Folha de S. Paulo
Parlamentares terceirizam interpretação da
Constituição e patrocinam o arbítrio nas esquinas
Emoldurar a PEC das Drogas como
uma vingança contra o Supremo é um favor e tanto para o Senado.
A proposta que enquadra como
crime a posse e o porte de entorpecentes em qualquer quantidade é
uma daquelas inovações que desfilam com o surrado disfarce da defesa
institucional, apenas para despejar seus resíduos no mundo real.
A ideia nasceu pelo motivo errado. O Senado armou a reação quando o STF caminhava para determinar que o porte de maconha não deve ser considerado crime. O tribunal ensaiou um passo largo demais com a descriminalização. Acertou onde pisava, porém, ao restringir a discussão à maconha e propor uma quantidade de droga para diferenciar usuário de traficante.
Os senadores não estavam interessados em
aprimorar as regras. Pela lei atual, o porte de maconha é crime, mas usuários
não estão sujeitos a prisão. Rodrigo
Pacheco sugeriu manter a criminalização, mas não indicou nenhum
critério para diferenciar o porte do tráfico.
Seus colegas ainda conseguiram piorar o
texto. A proposta aprovada na terça-feira (16) estabelece que a distinção entre
traficante e usuário deve ser feita "pelas circunstâncias fáticas do caso
concreto". No dia a dia, a decisão seria tomada por policiais, delegados e
juízes. Dada a afeição geral pelo populismo penal, pode-se dizer que o
encarceramento em massa ganharia mais um atalho.
Pacheco defendeu a proposta com o argumento
de que "o usuário não será jamais penalizado com o encarceramento".
Alguém poderia lembrar ao presidente do Senado que as "circunstâncias
fáticas do caso concreto" costumam ser aplicadas de maneira bem diferente
para ricos e pobres, brancos e negros.
O Senado anda irritado com aquilo que enxerga
como tirania do Supremo, mas topou dar uma forcinha ao arbítrio nas esquinas,
terceirizando a interpretação da Constituição.
Furiosos com um tribunal que invade as competências do Poder Legislativo, os
parlamentares abriram mão, na prática, de legislar.
Um comentário:
Simples assim.
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