O Globo
Congresso se sente mais à vontade para
ceifar pauta ambientalista e indígena sem a gritaria de Bolsonaro e com os
ativistas menos eloquentes
O governo Lula 3 está diante de um dilema
crucial: qual será o escrutínio da História se, ao final dos seus quatro anos,
a “boiada” da exploração econômica da região amazônica e da retirada de
direitos dos povos indígenas tiver passado mais fácil do que quando Jair
Bolsonaro tentou?
O perigo existe, e se deve ao fato,
paradoxal que pareça, de não haver, hoje, a verborragia tóxica de Bolsonaro e a
sem-cerimônia de um Ricardo Salles a chamar a atenção para os riscos.
Também outro fator pode colaborar para
facilitar que o Congresso e até o Judiciário se sintam mais à vontade para
avançar: com Lula no poder, os ativistas não são tão eloquentes em protestar,
mesmo para os fóruns internacionais, que os direitos dos povos originários e a
preservação ambiental estão sob ataque.
Foi um poderosíssimo cacique do Congresso que me alertou sobre a possibilidade, que não estava no radar até há poucas semanas, de ser agora o momento “ideal” para consagrar o marco temporal para a demarcação de terras indígenas.
Diante da objeção de que, ao investir nesse
caminho, já ensaiado com a aprovação de um texto alterado da Medida Provisória
que estabeleceu a nova configuração do governo, o Congresso ignora que as urnas
consagraram outro projeto ao eleger Lula, esse profundo entendedor dos
desígnios do Legislativo retrucou:
— Mas elegeu por quanto? 80% a 20%? Não,
foi 51% a 49%, quase empate.
Eis o nó da questão. Esse placar perseguirá
Lula enquanto ele não conseguir nas pesquisas de popularidade uma dianteira
maior sobre o bolsonarismo — que não morreu nem com os atos terroristas de 8 de
janeiro nem diante da revelação de todos os rolos do ex-presidente e sua
família — e, no Congresso, uma maioria parlamentar digna do nome. As duas
coisas parecem longe de estar sequer sendo buscadas com método.
Perdido em querelas externas que nada
rendem em termos de imagem, chegando atrasado aos assuntos polêmicos que
dividem sua própria equipe, como a negativa para a exploração de petróleo na
foz do rio Amazonas, e distante do dia a dia da costura política, que hoje
depende mais de Arthur Lira que do time palaciano para obter êxito, Lula passa
a impressão de estar dissociado da realidade difícil de sua governabilidade.
A ênfase num programa que tenta resgatar o
carro popular, enquanto o Congresso se prepara para aprovar o marco temporal, a
CPI do MST fustiga a imagem do governo junto a um eleitorado de centro-direita
e ministros se digladiam em comissões do Legislativo, mostra que nem agora,
passados cinco meses de gestão, o presidente se dá conta de que o Brasil e o
mundo mudaram, e o que era bom lá atrás não garantirá a ele 80% de
popularidade, como já chegou a ter.
O modelo de coalizão também está longe de
ser o ideal. Nem a distribuição de ministérios se mostrou capaz de fidelizar
bancadas, à esquerda ou à centro-direita. Nem mesmo a distribuição de emendas,
modalidade defendida por Lira, será capaz de evitar novas derrotas em pautas
ideológicas ou progressistas.
Nesse cenário, as primeiras vítimas são as
pastas do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, cujas titulares, nunca por
acaso, são uma mulher negra e uma indígena. As duas foram chamadas para uma
conversa com Lula hoje. O que será possível dizer para explicar o fato de o PT
do Senado ter comemorado com um “Vitória!” a MP que tratou de desidratar os
dois ministérios?
E como Lula convencerá Marina a voltar
atrás em relação à decisão do Ibama de não facilitar a exploração de petróleo
na Margem Equatorial, algo em linha com o que ele próprio prometeu na campanha,
a despeito do histórico de desavenças entre ambos?
Vêm aí, ainda, a Ferrogrão, cortando a Amazônia,
um Plano Safra pelo qual o agronegócio está ávido, o asfaltamento da BR-319 e
muitos outros projetos mostrando que o caminho para a boiada está livre.
3 comentários:
Vera Magalhães e a lógica do escorpíão:
http://guilhermescalzilli.blogspot.com/2022/09/vera-magalhaes-e-logica-do-escorpiao.html
Ave Maria!
Gostei do artigo sobre a ''lógica do escorpião''.
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