segunda-feira, 12 de junho de 2023

Bruno Carazza* - Lembranças e leituras de Junho de 2013

Valor Econômico

Memórias de dez anos atrás trazem fatos que repercutem no Brasil de hoje

No dia 22 de junho de 2013, eu havia participado da festa junina na escola dos meus filhos pela manhã e de lá desci a pé para o centro de Belo Horizonte, onde havia combinado de me encontrar com um (ex) casal de amigos.

Havia uma atmosfera diferente na cidade, e não era devido ao jogo entre Japão e México pela Copa das Confederações, marcado para as 16 horas no Mineirão. Nos últimos dez dias o país vinha sendo agitado por manifestações de milhares de pessoas e naquele sábado seria realizada a maior passeata em BH.

Chegando à Praça Sete, pude constatar aquilo que vinha acompanhando pelos jornais e pela TV. Com pincéis e cartolinas coloridas, jovens pediam educação e saúde “padrão Fifa” e escreviam palavras de ordem contra a corrupção. Embora eu tivesse visto vários conhecidos de esquerda, a maioria claramente não tinha preferência partidária e estava num protesto de rua pela primeira vez - éramos “manifestantes de sofá”, como se criticava na época.

Um desses conhecidos com os quais esbarrei por acaso apontou preocupado para um grupo de rapazes usando chapéu - disse que seriam integrantes da juventude reacionária ligada a Aécio Neves, cogitado para disputar a eleição presidencial seguinte.

Sinal do que viriam a ser os próximos anos, esse meu amigo hoje é assessor da primeira deputada federal trans do país e um dos jovens do chapéu é o atual presidente da Câmara Municipal de BH, enquanto Aécio foi rebaixado para a segunda divisão da política nacional.

A manifestação saiu do hipercentro da cidade e se dirigiu para a Pampulha. Dos pontos mais altos da avenida Antônio Carlos dava para ver quarteirões inteiros tomados. As reportagens falaram em mais de 100 mil pessoas, quase o dobro da capacidade do novo Mineirão, rebatizado de “arena” depois da reforma que custou mais de R$ 1 bilhão aos cofres públicos.

 

O Google Maps indica que andamos cerca de 6km. Ao longo do trajeto, eu e meus amigos, ambos arquitetos, trocávamos ideias sobre a ocupação do centro da cidade e, claro, a situação política e econômica do país. Na noite anterior, a presidente Dilma Rousseff havia feito um pronunciamento em cadeia nacional prometendo um pacto pela melhoria dos serviços públicos e uma ampla reforma política.

Nossa experiência democrática teve fim quando nos aproximamos do Mineirão e começou um confronto entre os “black blocs” e a polícia militar. Com medo do quebra-quebra e já sentindo os primeiros sinais do gás lacrimogêneo, desviamos da multidão e pegamos o primeiro ônibus retornando ao centro da cidade.

De uma certa forma, aqueles dias reverberam até hoje sobre a conjuntura política do país.

Contando com a ajuda do meu Kindle, relembro muito do que eu li naquele tempo. Dois “instant books” foram lançados ainda no calor das jornadas. Em “Choque de Democracia: Razões da Revolta”, lançado em 26 de junho de 2013, o filósofo Marcos Nobre destacou: “As revoltas de junho de 2013 não têm lideranças, palanques nem discursos. As passeatas se formam, se dividem e se reúnem sem roteiro estabelecido. [...] Organizam-se a partir de catalisadores nas redes sociais e no boca a boca das mensagens de texto. Não são revoltas dirigidas contra este ou aquele partido, esta ou aquela figura política. São revoltas contra o sistema, contra ‘tudo o que está aí’.”

Já em “Cidades Rebeldes: passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil”, uma coletânea de artigos publicada em julho de 2013, encontrei um grifo que fiz num trecho da professora Erminia Maricato: “Nem toda melhoria das condições de vida é acessível com melhores salários ou com melhor distribuição de renda. Boas condições de vida dependem, frequentemente, de políticas públicas urbanas - transporte, moradia, saneamento, educação, saúde, lazer, iluminação pública, coleta de lixo, segurança.”

Outro livro que li naquelas semanas foi “Redes de Indignação e Esperança: movimentos sociais na era da internet”, do sociólogo espanhol Manuel Castells, que contém um posfácio escrito especialmente para a edição brasileira. Para o autor, junho de 2013 seria mais um exemplo do padrão de mobilizações que eclodiam pelo mundo, conectadas pelas redes sociais.

Mas a obra que mais me marcou naquela época foi “Why Nations Fail”, dos economistas Daron Acemoglu e James Robinson. Lançado em 2012, em sua conclusão o livro apontava o Brasil como um caso bem-sucedido de país que “quebrava o molde” das nações condenadas ao atraso, a partir da “emergência de um governo comprometido com a provisão de serviços públicos, expansão educacional e um verdadeiro nivelamento das condições do jogo político”.

Meu comentário feito em uma nota no Kindle neste trecho lembrava o superfaturamento das obras da Copa, os empréstimos bilionários do BNDES para grandes empresas, a má qualidade da saúde e da educação e a corrupção - argumentos que desmentiam a conclusão de Acemoglu e Robinson e que motivaram muitos brasileiros a sairmos às ruas naquele momento.

Como se vê, muitos dos fatores que motivaram as jornadas de 2013 ainda não foram devidamente solucionados no país. Sendo assim, uma nova onda de protestos pode voltar a ocorrer? Espero discutir isso na próxima semana, com a ajuda de uma nova leva de livros que acabaram de sair sobre a revolta de dez anos atrás.

*Bruno Carazza é professor associado da Fundação Dom Cabral e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.

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