos queiram endossá-lo. Mas e o capital? No mesmo dia,
um outro manifesto em defesa das instituições e do cumprimento da vontade do
eleitor virá à luz, este encabeçado por entidades empresariais dos mais
diversos setores.
A quem interessam golpe
e ditadura senão a bucaneiros que vestem a pele de empresários para
que possam exercer, sem temor nem perigo, suas atividades criminosas? No mundo
civilizado, a tolerância com a divergência não inclui os que pretendem se impor
pela violência, pelas armas, pela truculência.
É uma sandice que vivamos a nos indagar se
Bolsonaro pretende dar um golpe antes ou depois da eleição. Ou em que momento
ele imagina pôr para funcionar o seu "dispositivo militar". O último
que apostou na existência de um, diga-se, estava em campo ideológico oposto ao
do atual presidente: João Goulart. Se não tivesse deixado o Brasil, teria ido
para a cadeia. "Dispositivos militares" não costumam se mexer para
perder.
Quem seria o Amaury Kruel da hora a deixar
o presidente na mão? Nota à margem e a tempo: a ironia não associa Goulart, a
vítima de 1964, a Bolsonaro, o vilão de 2022. Um foi golpeado. O
outro quer golpear. Apenas relativizo a fidelidade de "dispositivos
militares" quando estes percebem que a vaca já foi para o brejo. Cuidado
com a cadeia, presidente!
O "capitão" submete as Forças
Armadas a um ridículo ímpar. E é neste ponto que um realista dirigiria a
seguinte pergunta ao escriba, movido por galhofa e melancolia: "Desde
quando militares dependem de prestígio, Reinaldo? Dependem de armas."
Fato. Mas as Forças Armadas dependem de prestígio ou viram sucata. Uma
quartelada as condenaria à obsolescência.
O que se viu depois da patuscada golpista
de segunda (18), com os embaixadores estrangeiros, foi um tsunami
de reações contrárias e de indignação. Bolsonaro superou, com seu ato
destrambelhado, mesmo a imaginação mais pessimista. Os servidores da Polícia
Federal, incluindo delegados, não topam brincar com o golpista bufão. Até os
lotados na Abin vieram a público para atestar a higidez do sistema eleitoral.
Certamente preocupados com o movimento
buliçoso de golpistas, os EUA se pronunciaram duas vezes em dois dias. Na
terça, por
intermédio de nota da embaixada no Brasil; na quarta, com mensagem
oficial do Departamento de Estado. A mensagem é única: só a obediência ao
que dizem as urnas é aceitável.
"E se os militares criassem a sua
própria versão nem-nem? Nem Bolsonaro nem Lula?" O único juiz é o eleitor.
Nada fora das urnas. Nada acima das urnas. Nada contra as urnas. É um lema
antifascitoide. Até porque a vontade do eleitor está subordinada a cláusulas
pétreas da Constituição, que não abriga a liberdade para promover golpes e
autogolpes, ainda que com a roupagem de movimento civil.
É o que diremos os democratas no dia 11 de agosto. E, desta feita, em companhia da parcela do capital, que é majoritária, que acata o regime de liberdades como valor inegociável.
3 comentários:
Só que o dito cujo não tem talento, valor ou neurônio para dar um golpe. Incita para ver alguns idiotas tomam a iniciativa. Esperar algo dessa natureza de um cara que nunca trabalhou na vida? Golpe exige tempo e energia , inteligência e foco e principalmente liderança. Coisa que o distinto absolutamente não tem.
Insufla para ver se pega mas à mediocridade não deixa.
Eu tenho medo do golpe dar certo.
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