Risco agora é o de tumulto na votação e na apuração das urnas
Valor Econômico
As instituições precisam continuar firmes para enfrentar os instintos antidemocráticos de Bolsonaro
A nona eleição presidencial desde a redemocratização do país, que termina domingo, será, ao que tudo indica, a mais disputada de todas, com pequena distância entre o eleito e seu rival. Marcada por paradoxos, ela é a primeira a ser travada com força total com o uso generalizado das redes sociais, um dos fatores para o baixo nível das campanhas e pela mirrada discussão de propostas para o futuro. É de longe a mais polarizada desse período republicano - já antes do primeiro turno, mais de 80% dos eleitores já tinham decidido em quem votar.
Pela primeira vez um presidente enfrenta um ex-presidente e, também pela primeira vez, o detentor do cargo, Jair Bolsonaro, não lidera as pesquisas e permaneceu em segundo lugar após o primeiro turno. Há mais peculiaridades. Não é a primeira vez que se denuncia eventuais roubalheiras nas urnas, mas é inédito que as denúncias partam do vencedor do pleito, como ocorreu de 2018 até agora. Ademais, a máquina do Estado, principalmente na República Velha, jogava todo seu peso a favor do candidato do partido do governo. É curioso, agora, que o presidente da República preveja que será roubado nas urnas (que nunca falharam nos quesitos exatidão e lisura) por quem não detém o poder nem tem condições de fazê-lo.
Desde que as pesquisas para as eleições deste ano começaram a ser feitas, o ex-presidente Lula mantém o favoritismo, tendo recebido 6,5 milhões de votos a mais que os dados a Bolsonaro no primeiro turno. Até a semana passada, a diferença entre eles havia se estreitado, indicando, ainda que em câmera lenta, uma ascensão do presidente na reta final da campanha, sinal de uma virada possível após a contagem dos votos.
As pesquisas mais recentes parecem indicar que o momento favorável a Bolsonaro já foi maior. A semana derradeira do período eleitoral começou com um inacreditável tiroteio e lançamento de granadas de um aliado de Bolsonaro, e ex-aliado de Lula, Roberto Jefferson, líder do PTB, contra a Polícia Federal que fora até seu domicílio para conduzi-lo a prisão fechada.
O bizarro episódio colocou a campanha bolsonarista na defensiva. O estrago eleitoral foi ampliado com a divulgação das fórmulas que estavam no laboratório do Dr. Silvana, no Ministério da Economia: fim da indexação do salário mínimo e das aposentadorias, fim da dedução dos gastos com saúde e educação no Imposto de Renda. O ministro Paulo Guedes negou a existência desses estudos. Pesquisa Datafolha divulgada ontem mostrou pequena oscilação para baixo do presidente. Apontou aumento do apoio a Lula entre os mais pobres e queda de Bolsonaro nessa faixa. Lula tem 49% e seu rival, 44% do total de votos.
Bolsonaro acionou a última fase de sua estratégia, a de causar tumulto no dia das eleições e não aceitar eventual derrota. O presidente pediu a seus apoiadores que se concentrem nos locais de votação até o fim da apuração e ao PL, seu partido, que se inscrevam como fiscais de urnas. Além disso, recorreram ao Tribunal Superior Eleitoral alegando que milhares de peças da campanha do presidente não haviam sido veiculadas em rádios de todo o país.
Como em todas as acusações que o presidente faz, não há provas. Não foram milhares de peças, foram 790 na petição de seus advogados que, mesmo diante do número reduzido, não apresentaram provas. O ministro Alexandre de Moraes arquivou o inquérito, alegando que a tarefa de fiscalização da propaganda eleitoral compete aos partidos e indicou que pode processar o PL por incentivar a balbúrdia às vésperas do segundo turno.
Nada menos que nessa hora providencial, o ministro da Defesa, em nome dos militares, apareceu com sugestões de “oportunidades de melhoria” no sistema de fiscalização no segundo turno. O ministro se negou a divulgar o resultado da auditoria do primeiro turno por ser parcial - um argumento que pode indicar que nada foi encontrado até agora, mas poderá ser. Bolsonaro, por sua vez, foi direto. Os militares teriam informado a ele que é “impossível dar um selo de credibilidade ao processo”.
A última chance de obter pontos decisivos na corrida eleitoral será no debate de hoje na TV Globo. Mas a convicção do presidente, instilada em seus apoiadores radicais, é a de que se ele perder será porque foi roubado. A desconfiança do presidente contra as urnas provoca tensões e maus presságios que percorrerão toda a jornada eleitoral. As instituições precisam continuar firmes para enfrentar os instintos antidemocráticos de Bolsonaro.
O Globo
Denúncia apontando desequilíbrio em
propaganda no rádio revela que plano é apenas tumultuar a eleição
É irresponsável e inaceitável o plano do
presidente Jair Bolsonaro de tumultuar a última semana da campanha eleitoral.
Tendo ficado em segundo lugar no primeiro turno, atrás nas pesquisas de
opinião, Bolsonaro sustentou em entrevista na quarta-feira a tese frágil de que
rádios o prejudicaram ao não veicularem inserções obrigatórias de propaganda
eleitoral. Prometeu ir “às últimas consequências” com recursos para buscar
reparação. Fica clara a estratégia de judicializar a disputa, que exigirá
decisões céleres e firmes dos tribunais.
É óbvio que as rádios têm a obrigação legal
de veicular as propagandas eleitorais. As campanhas também precisam entregar as
gravações com a devida antecedência. Os candidatos têm o dever de fiscalizar a
execução e, se porventura as rádios não cumprirem a lei, têm todo o direito de
denunciar. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também tem o dever de determinar
sanções e correções, mediante a apresentação de provas robustas e inequívocas.
Aí começam os problemas da ação protocolada pela campanha de Bolsonaro no TSE. Ela é recheada de inconsistências. A metodologia usada no monitoramento foi equivocada. A empresa contratada para fazer a auditoria analisou as transmissões por meio de plataformas de streaming, modalidade em que a propaganda política não é obrigatória. Pelo menos uma das rádios citadas não funciona na frequência informada. Outras disseram não ter recebido o material a tempo de veiculá-lo. Uma análise preliminar mostrou que a auditoria também omitiu inserções que foram realizadas.
Na segunda-feira, quando a ação foi
protocolada, o ministro das Comunicações, Fábio Faria, exigiu uma investigação
do TSE. Na entrevista de quarta-feira, Bolsonaro subiu o tom ao falar em
“enorme desequilíbrio no tocante às inserções”, que “interfere na quantidade de
votos no final da linha”. No começo da semana, Faria afirmara que a diferença
poderia chegar a 154 mil inserções a menos. Pressionada pelo TSE, a campanha
apresentou dados específicos de apenas oito emissoras, mesmo assim com falhas.
Circulou no universo paralelo bolsonarista a ideia absurda e descabida de
“adiamento” da eleição para apurar o caso e reparar o dano — o equivalente a
uma tentativa de golpe.
Por tudo isso, fez bem o presidente do TSE,
ministro Alexandre de Moraes, em primeiro exigir a apresentação de evidências
mais robustas para, em seguida, rejeitar a ação por ausência de provas. Moraes
também acertou ao apontar possível “cometimento de crime eleitoral com a
finalidade de tumultuar o segundo turno”. Bolsonaro será sempre Bolsonaro.
Terminará seu primeiro mandato semeando confusão, seu padrão de comportamento
desde os tempos em que era militar da ativa.
Diante desse tipo de manobra, as instituições
têm a obrigação de reagir com presteza às tentativas de criar pretextos para
questionar os resultados do pleito. A profusão de desinformação on-line tem
exigido esforço descomunal da Justiça Eleitoral para obter um resultado que, no
fim das contas, tem deixado a desejar. Mas isso não significa que seja um
trabalho desnecessário, como mostra a decisão de Moraes. O TSE precisa manter
vigilância atenta sobre todo tipo de investida cujo objetivo seja manipular a
opinião pública e desacreditar as regras eleitorais.
Leniência com multas ambientais incentiva o
crime e a devastação
O Globo
Milhares de autos de infração correm risco
de caducar por não terem sido analisados no prazo
Aliada à inépcia, a leniência do governo
com desmatadores, garimpeiros ilegais, pescadores clandestinos, poluidores e
outros predadores da natureza transformou as multas ambientais em espécie
ameaçada de extinção. Como mostrou o Jornal Nacional, uma auditoria do Tribunal
de Contas da União (TCU) revela que milhares de autos de infração correm o
risco de caducar neste ano e nos próximos por não terem sido analisados no
prazo.
Estão nessa situação 4.728 autos de
infração neste ano, 16.705 em 2023 e 37.204 em 2024. Não se trata de acúmulo de
multas e incapacidade dos órgãos ambientais para julgá-las a tempo. Em 2020, na
gestão do então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, uma instrução
normativa do Ministério do Meio Ambiente, do Ibama e do ICMBio alterou as
regras para apuração de crimes ambientais e aplicação de multas, aumentando a
burocracia. As novas normas tiraram autonomia dos fiscais, concentraram poder
nas mãos de poucas autoridades e estipularam prazos impossíveis de cumprir. Em
carta do ano passado, servidores do Ibama afirmavam que a fiscalização estava
paralisada.
Como se previa, os processos passaram a se
arrastar nos órgãos ambientais, abrindo caminho à prescrição das multas e à
impunidade. De acordo com a auditoria do TCU, “é notável a queda no número de
processos julgados a partir de 2020”. Em 2019, antes das mudanças das regras,
foram julgadas 96,4% das autuações. No ano seguinte, 23,5%. Embora no ano
passado tenham sido 36,9%, o percentual está longe dos patamares de 2019.
A má vontade com as multas ambientais não
surpreende. Antes mesmo de assumir, o presidente Jair Bolsonaro disse que não
admitiria que o Ibama e o ICMBio saíssem “multando a torto e a direito”. E
prometeu: “Essa festa vai acabar”. Em janeiro deste ano, gabou-se de ter
reduzido em 80% as multas no campo. “Paramos de ter grandes problemas com a
questão ambiental, especialmente a multa”, afirmou. Pela lógica torta de
Bolsonaro, o problema não está na infração ambiental, mas na multa aplicada ao
infrator.
O enfraquecimento da fiscalização,
refletido no afrouxamento das punições, é apenas parte do problema. O governo
Bolsonaro promoveu um desmonte consistente dos organismos e políticas
ambientais. Paralelamente, o Congresso, onde a situação tem ampla maioria, tem
passado uma boiada atrás da outra sobre o que resta da outrora rigorosa
legislação ambiental.
É pena que, numa campanha eleitoral marcada por mentiras e pela guerra suja, os candidatos tenham apenas tangenciado o tema ambiental. Independentemente de quem seja eleito no domingo, é urgente que assuma compromissos na área. O brasileiro tem de saber o que o próximo governo fará para conter o descalabro de queimadas, desmatamento, garimpo ilegal, pesca clandestina etc. A situação traz graves danos ao meio ambiente, à população, ao clima, ao agronegócio, além de transformar em cinzas a imagem do Brasil perante o mundo.
Factoide de véspera
Folha de S. Paulo
Sem avançar no Datafolha, Bolsonaro usa
governo para tumulto com denúncia vazia
Num atropelo à regra republicana que separa
atos de governo e ativismo eleitoral, o ministro Fábio Faria, das Comunicações,
convidou a imprensa na segunda-feira (24) para um pronunciamento em frente ao
Palácio da Alvorada em que exporia um
"fato grave".
No estilo nada sofisticado que caracteriza
a comunicação bolsonarista, Faria afirmou que emissoras de rádio,
principalmente no Nordeste, teriam deixado de veicular inserções publicitárias
da campanha de Jair Bolsonaro (PL).
A supressão estaria conectada à larga
vantagem obtida pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) entre os
nordestinos.
Logo ficou claro que a denúncia de fraude e
o relatório encaminhado pela coligação ao Tribunal Superior Eleitoral amparavam-se
em vento. Não se apresentou nenhuma prova ou evidência, nada que
pudesse levar o ministro Alexandre de Moraes, presidente da corte, a outra
decisão que não a de rejeitar o pedido de investigação.
Coincidência ou não, a pantomima veio na
sequência do desgaste provocado na campanha pelo desvario do ex-deputado
Roberto Jefferson, com seus tiros contra policiais federais, enquanto Bolsonaro
não dá sinal de avanço nas pesquisas. Nesta quinta (27), marcou 44% das
intenções de voto totais no Datafolha, ante 49% de Lula.
É plausível que rádios possam falhar ou
descumprir a programação obrigatória, mas está claro que o ministro promoveu a
divulgação de um factoide costurado às pressas com o intuito de mudar a pauta,
insuflar apoiadores e lançar, mais uma vez, suspeitas sobre o processo
eleitoral.
A acusação prestou-se a alimentar o
discurso de uma candidatura que se diz vítima do establishment, da Justiça
Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal, acusados de
favorecer o adversário. Ressalte-se que cabe a partidos e campanhas
o monitoramento das veiculações e não é tarefa do TSE distribuí-las.
É incerto se a alegação servirá de pretexto
para reações contundentes, em especial na hipótese de uma derrota do presidente.
Bolsonaro, diga-se, evitou assumir um tom
de incentivo aberto ao tumulto em seu pronunciamento sobre o tema, na quarta
(26). Manteve o controle ao reiterar as acusações infundadas e disse que
respeitará o resultado das urnas.
Numa disputa marcada por discussões as mais
extravagantes e inúteis para esclarecer o eleitor sobre os reais planos dos
candidatos, o episódio não chega a surpreender. É de esperar que um mínimo de
troca de ideias e apresentação de propostas venha a ocorrer no debate
organizado pela Rede Globo na noite desta sexta-feira (28).
Canabidiol com ciência
Folha de S. Paulo
Conselho Federal de Medicina deve pensar
nos pacientes e facilitar prescrição
O Conselho Federal de Medicina (CFM) é, em
tese, uma autarquia que regula a atuação ética e técnica dos médicos com o
objetivo de proteger pacientes e a saúde pública. Mas, na prática, o CFM
funciona como um órgão político e se dá ao luxo de ignorar a ciência. Nos
últimos anos, converteu-se em linha auxiliar do bolsonarismo.
Uma resolução baixada no dia 14 atesta essa
relação. A partir dela, o CFM limitou significativamente a prescrição do
canabidiol (CBD), um dos princípios ativos da maconha.
Ressalte-se que o responsável pelo efeito
alucinógeno causado pela planta é o tetrahidrocanabinol (THC), não o CBD.
Entretanto basta uma tênue associação com a erva para excitar entusiastas da
fracassada guerra às drogas.
Pela resolução, o remédio poderia ser
prescrito só para crianças e adolescentes com dois tipos de epilepsia ou com
esclerose tuberosa.
A questão é que o CBD tem potencial
terapêutico atestado pela ciência e já vem sendo usado com sucesso para aliviar
os sintomas de várias doenças no mundo todo.
A atitude do CFM em relação ao canabidiol
contrasta com a adotada em relação à cloroquina. No segundo caso, o conselho
ignorou todas as evidências científicas de que a droga era
ineficaz contra a Covid-19 e postulou o "respeito absoluto à autonomia do
médico" para liberar prescrições "off-label". Já no caso do CBD,
praticamente aboliu essa tal autonomia.
A reação
contrária de médicos e pacientes foi rápida e intensa. Diversas
associações protestaram, e alguns profissionais disseram que a saída seria
ignorar a resolução.
Pressionado, o CFM revogou a norma e abriu
uma consulta pública para que médicos e não médicos opinem. Ao fim desse
processo, que durará 60 dias, o órgão decidirá se baixa uma nova regra.
Há algumas lições a tirar do episódio.
Mesmo aqueles que se encastelam em rígidas posições ideológicas mantêm alguma
ponte com o mundo real e, quando
pressionados pelo debate público, podem voltar atrás. É uma boa
notícia.
Além disso, nota-se como o Brasil, na
contramão do mundo, burocratiza em excesso as prescrições de derivados da
maconha e impõe barreiras desnecessárias à pesquisa. Já passa da hora de rever
isso, pelo bem de pacientes e da ciência.
Por fim, a trajetória percorrida pelo Conselho Federal de Medicina nos últimos anos sugere que devemos repensar o desenho institucional da autarquia, para que volte a ser um órgão de defesa e promoção da saúde pública.
Segurança pública demanda realismo
O Estado de S. Paulo
Chega de discursos ideológicos e populistas. O País precisa de políticas de segurança pública baseadas em evidências, que enfrentem os problemas que afetam o dia a dia da população
Esta campanha eleitoral não teve
apresentação de propostas nem discussão de programas de governo. Mas os
problemas que afetam a população não desaparecem só porque os candidatos mal
falam deles, e exigirão do próximo governo, seja qual for, uma resposta
responsável e efetiva. Uma dessas prioridades é a segurança pública, área que
tem múltiplas dimensões e envolve vários atores institucionais, em especial
governos estaduais, Congresso, Judiciário e Ministério Público. O papel do
Executivo federal nessa seara é principalmente de coordenação e articulação, o
que demanda compreensão madura e realista das questões envolvidas, sem
simplismos ideológicos ou populistas.
Na segurança pública, o primeiro ponto a
ser destacado para os próximos quatro anos é evitar o retrocesso. O
bolsonarismo, cuja bandeira de segurança pública é radicada exclusivamente na
repressão, isto é, na atuação estatal após a prática do crime, infestou a
agenda pública com ideias equivocadas e desconectadas da realidade, que
distorcem ainda mais o enfrentamento do problema real da violência e da
criminalidade.
A principal resposta do bolsonarismo para a
segurança pública é, a rigor, uma não resposta do Estado: o armamento da
população. Em vez de apresentar à população soluções para o problema da
criminalidade, Jair Bolsonaro diz: que cada um resolva por conta própria a
violência que bate à sua porta. Não é solução, é aumento do problema. O objetivo
da paz torna-se cada vez mais distante se a população, por incentivo do próprio
poder público, está cada vez mais armada.
Um tema central da segurança pública
refere-se às polícias, que devem cumprir estritamente o seu papel
institucional. Elas precisam, portanto, ser bem treinadas e bem acompanhadas.
No Estado Democrático de Direito, o uso da força por parte do Estado deve ser
sempre transparente e submetido a controle. Nesse sentido, é fundamental
promover o uso das câmeras nos uniformes dos policiais. A medida não contrapõe
polícia e população, como se estivessem em lados opostos. As câmeras protegem
tanto o agente público como o cidadão.
Proteger a polícia é também preservá-la da
manipulação e uso políticos. As forças de segurança servem à lei e à população.
Não servem aos interesses particulares dos membros das corporações policiais e,
menos ainda, aos do político de plantão. Polícia não combina com política nem
com ilegalidade. Assunto constante no bolsonarismo, a pauta de ampliação das
excludentes de ilicitude para policiais é um nítido retrocesso. Em vez de
incentivar o treinamento dos agentes, premia quem age fora da lei.
Talvez o grande desafio da segurança
pública seja recuperar a capacidade de olhar para o problema da violência e da
criminalidade com realismo e maturidade. Aqui, o PT e os partidos de esquerda
têm também uma séria responsabilidade. Reiteradamente seus discursos
minimizaram o problema, como se segurança pública fosse apenas e tão somente
reflexo de outras questões da sociedade, como desigualdade social e situações
de vulnerabilidade e miséria. Certamente há a necessidade de enfrentar os
problemas de fundo, pois um Estado omisso na educação alimenta a violência, mas
é preciso cuidar de forma muito prática da segurança da população no dia a dia
– que é, entre outros pontos, iluminação pública, polícia presente, bem
treinada e bem equipada, presídios com boa estrutura e nenhuma conivência com a
criminalidade.
Não há avanço possível se a realidade é
ignorada. A despeito do mito de que a sociedade brasileira é pacífica, o País é
extremamente violento. Os índices de homicídio estão entre os mais altos do
mundo. A despeito do mito de que as penas legais são brandas, temos uma das
mais altas taxas de encarceramento do mundo. É mais que hora de despir a
segurança pública e a política criminal de discursos ideológicos e populistas,
tanto à direita como à esquerda, e enfrentar, com políticas públicas baseadas
em evidências, os problemas reais que afetam a população. Não é uma opção: o
Estado tem o dever de proteger sua população.
Intimidação inaceitável
O Estado de S. Paulo
Como esperado, Bolsonaro tumultua a reta final e tenta usar as Forças Armadas para intimidar a Nação
A eleição ainda não ocorreu. O presidente
Jair Bolsonaro, assim como o seu adversário, têm chances de vencer o pleito.
Nada está definido até que o resultado seja anunciado na noite de domingo. No
entanto, Bolsonaro tem agido nos últimos dias como se já tivesse sido derrotado
pelo petista Lula da Silva. E pior: o presidente se comporta indignamente como
um mau perdedor, chegando a usar as Forças Armadas para intimidar a Nação caso,
de fato, não venha a ser reeleito.
Com o claro propósito de bagunçar a
eleição, Bolsonaro denunciou a existência de um “complô” entre o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) e um punhado de emissoras de rádio na Região Nordeste,
que não teriam veiculado inserções publicitárias de sua campanha nas
quantidades e nos horários previstos, o que teria desequilibrado a disputa pela
Presidência em seu desfavor.
Ora, a acusação de Bolsonaro não tem o menor
cabimento – ao menos não para quem não lhe devota paixão a tal ponto fervorosa
que chega a obnubilar a compreensão da realidade.
Em primeiro lugar, não é papel do TSE
fiscalizar a veiculação das inserções de rádio; é, antes, dever das campanhas
enviar as gravações às emissoras no tempo determinado. Usar o TSE nessa teoria
conspiratória é só mais uma tentativa de jogar uma parcela da sociedade contra
a instituição incumbida pela Constituição de proclamar o resultado das
eleições.
Em segundo lugar, os arquivos que Bolsonaro
chama de “provas” desse suposto ardil nem sequer “poderiam ser chamados de
‘prova’ ou ‘auditoria’”, de acordo com o presidente do TSE, ministro Alexandre
de Moraes, ao arquivar a ação.
A reação do presidente à decisão do TSE,
embora previsível, não poderia ter sido mais reveladora de seu espírito
golpista e antirrepublicano. Bolsonaro suspendeu atos de campanha em Minas
Gerais e convocou uma “reunião de emergência” no Palácio da Alvorada com
aliados políticos e, pasme o leitor, com os comandantes do Exército, da Marinha
e da Aeronáutica. Ora, o que assuntos relativos à campanha eleitoral têm a ver
com as Forças Armadas? A pergunta é retórica.
É óbvio que Bolsonaro só chamou os
comandantes das três Forças ao Alvorada para ameaçar a Nação, deixando no ar a
ideia de que a intentona que decerto povoa seus delírios de poder em caso de
derrota nas urnas contaria com o apoio dos militares. Ora, os chefes militares
foram à reunião porque foram convocados pelo comandante supremo das Forças
Armadas, e não porque estejam alinhados ao golpismo de Bolsonaro.
A tentativa de tumultuar a realização da
eleição – e, consequentemente, afrontar a ordem constitucional – é um crime
eleitoral e assim deve ser tratada pelo Ministério Público Eleitoral e pelo
TSE.
Há tempos que Bolsonaro tem investido
contra as instituições democráticas. Chegou até a dizer que não haveria eleição
neste ano caso o voto impresso não fosse adotado no País. São desculpas para um
governo ruim. Fosse chefe de um bom governo, Bolsonaro decerto estaria à frente
nas pesquisas de intenção de voto e, muito provavelmente, já poderia se
considerar reeleito.
Mas, à falta de realizações positivas para
mostrar aos eleitores, sobram agressões e ameaças. O País não se intimidará.
O Brasil no novo mundo
O Estado de S. Paulo
Ainda que não se deva esperar muito do próximo governo, a sociedade tem potencialidades e instrumentos formidáveis para crescer com as megatendências globais do século 21
O mundo está mudando, como sempre, mas
rápido como nunca. Em dois séculos sua população saltou de 1 bilhão para 8
bilhões. Ao toque de um botão, cada indivíduo pode se conectar virtualmente a
muitos outros. Suas mentes e corpos estão se mesclando às máquinas com a
Inteligência Artificial e a biotecnologia. Tão rapidamente quanto a população
se urbaniza, ela envelhece, e precisa reverter a degradação ambiental que
ameaça a vida do planeta. Nunca desde a crise dos mísseis de Cuba o conflito
nuclear esteve tão próximo. Um erro de cálculo pode mandar literalmente tudo
pelos ares. As democracias estão em recessão e as autocracias, em ascensão. A
pandemia reverteu décadas de avanços sociais, e rivalidades geopolíticas,
especialmente entre EUA e China, balcanizam a economia global.
Os desafios do Brasil são imensos. Mas suas
potencialidades também. Suas riquezas naturais lhe dão condições únicas para
equacionar o trinômio vital da segurança alimentar, energética e ambiental.
Malgrado suas cicatrizes escravocratas, seu pluralismo étnico, cultural e
religioso é comparativamente exemplar. Se sua população também envelhece e logo
encolherá, esse povo, gestado pela confluência de portugueses, indígenas e
africanos e revitalizado pela de outros povos (italianos, alemães, árabes,
japoneses), tem todas as condições de acolher novos influxos, tornando-se ainda
mais dinâmico e criativo.
A imagem importa. É um simplismo
lamentável, mas – além do binômio pitoresco “samba e futebol” – a reputação do
Brasil está inexoravelmente condicionada às suas florestas. Além disso, sua
desigualdade abissal escandaliza o mundo. E, embora não tenha um histórico de
agressões militares e guerras civis, sua criminalidade – seja a violência ou a
corrupção – é aterradora.
Infelizmente, nem Lula da Silva nem Jair
Bolsonaro têm a envergadura para enfrentar os desafios da política externa.
Ambos a sujeitaram a idiossincrasias, maniqueísmos e partidarismos. Lula, é
verdade, confeccionou a imagem do líder operário preocupado com os pobres que
lhe granjeou simpatia nas elites globais e acesso aos palácios do poder. Mas
desperdiçou esse capital com delírios megalomaníacos de conflagrar uma espécie
de insurgência terceiro-mundista. Será a sua “frente ampla” moderada mais que
fachada eleitoreira? É uma incógnita. De Bolsonaro não se espera mais que
radicalização e alinhamento com a mais retrógrada direita ocidental. Seu papel
nos grandes dramas planetários dessa geração – o conjuntural, da pandemia, e o
estrutural, das mudanças climáticas – foi calamitoso e caricato.
Além de reformas que promovam um ambiente
de negócios mais aberto, transparente e vibrante, o resgate do protagonismo
global do Brasil passa por uma revisão da política ambiental que foque em ações
sustentáveis para a Amazônia, aptas a preservar seu bioma e gerar riquezas para
seus povos. Além disso, o País está em uma condição privilegiada para
arquitetar uma equidistância ponderada, ao menos do ponto de vista econômico,
entre EUA e China. Fundamental para a tessitura dessa trama é revigorar
alianças com parceiros regionais, como o Mercosul, e tradicionais, como a
Europa, além de novas frentes, como no Pacífico. Por fim, é preciso revalorizar
o multilateralismo como instrumento das relações exteriores.
Para tanto, o País conta com um formidável aparato profissional, forjado pela excelência técnica e intelectual do Itamaraty. Consciente de que o vigor desse corpo diplomático não viria do poder das armas ou do dinheiro, o Barão de Rio Branco animou seu espírito com o “poder da inteligência” e a “inteligência do poder”. Realisticamente, um e outro tendem a ser escassos no próximo governo. Mas o Estado brasileiro é maior que o governo e a Nação, maior que o Estado. Há muita inteligência e poder enraizados no passado do Brasil e disseminados em seu presente. Se, num movimento centrípeto de baixo para cima, a sociedade civil, os municípios, os Estados e o Congresso forem capazes de integrá-los, a sempiterna promessa do “país do futuro” pode começar a se tornar realidade hoje.
2 comentários:
"Risco agora é o de tumulto na votação e na apuração das urnas
(Valor Econômico)"
Esse risco só existe por causa do gado ensandecido pelo pedófilo da República. Vide os vândalos de Aparecida.
Fácil identificar os chifrudos: tão ca camisa da "celeção".
"O detentor do cargo, Jair Bolsonaro," é futuro DETENTO numa cadeia próxima das suas cento e tantas casas que a familícia Bolsonaro comprou nos últimos anos! Metade em DINHEIRO VIVO...
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