O Globo
Deputada por um mandato, Conceição Tavares
combateu FH e o liberalismo tucano e errou ao prever fracasso do Plano Real
Em 1994, Maria da Conceição Tavares decidiu
trocar a sala de aula pela tribuna. Candidatou-se a deputada federal pelo PT.
Apesar da campanha modesta, recebeu 40 mil votos. Foi sua primeira e única
experiência na política institucional.
Ao debutar na Câmara, a professora já deu uma
amostra de seu estilo. “Sei que ninguém me está ouvindo, mas Vossa Excelência
pelo menos está”, disse ao presidente Luís Eduardo Magalhães. “É minha estreia
neste Congresso, e não tinha a menor intenção de que fosse desta maneira.”
Além de estranhar a balbúrdia, Conceição estava irritada com mudanças na Previdência que aumentariam a mordida nos salários dos trabalhadores. “Sou uma pessoa séria, honesta, amiga de muitos que compõem o governo. Mas o que está sendo proposto é um absurdo”, protestou.
A economista fez oposição implacável a
Fernando Henrique Cardoso, seu ex-colega de exílio no Chile. “A evolução
política de FH é a síntese perfeita dos descaminhos da nossa transição
democrática”, disparou, em janeiro de 1998. Crítica à aliança com o PFL, ela
disse que o tucano havia passado por uma metamorfose: de “cabeça de área dos
intelectuais de centro-esquerda do PMDB” a “presidente virtual do Arenão”.
Nos “Diários da Presidência”, FH se queixa
das cutucadas e chama a então deputada, um ano mais velha, de “atrevida”: “Não
teve respeito por mim, não tem o direito de dizer o que disse na campanha, uma
mulher que me conhece a vida toda”.
Conhecida pelo tom combativo, a professora
pôs a indignação permanente a serviço de suas ideias. Defendeu a reforma
agrária, a distribuição de renda e a atuação do Estado como indutor do
desenvolvimento. Atacou o neoliberalismo, os privilégios e as privatizações.
Errou feio ao prever o fracasso do Plano
Real, mas não deixou de contestar a política econômica dos tucanos. Chegou a
bater boca com o ministro Pedro Malan, um de seus ex-alunos que ocupavam altos
postos na Esplanada.
“Lutei durante muito tempo, com esses meninos
que estão no poder, por um país menos injusto, para sair do subdesenvolvimento
e pela estabilidade. Continuamos com um país injusto e com mais
subdesenvolvimento, enquanto a estabilidade é um mito que se está esvaindo
pelos dedos da própria equipe”, sentenciou, em julho de 1998.
Num Congresso em que as mulheres de esquerda
podiam ser contadas nos dedos, a economista usou sua veemência para abrir
caminho. “O governo tinha medo da Conceição. Ela gritava com todo mundo. Como
eu a conhecia bem, sabia que a tática era gritar mais alto”, diverte-se o
ex-colega Milton Temer. “Ela foi uma deputada incansável e absolutamente
original. Não conheci ninguém parecido”, elogia.
Ao fim do mandato, a economista anunciou que
não concorreria à reeleição. Preferiu voltar à rotina de professora emérita da
UFRJ. Os obituários publicados nos últimos dias exaltaram sua produção
intelectual, mas dedicaram poucas linhas à passagem por Brasília. Quando
questionada, ela dizia não sentir saudades da Câmara.
“Não aconteceu nada de especial na minha vida
parlamentar”, desdenhou em 2019, em entrevista aos Cadernos do Desenvolvimento.
“Porque você não tem a vocação política, tem a vocação acadêmica”, tentou
contemporizar o ex-senador Saturnino Braga. “Porque aquele Parlamento é uma
m...!”, rebateu Conceição, antes de definir a experiência como “uma tristeza”.
2 comentários:
Excelente!
Vi o Roda Viva com ela,mulher brava,Jesus!rs.
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