Folha de S. Paulo
Mudança pode resolver problemas do
desenvolvimento brasileiro
O governo Lula apresentou
ao Congresso sua proposta de regulamentação
da reforma tributária. Se você pensou em parar de ler a coluna porque o
assunto parece chato, não faça isso: hoje em dia, não se pode desperdiçar a
chance de conversar sobre coisas que existem, ao contrário da ideologia de
gênero ou da ditadura de Alexandre de Moraes.
O problema tributário brasileiro,
indiscutivelmente, existe.
Segundo os especialistas, o sistema
brasileiro atual é altamente cumulativo. A fábrica de roupas compra tecido e
vende camisas. Recolhe imposto na venda de camisas, mas também paga, embutido
no preço do tecido, parte do imposto que a tecelagem pagou. Esses restos de
impostos que vão se acumulando pela cadeia produtiva são chamados de resíduos
tributários.
Um dos principais objetivos da reforma proposta pelo governo é eliminar o resíduo tributário. Se a reforma for aprovada, a fábrica de roupas do exemplo acima receberá um crédito igual ao imposto já pago pelo plantador de algodão. Ele só pagará imposto sobre o valor que ele adicionou. Daí o nome: Imposto sobre Valor Adicionado (IVA).
Segundo estudo publicado no blog Que Impost o
é Esse?, da Folha,
em 15 de março, o
resíduo tributário brasileiro é 28 vezes maior no Brasil do que na
União Europeia, que adota o IVA.
Essa diferença prejudica o desenvolvimento
brasileiro de várias maneiras.
Em primeiro lugar, as exportações brasileiras
pagam esse resíduo de imposto vindo dos fornecedores da empresa exportadora. Ou
seja, os produtos brasileiros chegam no comércio mundial mais caros por causa
do sistema tributário atual.
Enquanto isso, os países que já usam o IVA
—quase todos os países do mundo– colocam seus produtos no nosso mercado sem
resíduo tributário. Na mesma reportagem do Que Imposto é Esse?, o auditor
fiscal Rodrigo Frota da Silveira chamou o ICMS, um dos impostos que o governo
propõe extinguir, de "imposto pró-China", pois ele reduz nossas
chances de competir com gigantes exportadores como os chineses.
Finalmente, o resíduo tributário é maior para
empresas que compram muitos insumos de muita gente, como as indústrias mais
modernas. Isto é, o sistema tributário atual, que a reforma quer abolir, torna
mais fácil para os brasileiros produzir e exportar produtos simples, com pouca
elaboração tecnológica.
Não deve ser só isso que explica por que, nas
últimas décadas, o Brasil
se desindustrializou e se especializou em produtos primários. Mas
duvido que a explicação "se o cara quiser produzir alguma coisa mais
complicada, o Brasil cobra mais imposto dele" seja completamente
irrelevante.
Para que a reforma
tributária gere tantos efeitos positivos quanto se espera, é
importante que a alíquota do IVA não seja grande demais. Para isso, é preciso
que o Congresso aprove a regulamentação sem isentar setores poderosos. Nas
próximas semanas, lembre-se: se o Congresso disser que está reduzindo imposto
para alguém, é porque está aumentando o seu.
Soluções para problemas reais são difíceis,
têm prós e contras, exigem negociações e podem precisar de aperfeiçoamentos.
Batalhas ideológicas sobre nada são mais simples. Por outro lado, a reforma
tributária pode melhorar a sua vida no mundo real, não só no Twitter.
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