Valor Econômico
Se a ideia era fazer captura eleitoreira, o
plano fracassou
Há um aspecto na história da transformação
do Bolsa Família em Auxílio Brasil que, confirmado até a eleição, poderá ser
bastante instrutivo para a cultura política no país.
Em 2021, o Bolsa Família havia completado
18 anos como um dos mais bem sucedidos programas sociais da história.
Estudiosos do tema não cansavam de destacar suas virtudes. Alcance relevante,
precisão no foco, gestão descentralizada, mensuração, resultados consistentes.
No fim do ano passado, Jair Bolsonaro
resolveu mudar tudo. Trocou o nome para Auxílio Brasil, mudou critérios para
pagamento e anabolizou os benefícios. O que existe desde então é um programa
consideravelmente maior, mais abrangente e mais dispendioso.
Não foi pequena a aposta de Bolsonaro no
Auxílio Brasil. O programa atende agora cerca de 18 milhões de famílias, quase
quatro milhões a mais do que atendia o Bolsa Família; consome cerca de 1% do
PIB (R$ 89 bilhões/ano), quase o dobro do que era consumido pelo Bolsa Família;
e tem piso de R$ 400 por beneficiário, bem acima da média de R$ 192 que era
entregue pelo Bolsa Família.
Ontem, em consonância com o interesse de Bolsonaro, a Câmara avançou na aprovação de um pacote de R$ 41,3 bilhões para aplicação em programas sociais. A três meses da eleição, dará aval ao estabelecimento de um “estado de emergência”, o que permitirá a criação de novos benefícios. O reajuste do Auxílio Brasil vem com uma ampliação no vale-gás e vouchers para caminhoneiros e taxistas.
A recauchutagem de 2021, com troca de nome
e aumento de valores, já era vista como a grande cartada do presidente para
avançar sobre o eleitorado mais pobre. Com um novo aumento para R$ 600, é
difícil convencer alguém que as motivações de Bolsonaro nesse campo não tenham
caráter exclusivamente eleitoreiros.
Pelo menos até agora, porém, todo o esforço
para enterrar o Bolsa Família, criar a marca Auxílio Brasil e turbiná-la a
qualquer custo tem se mostrado inútil para agregar votos a Bolsonaro. Se o
plano era fazer a captura eleitoreira do programa, o resultado é um retumbante
fracasso.
No Datafolha, Lula lidera a disputa
presidencial com 47%, 19 pontos a mais que os 28% de Bolsonaro. Os demais nomes
somam 13%. Curioso é notar que se a disputa ocorresse apenas entre os eleitores
que recebem o Auxílio Brasil, a vantagem do petista seria ainda mais robusta.
Lula tem 59% no grupo dos beneficiários do programa, mais que o dobro dos 22%
para Bolsonaro. A diferença salta para 37 pontos.
O que explica esse aparente paradoxo? Por
que mudar o nome do programa e aumentar seu valor não gerou ganho relevante
para Bolsonaro?
Há três grandes hipóteses, ideias a serem
devidamente destrinchadas por acadêmicos em estudos mais aprofundados.
A primeira é a da frustração. Seria uma
compreensível sensação de perda dos beneficiários do Auxílio Brasil em relação
ao ainda mais descalibrado Auxílio Emergencial, aquele socorro econômico
temporário de R$ 600 por mês criado às pressas em abril de 2020 como resposta
ao início da pandemia.
Naquele mês, da noite para o dia, pessoas
que recebiam em média R$ 192 do Bolsa Família passaram a retirar R$ 600 na
forma de Auxílio Emergencial. Um aumento de 213%, coisa jamais vista. No caso
de mães solteiras, o salto foi ainda mais espetacular, para R$ 1.200.
Além de triplicar o ganho de 14,5 milhões
de famílias do Bolsa Família, o Auxílio Emergencial incorporou uma multidão que
estava fora do programa. Subitamente passaram a receber R$ 600/mês mais de 5
milhões de famílias pobres inscritas no Cadastro Único, mas que, por restrições
orçamentárias, não estavam sendo contempladas, e também outros tantos milhões
de desempregados, informais e até microempresários que nem no cadastro estavam.
A pandemia arrefeceu, a farta distribuição
de dinheiro foi descontinuada e o Auxílio Brasil surgiu como substituto do
Bolsa Família. É verdade que o Auxílio Brasil paga mais que o Bolsa Família.
Mas entre um e o outro, o relâmpago do Auxílio Emergencial pagou muito mais.
É natural que, depois de sentir o gostinho
de ganhar muito mais, as pessoas comparem o pagamento atual com o benefício
anterior, que era maior, e não com o anterior do anterior, que era menor.
A segunda hipótese é a da inflação.
Nominalmente, o Auxílio Brasil de R$ 400 é mais que o dobro do Bolsa Família de
R$ 192. Mas com 21% de carestia desde o início da pandemia, esse aumento é
menos vistoso do que parece. Para ser o dobro, o Auxílio Brasil hoje precisaria
estar acima de R$ 460.
É a inflação também que torna menos potente
o novo aumento do Auxílio Brasil aprovado ontem pela Câmara. Os R$ 600 de agora
certamente não atrapalham Bolsonaro, mas são bem diferentes dos R$ 600 do
Auxílio Emergencial de abril de 2020. A preços de hoje, o equivalente real
seria de R$ 725.
A terceira hipótese é a insegurança gerada
pela bagunça que virou o programa.
Antes estáveis, as regras para adesão e
contrapartidas passaram a mudar constantemente. Promessas como a do 13º
permanente não foram cumpridas. Durante a pandemia, a fila para entrada ou
renovação se agigantou e até hoje não foi resolvida, com esperas que beiram
seis meses. Ganhos passaram a ser entregues com prazo de validade (o pacote de
agora, por exemplo, com aumento para R$ 600, valerá só até dezembro).
Com exceção do valor do benefício, tudo no
Auxílio Brasil parece pior.
Diferentemente do que ocorria antes, quando
o benefício era calculado em função do tamanho da família, o valor fixo
arbitrado pelo presidente salienta distorções. Uma família com cinco filhos
recebe o mesmo que outra com um filho só. É injusto.
Além disso, ao usar o critério fixo
individualizado, cria-se o incentivo para que membros de uma mesma família
omitam seus vínculos parentais e - um convite à fraude - solicitem cartões
separadamente.
Se tantas reformas no programa e rodadas anteriores de aumento de benefício não produziram crescimento substancial de Bolsonaro nas pesquisas, difícil apostar que agora será diferente.
3 comentários:
Esse Bolsonaro é incapaz de algo inteligente, nasceu para palhaço e não para presidente.
Um ''palhaço'' do mal,um palhaçote,né anônimo?
Tem um tal "Palhaço do Planalto" lá por Brasília, né? Sempre ouço algo assim na TV. Deve ser este...
Postar um comentário