Folha de S. Paulo
Do consumidor que se tornou cidadão zangado
ao cinismo cívico
O argumento de que o bolsonarismo ou o 8 de
janeiro têm origem em junho de 2013 ou decorrem dele inverte a direção da
causalidade: ele não é causa, mas sintoma. Como discuti aqui há diversos fatores envolvidos, mas
podemos descartar pelo menos dois.
O primeiro é a economia. Não é razoável
associar as manifestações ao fim do boom de commodities: a inflexão começou em
2012. O desemprego só explodiu a partir do último trimestre de 2014.
A inflação de 2013 (5.9%) era igual à de 2008. O superávit primário de 2013 estava no mesmo nível de 2008, e só despencaria em 2014. A crise ainda não havia se instalado e seu efeitos ainda não eram percebidos. Era assunto de especialistas.
O segundo seria o efeito difusão de uma
onda internacional (Primavera Árabe, Turquia, Occupy Wall Street). Aqui a
questão não respondida é por que protestos ocorrem apenas em alguns países?
O que tivemos foi, por um lado, um descompasso entre expectativas geradas pelo
boom e as possibilidades de sua realização (privação progressiva, diria
Gurr) como analisei aqui; e, por outro, uma crise institucional
de representação associada ao padrão de governança de coalizões pelo PT. Esta
forjou a percepção de um conluio generalizado: um divórcio entre atores
políticos e o eleitorado, no qual os primeiros se voltam exclusivamente para
seus próprios interesses. O cinismo cívico resultante produziu o "que se
vayan todos".
As imagens-símbolo do "conluio"
foram o aperto de mãos Haddad-Maluf, selando a aliança durante as eleições de
2012, meses antes das manifestações; e o pastor Marco Feliciano (que ficara
famoso pela cura gay) eleito com apoio do PT para a presidência da Comissão de
Direitos Humanos da Câmara. "Não nos representam".
O timing do julgamento do mensalão foi
fator conjuntural decisivo. Transmitido ao vivo, em uma corte majoritariamente
indicada pelo PT, adquiriu enorme e inédita visibilidade. Dois presidentes do
partido —Zé Dirceu, cassado em 2005, e José Genoino— foram condenados à prisão,
a poucos meses das manifestações. Embora condenado, Genoino toma posse na
Câmara, em janeiro de 2013, gerando comoção pública. Seu irmão teve assessor
flagrado com 100 mil dólares na cueca, episódio amplamente noticiado na mídia.
E houve tantos outros.
A corrupção torna-se questão central da
agenda pública. E obviamente bandeira da oposição. Produto de uma aliança CNBB e TSE, a
Lei da Ficha Limpa, nutriu-se desta fonte.
As dioceses foram a chave para as 1.6
milhão de assinaturas e para a aprovação pelo Congresso por unanimidade! As
1.500 audiências públicas sobre a lei realizadas pelo TSE idem.
Muitos dos fatores que engendraram junho de
2013 ainda estão à vista.
*Professor da Universidade Federal de
Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
Um comentário:
Achei muito bom este arrazoado feito pelo professor Marcus André Melo sobre fatores-causa dos eventos políticos de 2013 que deixaram o Brasil conflagrado.
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