O Estado de S. Paulo
A grita contra novos cursos vem dos que veem
a medicina como clube de elite, espalhando pânico sobre a insegurança humana
diante da doença
Há uma variedade enorme de situações no
Brasil cujo ruído que espalha, a moralidade que desperta, o sentimentalismo que
divulga, a distorção que alimenta e o barulho que provoca é maior do que a
música tocada pela orquestra. A polêmica da vez é falar mal dos cursos de
Medicina autorizados a funcionar por via judicial. Se a luta não é por mais
médicos para a população, menos médicos revela a desnecessidade social do
Sistema Único de Saúde (SUS) e a diminuição do alcance do Programa Saúde da
Família.
Há, de fato, impulsos sacrílegos no Supremo Tribunal Federal (STF) próprios de más influências de poder interessado em subtrair ou purgar pecados da sociedade. Mas como o sentimento de culpa é universal nem sempre o STF é o veículo dessa culpa. Nesse caso o Supremo acertou ao autorizar destrancar cursos de Medicina, e por isso a decisão surpreendeu. Conciliou dois direitos: não seguiu nem condenou o modelo de editais congelados do Ministério da Educação (MEC) e reconheceu a necessidade de abrir outra porta de entrada para novos médicos sob a responsabilidade de mantenedores privados.
O poder médico é contra a decisão pelo risco
de corrosão de um título de mercado que pode fazer a matrícula e o diploma em
Medicina virarem pó e perderem valor econômico pela diminuição de rendimentos
do setor. Drama parecido com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra mais
advogados. Corporações fazem fortuna de forma implacável e não suportam
concorrência. Mas Esculápio não coloca coroa de espinho na testa de quem o
procura.
Retire o temor que envolve as razões
empresariais das grandes corporações de capital aberto e certamente é possível
dar mais atenção às críticas sobre a qualidade dos formandos em Medicina no
Brasil. Mas querer julgar o ato do Supremo pelas suas consequências futuras é
um ardil para resguardar da crítica a formação médica atual. Parar a abertura é
reforçar o status quo, deter a inovação e a busca da qualidade a menores
custos.
Estamos afundados na era da autoglorificação
pessoal, técnica, corporativa da alta medicina e da irracionalidade da atenção
primária e da saúde da família dos humildes. A falta de uma assistência afável,
solidária e profissional às pessoas em desvantagem que recorrem aos serviços
médico-hospitalares passou a ser uma questão assustadoramente presente na vida
da maioria. A grita contra novos cursos vem dos que veem a medicina como clube
de elite, privado, espalhando pânico sobre a esmagadora insegurança humana
diante da doença. Criticam como se fossem donos de um conhecimento divino em
que “cada cabelo da cabeça já estivesse numerado” e todas as medidas das
angústias pessoais já fossem conhecidas.
Retire de um jovem médico a ressonância
magnética, a tomografia computadorizada, os exames de imagens e a visita dos
vendedores de remédios e não teremos dez diagnósticos certos em cem realizados.
É hora de as escolas de Medicina em funcionamento e dos Conselhos de Medicina
começarem a duvidar de suas credenciais se o que buscam proteger é a
competitividade do mercado restrito e caro. Sendo necessário expandir o SUS e
tendo regiões remotas onde até hoje só foram os médicos cubanos, é um absurdo
querer menos médicos. É bom também não esquecer que durante a pandemia alunos
não formados receberam autorização para atender onde nunca vai ninguém formado.
Nosso problema é que não temos planejamento e
o acaso quando chamado nem sempre decide nosso destino. Há algum tempo se dizer
democrático não significa respeitar a Constituição. A decisão da Justiça
permite a compreensão de um fato fundamental que se esquivava e se escondia
pela inércia e a burocracia com que o Brasil decide as coisas. Somada ao temor
do MEC de perder o controle sobre a autorização, temos uma decisão que
certamente não precisava ser tomada pelos tribunais se não fosse a necessidade
de desvendar, com plausibilidade e eloquências negativas, o que move as velhas
faculdades de Medicina, públicas e privadas. Está claro como é o mundo moral da
formação na área de saúde em nosso país que fez da medicina profissão para
ficar rico rapidamente. A decisão judicial tem um laivo desconcertante para
qualquer pessoa que leia as declarações de quem as condena. É espantoso em
nosso país ver a medicina se tornar um assunto desagradável por causa das
próprias instituições, entidades, autoridades e profissionais envolvidos com
ela. É preciso não cultivar a histeria de desconsiderar as boas decisões
inesperadas.
A decisão do Supremo pôs uma pá de cal na
arrogância e no sentido antissocial que condena a abertura de curso de Medicina
no País. Os médicos têm tido oportunidade demais de influenciar o poder. Já é
hora de serem tocados por uma nova visão da sua formação adequada à necessidade
de nosso povo. O importante é que haja um propósito ético na medicina e que os
médicos, bem formados, se sintam também disponíveis e confortáveis para atender
os pobres. De todas as profissões a medicina é a que mais precisa saber condescender
aos necessitados e humildes. Um médico perfeito é uma relíquia que respeita a
volatilidade da vida, leva qualquer paciente a sério e não esbarra nos seus
destroços.
Um comentário:
Em que mundo essa pessoa vive?
Vemos hoje a derrocada da profissão pela avalanche de novos cursos de péssima qualidade, formadores de médicos medíocres e totalmente despreparados, verdadeiros carniceiros. Esses novos cursos vêm mais à atender interesses de enriquecimento rápido não de médicos, mas sim de ricos empresários amigos da corte vide FIES com seus gordos repasses sem contrapartida.
O nível da formação médica está em franco processo de decadência graças ao sucateamento das universidades federais e estaduais, numa clara manobra de repassar ao setor privado, este sim interessado em lucro rápido, as benesses do alto faturamento da formação de médico despreparados e medíocres.
Grande tristeza ler uma coluna escrita de forma tão alienada da realidade, cujo autor, é sem dúvida alguém bastante culto.
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