Folha de S. Paulo
É inevitável que se queira copiar pelo
continente o modelo de El Salvador
Em pouco mais de um ano, o presidente
de El Salvador, Nayib Bukele,
conseguiu cortar pela metade os homicídios no país, bem como dar à população a
segurança de andar pelas ruas sem prestar satisfação a nenhuma gangue. Como o
continente todo sofre com a violência e
com as gangues —o Brasil, nem se fala— é inevitável que seu modelo queira ser
copiado.
Bukele declarou estado de exceção em março de 2022 e passou a prender jovens suspeitos de integrar as gangues que mandavam no país; sem acusações formais, sem julgamento, às vezes a partir de uma simples denúncia anônima. A data do julgamento é marcada para dali seis meses, depois é adiada, remarcada; de modo que os jovens continuam presos por quase dois anos sem perspectiva de quando serão julgados. No máximo, passaram por alguma audiência coletiva. Foram mais de 70 mil presos até o momento. Menos de 10% foram soltos. O regime de exceção deveria durar um mês, mas já foi estendido 15 vezes.
A primeira pergunta é factual, sem qualquer
juízo de valor: a política é sustentável? A redução drástica da violência
continuará enquanto durar o encarceramento em massa ou ela apenas causou uma
desorganização temporária nas gangues, que logo encontrarão meios de se erguer
e recrutar novos adeptos? Por enquanto, ninguém sabe.
Setenta mil num país de 6,3 milhões de
pessoas são pouco mais de 1% da população. Se o Brasil quisesse fazer igual,
teria que prender 2,1 milhões de homens jovens. Difícil saber onde enfiar tanta
gente, mas imagino que condições prisionais não figurem entre as prioridades dos
defensores da política.
Outra pergunta: quantos dos presos —que
estão passando privação, com pouco alimento e condições insalubres— são
inocentes? Provavelmente muitos. A defesa acrítica da política de segurança de
Bukele só é possível por parte de quem sabe —devido à sua condição social— que
não estará entre esses presos.
A partir de um ponto, a percepção de
violência é tão opressora que a população passa a se segurar na violência
policial indiscriminada como pedra de salvação. Assim como Bukele é enormemente
popular em El Salvador, engana-se quem acha que Tarcísio em
São Paulo (ou Jerônimo
Rodrigues na Bahia) irá perder votos por celebrar ações da PM
que resultam em mortes.
A verdade é que boa parte da população não
vê problema na execução de membros de facções. Por isso a revolta contra órgãos
de imprensa quando denunciam as mortes causadas por policiais omitindo o fato
de que as vítimas eram criminosos.
Não há aula de direitos
humanos que vá mudar isso. É preciso políticas reais que
entreguem resultado. E enquanto a direita vai se entregando à pura truculência,
a esquerda segue sem proposta nenhuma quando o tema é segurança pública.
Desconversa, fala de educação e combate à desigualdade. Trata qualquer medida
que envolva a polícia como suja, má; quando sabemos que a polícia é
imprescindível na garantia da ordem e no combate ao crime. As cidades
americanas que apostaram na loucura do "defund the police" logo
aprenderam sua lição.
Permitir a expansão do poder do crime
organizado é violar os direitos humanos de quem será por ele vitimado. Se
tiverem que escolher entre uma abstração como direitos humanos e o sentimento
de segurança, poucas pessoas terão dúvida. Ante a barbárie de uma política de
segurança baseada na violência indiscriminada, é preciso apresentar não
sentimentos humanitários, e sim alternativas que funcionem. De preferência,
antes que o pacote Bukele chegue por aqui.
2 comentários:
Perfeito
Falou! Só um porém,o governo da Bahia é de esquerda.
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