O Globo
Presidente quis usar palácio para esconder
fugitivos da polícia, acusa ex-ajudante de ordens
Ao projetar o Palácio da Alvorada, Oscar
Niemeyer imaginou uma estrutura leve e elegante, com colunas que parecessem
pousar sobre o solo. “Procuramos adotar os princípios de simplicidade e
pureza”, explicou, antes da inauguração de Brasília.
Desde 1960, a residência oficial recebeu
diversos tipos de inquilinos: de general a ex-guerrilheira, de sociólogo a
metalúrgico. No ano passado, quase se transformou em esconderijo para
criminosos em fuga.
Às vésperas do fim do governo, Jair Bolsonaro quis usar o Alvorada para abrigar aliados na mira da polícia. O plano foi revelado pelo tenente-coronel Mauro Cid, segundo reportagem do UOL.
Em delação premiada, o militar contou que o
chefe queria malocar o blogueiro Oswaldo Eustáquio e o youtuber Bismark
Fugazza. Os dois tiveram prisão decretada por ataques à democracia. Não se
hospedaram no palácio, mas conseguiram fugir do país. Um foi capturado no
Paraguai, e o outro continua na lista da Interpol.
O plano de esconder foragidos foi ousado, mas
não chega a surpreender. Bolsonaro sempre tratou o Alvorada como um território
fora do alcance da lei. “Enquanto eu for presidente, lá é a minha casa”,
desafiou, ao anunciar que não cumpriria uma decisão do TSE.
Em maio de 2020, quando as mortes por Covid
disparavam, ele avisou que faria um churrasco na residência oficial. A ideia
contrariava as recomendações do Ministério da Saúde para conter a transmissão
do vírus. “Estou cometendo um crime”, debochou o capitão. Ao longo da pandemia,
o palácio virou palanque para ataques diários à ciência. Nem as emas foram
poupadas da propaganda da cloroquina.
Depois da crise sanitária, Bolsonaro passou a
usar a residência para infringir a lei eleitoral. Fez propaganda irregular e
convocou embaixadores para um comício contra o voto eletrônico. O encontro deu
origem ao processo que o tornaria inelegível.
Derrotado nas urnas, o capitão transformou o
Alvorada no bunker do golpe. Fez reuniões clandestinas, conspirou contra a
Constituição e tentou convencer os comandantes militares a impedirem a posse do
presidente eleito.
Ao fugir do país antes do fim do mandato,
Bolsonaro deixou para trás um palácio malcuidado, com janelas quebradas e
infiltrações nas paredes. Nada mais distante da pureza sonhada pelo arquiteto.
2 comentários:
Muito bom!
Justamente.
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