O Globo
A democracia é um estado permanente de
inquietação que exige movimento em direção ao futuro e às novas conquistas
O Brasil tem muitos problemas. Imensos e
graves. Nenhum deles será resolvido sem democracia. Quando o país exibe
novamente o espetáculo da sociedade civil organizada construindo pontes para
passar a mensagem da defesa da democracia é preciso pensar de novo no quanto
falta avançar. As arcadas que sustentam esse pacto entre pessoas diferentes
entre si vêm da certeza de que só na democracia é possível negociar consensos.
Os rostos que apareceram nas falas e nas leituras na USP mostraram o quanto a democracia nos fez bem até o momento. Agora há jovens, mulheres, negros. O fato de a Carta às Brasileiras e aos Brasileiros ter iniciado sua leitura por Eunice Jesus Prudente, uma mulher preta, como ela se identificou, é muito mais do que um sinal politicamente correto. Ela é professora de Direito, tinha razão de estar ali. O fato de o Centro Acadêmico XI de Agosto e a União Nacional dos Estudantes serem presididos por mulheres é resultado de muito avanço. São conquistas pessoais, de Manuela Morais e Bruna Brelaz, mas são também vitórias coletivas.
É importante refletir sobre o que disseram
as duas jovens. Elas traçaram o fio histórico. “Somos filhos de Honestino
Guimarães, Helenira Resende e Edson Luiz”, disse Bruna. Manuela, por sua vez,
lembrou dos mortos e desaparecidos que passaram pela USP e, depois, foi mais
atrás. “Pisamos no mesmo solo em que Luiz Gama aprendeu a lutar.” O que estavam
informando é que pegaram o bastão das gerações que as antecederam e estão
levando adiante. Um país que faz isso tem história.
Mas é preciso mais que história. A
democracia é um estado permanente de inquietação que exige movimento em direção
ao futuro. Até aqui temos conquistas a comemorar, e com seus rostos as duas
meninas davam notícia desse avanço. “Nós que éramos os outros, agora fazemos
parte desta nova Carta. Somos jovens negros, periféricos, uma nova
intelectualidade que é fruto das universidades públicas, das quebradas e das
favelas”, disse Manuela Morais, do alto dos seus 19 anos. E avisou que todos
têm lutado para que essas conquistas cheguem a um ponto de não retorno.
Curioso é que a presidente do Centro
Acadêmico e o ex-presidente do Banco Central passaram o mesmo sentimento. “Era
preferível que não houvesse, 45 anos depois, a necessidade de uma nova Carta”,
disse Manuela. “É uma situação esdrúxula que tenhamos que nos concentrar em
salvar o que foi conquistado”, disse Armínio Fraga.
Que dia. A nova carta foi lida em 11 de
Agosto, o nome da primeira representação estudantil do país é Centro Acadêmico
XI de agosto, e a UNE foi criada em um 11 de agosto. Bruna Brelaz se apresentou
assim. “Sou filha do Amazonas, do Norte do Brasil, a primeira mulher negra
nortista a assumir a UNE nesses 85 anos.” O Brasil estava lá em sua
diversidade, em sua pluralidade, para quem quisesse ver. A democracia é que
trouxe para a cena os novos rostos.
E fez mais. A democracia nos deu uma nova
Constituição, a vitória sobre a hiperinflação, políticas públicas que incluíram
e garantiram direitos. Mas tudo somado é pouco para superar as imensas fendas e
fraturas entre brasileiros que se aprofundaram nesses anos da onda conservadora
autoritária que nos assolou, impondo espantosos retrocessos.
O movimento da semana foi bonito e triste
ao mesmo tempo. É ruim ter que voltar à primeira barricada. Não deveria ser
preciso. Mas é bom ver que tantos se dispõem a reforçar as bases do pilar
fundacional do Brasil moderno, o Estado Democrático de Direito.
O Brasil precisa de democracia para
proteger a vida dos indígenas que foram nossas primeiras vítimas e ainda hoje
morrem em defesa do patrimônio comum dos brasileiros. Precisa de democracia
para preservar a vida dos jovens negros e ter políticas mais poderosas de
inclusão. É fundamental para encontrar formas de vencer essa verdadeira
epidemia de violência contra a mulher. A democracia precisa reforçar os marcos
de proteção ambiental que estão sendo desfeitos. A economia produtiva e próspera
não será encontrada no modelo autoritário. A educação de qualidade só será
possível em ambiente de liberdade. A transição para uma economia de baixo
carbono será possível apenas se o Estado de Direito prevalecer sobre a lei do
mais forte. O Brasil tem muitos problemas. Todos eles só poderão ser
enfrentados com mais democracia.
2 comentários:
Cara jornalista hoje quem está rompendo com a democracia é o Judiciário, particularmente o ST F que cassa, prende, exila por falas e opiniões até deputados que tem garantias constitucionais para se manifestarem livremente, criaram o crime Fake News e o inquérito do fim do mundo, segundo o
Ministro Marco Aurélio que chamou de xerife
o Alexandre de Moraes que vem atropelando toda a normativa constitucional que é a nossa maior e principal Carta pela democracia
Estamos lutando e saindo às ruas para retomar a democracia perdida e a liberdade democrática
Sem democracia não há solução,viva o Supremo!
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