quinta-feira, 14 de julho de 2022

Ricardo Mendonça: A inutilidade eleitoral do Auxílio Brasil

Valor Econômico

Se a ideia era fazer captura eleitoreira, o plano fracassou

Há um aspecto na história da transformação do Bolsa Família em Auxílio Brasil que, confirmado até a eleição, poderá ser bastante instrutivo para a cultura política no país.

Em 2021, o Bolsa Família havia completado 18 anos como um dos mais bem sucedidos programas sociais da história. Estudiosos do tema não cansavam de destacar suas virtudes. Alcance relevante, precisão no foco, gestão descentralizada, mensuração, resultados consistentes.

No fim do ano passado, Jair Bolsonaro resolveu mudar tudo. Trocou o nome para Auxílio Brasil, mudou critérios para pagamento e anabolizou os benefícios. O que existe desde então é um programa consideravelmente maior, mais abrangente e mais dispendioso.

Não foi pequena a aposta de Bolsonaro no Auxílio Brasil. O programa atende agora cerca de 18 milhões de famílias, quase quatro milhões a mais do que atendia o Bolsa Família; consome cerca de 1% do PIB (R$ 89 bilhões/ano), quase o dobro do que era consumido pelo Bolsa Família; e tem piso de R$ 400 por beneficiário, bem acima da média de R$ 192 que era entregue pelo Bolsa Família.

Ontem, em consonância com o interesse de Bolsonaro, a Câmara avançou na aprovação de um pacote de R$ 41,3 bilhões para aplicação em programas sociais. A três meses da eleição, dará aval ao estabelecimento de um “estado de emergência”, o que permitirá a criação de novos benefícios. O reajuste do Auxílio Brasil vem com uma ampliação no vale-gás e vouchers para caminhoneiros e taxistas.

A recauchutagem de 2021, com troca de nome e aumento de valores, já era vista como a grande cartada do presidente para avançar sobre o eleitorado mais pobre. Com um novo aumento para R$ 600, é difícil convencer alguém que as motivações de Bolsonaro nesse campo não tenham caráter exclusivamente eleitoreiros.

Pelo menos até agora, porém, todo o esforço para enterrar o Bolsa Família, criar a marca Auxílio Brasil e turbiná-la a qualquer custo tem se mostrado inútil para agregar votos a Bolsonaro. Se o plano era fazer a captura eleitoreira do programa, o resultado é um retumbante fracasso.

No Datafolha, Lula lidera a disputa presidencial com 47%, 19 pontos a mais que os 28% de Bolsonaro. Os demais nomes somam 13%. Curioso é notar que se a disputa ocorresse apenas entre os eleitores que recebem o Auxílio Brasil, a vantagem do petista seria ainda mais robusta. Lula tem 59% no grupo dos beneficiários do programa, mais que o dobro dos 22% para Bolsonaro. A diferença salta para 37 pontos.

O que explica esse aparente paradoxo? Por que mudar o nome do programa e aumentar seu valor não gerou ganho relevante para Bolsonaro?

Há três grandes hipóteses, ideias a serem devidamente destrinchadas por acadêmicos em estudos mais aprofundados.

A primeira é a da frustração. Seria uma compreensível sensação de perda dos beneficiários do Auxílio Brasil em relação ao ainda mais descalibrado Auxílio Emergencial, aquele socorro econômico temporário de R$ 600 por mês criado às pressas em abril de 2020 como resposta ao início da pandemia.

Naquele mês, da noite para o dia, pessoas que recebiam em média R$ 192 do Bolsa Família passaram a retirar R$ 600 na forma de Auxílio Emergencial. Um aumento de 213%, coisa jamais vista. No caso de mães solteiras, o salto foi ainda mais espetacular, para R$ 1.200.

Além de triplicar o ganho de 14,5 milhões de famílias do Bolsa Família, o Auxílio Emergencial incorporou uma multidão que estava fora do programa. Subitamente passaram a receber R$ 600/mês mais de 5 milhões de famílias pobres inscritas no Cadastro Único, mas que, por restrições orçamentárias, não estavam sendo contempladas, e também outros tantos milhões de desempregados, informais e até microempresários que nem no cadastro estavam.

A pandemia arrefeceu, a farta distribuição de dinheiro foi descontinuada e o Auxílio Brasil surgiu como substituto do Bolsa Família. É verdade que o Auxílio Brasil paga mais que o Bolsa Família. Mas entre um e o outro, o relâmpago do Auxílio Emergencial pagou muito mais.

É natural que, depois de sentir o gostinho de ganhar muito mais, as pessoas comparem o pagamento atual com o benefício anterior, que era maior, e não com o anterior do anterior, que era menor.

A segunda hipótese é a da inflação. Nominalmente, o Auxílio Brasil de R$ 400 é mais que o dobro do Bolsa Família de R$ 192. Mas com 21% de carestia desde o início da pandemia, esse aumento é menos vistoso do que parece. Para ser o dobro, o Auxílio Brasil hoje precisaria estar acima de R$ 460.

É a inflação também que torna menos potente o novo aumento do Auxílio Brasil aprovado ontem pela Câmara. Os R$ 600 de agora certamente não atrapalham Bolsonaro, mas são bem diferentes dos R$ 600 do Auxílio Emergencial de abril de 2020. A preços de hoje, o equivalente real seria de R$ 725.

A terceira hipótese é a insegurança gerada pela bagunça que virou o programa.

Antes estáveis, as regras para adesão e contrapartidas passaram a mudar constantemente. Promessas como a do 13º permanente não foram cumpridas. Durante a pandemia, a fila para entrada ou renovação se agigantou e até hoje não foi resolvida, com esperas que beiram seis meses. Ganhos passaram a ser entregues com prazo de validade (o pacote de agora, por exemplo, com aumento para R$ 600, valerá só até dezembro).

Com exceção do valor do benefício, tudo no Auxílio Brasil parece pior.

Diferentemente do que ocorria antes, quando o benefício era calculado em função do tamanho da família, o valor fixo arbitrado pelo presidente salienta distorções. Uma família com cinco filhos recebe o mesmo que outra com um filho só. É injusto.

Além disso, ao usar o critério fixo individualizado, cria-se o incentivo para que membros de uma mesma família omitam seus vínculos parentais e - um convite à fraude - solicitem cartões separadamente.

Se tantas reformas no programa e rodadas anteriores de aumento de benefício não produziram crescimento substancial de Bolsonaro nas pesquisas, difícil apostar que agora será diferente.

3 comentários:

Anônimo disse...

Esse Bolsonaro é incapaz de algo inteligente, nasceu para palhaço e não para presidente.

ADEMAR AMANCIO disse...

Um ''palhaço'' do mal,um palhaçote,né anônimo?

Anônimo disse...

Tem um tal "Palhaço do Planalto" lá por Brasília, né? Sempre ouço algo assim na TV. Deve ser este...