Folha de S. Paulo
Fisiognomonia tem chance de sólida
reentrada na cena pública do país
Mais em opiniões populares do que em
textos, há algum consenso quanto à correspondência entre traços faciais de
figuras do poder e caráter aberto ao desvario e à corrupção. Diz-se que as
inclinações morais lhes transparecem nos rostos, ou, numa expressão
corriqueira, que "estão na cara". Mas já houve para isso uma
designação culta: fisiognomonia.
Trata-se nada mais nada menos de
"leitura facial", ou seja, a hipótese, aceita no passado por muita
gente sisuda, de que na estrutura corporal do indivíduo haveria legíveis marcas
psicológicas e morais. Imperadores de antigas dinastias chinesas levavam tão a
sério a leitura desses sinais que por eles escolhiam seus ministros.
O fenômeno chegou à modernidade. Shakespeare faz Lady MacBeth dizer ao marido: "Teu rosto, meu nobre, é um livro em que os homens podem ler coisas". O que se lia? "Falso, sangrento, enganador, luxurioso." A literatura romanesca é pródiga nas descrições em que as distintas partes corporais revelam características de comportamento, e não apenas visuais, mas táteis: até o medo exalaria um odor específico.
Em outros tempos de estudos jurídicos,
ainda circulavam as ideias oitocentistas de Cesare Lombroso, para quem zigomas acentuados, bossas cranianas e
maxilares protuberantes indicavam tendências criminosas.
A fisiognomonia sempre foi a ciência
prática de caricaturistas. Agora ela tem chance de uma insólita reentrada na
cena pública brasileira, em meio à crise ético-política que turva a
legitimidade do poder.
Sumindo a credibilidade dos aparatos de Estado, vazam fisicamente os traços de
caráter dos dirigentes.
A afecção visual pode ser tão concreta
quanto a mental. Um traidor e golpista, agente das sombras, é figurado como vampiro,
algo a se temer. Um delirante predador parlamentar, como ratazana voraz. Quando
se põe lenha na fogueira do autocratismo, a contrapartida da imaginação
coletiva é a representação por arquétipos críticos da encarnação do poder.
Livre para interpretar, o povo
"lê", sentindo. Foi assim que um John Kennedy jovial, queimado de sol e maquiado venceu
no famoso debate televisivo um Richard Nixon suado e sombrio (26/6/1960). Houve quem
achasse melhor a fala de Nixon, mas a cara de Kennedy, imbatível, deu início à
era da telegenia.
Entre nós, é hoje notável a força negativa
do flagrante defeito: no dirigente que mente contra todas as evidências, o
arquétipo da cara de pau despudorada traduz a falha moral. A troca da palavra
pelo palavrão, do sorriso pelo deboche, se distorce à flor da pele como, no
mamulengo nordestino, os nervos do mau-caráter se mostram à flor do pano. Isso
marca ponto no placar de jogo do povo, no qual a fisiognomonia também chuta em
gol.
*Sociólogo, professor emérito da UFRJ,
autor, entre outras obras, de "A Sociedade Incivil" e "Pensar
Nagô".
2 comentários:
Muita gente simpatiza com o mentiroso-mor da nação.
O miliciano mentiroso aposta na impunidade pra escapar das punições de todos os seus crimes na presidência. Por enquanto, seus cúmplices Aras e Lira o protegem completamente. Perdendo a eleição, nem os generais vão querer ficar do seu lado... O genocida vai poder contar suas mentiras pras paredes da prisão e pros seus advogados que já enriqueceram defendendo a família das rachadinhas!
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