segunda-feira, 30 de junho de 2008

A ESQUERDA DEMOCRÁTICA E A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO REFORMISMO

A ESQUERDA DEMOCRÁTICA E A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO REFORMISMO
Gilvan Cavalcanti de Melo
*

Ao andar se faz o caminho
e ao voltar a vista atrás
se vê a trilha que nunca
se há de voltar a pisar.
Caminhante, não há caminho,
apenas estrelas no mar.

(Antonio Machado)

Introdução

Na abertura do Encontro Nacional do PPS que se inicia em Brasília neste começo de dezembro cujo tema - Uma Nova via para o Brasil –, tomo a liberdade de apresentar algumas idéias para o debate. É evidente que as opiniões abaixo expostas têm uma forte influência do pensamento de Gramsci, discípulo do filósofo hegeliano Benedetto Croce e seu principal critico, fundador do Partido Comunista Italiano, prisioneiro de Mussolini durante o fascismo, um dos mais profundos críticos do stalinismo e das principais soluções políticas impostas ao movimento operário e comunista mundial. Grande parte da sua força intelectual reside em algo cada vez mais raro hoje: ele jamais esquece que a principal fonte de conflitos políticos continua a ser a distribuição desigual da propriedade. Na análise desse conflito, entretanto, coloca a ênfase nos problemas de direção cultural e política. Assim, em sua forma de abordar a realidade, recusa separar a política e sociologia, da economia e da cultura, e concede centralidade à batalha das idéias, vista sempre em conexão com o desenvolvimento das forças sociais reais.
I
· A esquerda brasileira pré-64 privilegiou temas como a superioridade do Estado sobre a sociedade civil, das empresas públicas sobre as empresas privadas. Naquela época, o mercado era uma idéia fraca;

· A velha esquerda – comunista e social -democrata – tende hipertrofiar o papel do Estado;

· Defende a propriedade estatal;

· Vê o Estado apenas como instrumento de redistribuição de renda;

· Concebe o sindicato como instrumento político e o conflito social como arma;

· Tem uma segunda vertente a ser abandonada: o revolucionarismo que pegou carona nos movimentos sociais de base, nos movimentos das igrejas e no sindicalismo do ABC do final dos anos 70. Uma parte da esquerda só mobiliza para a participação política quando vê chance para instalação de mudança revolucionária, em vez de participação política permanente e optar por coligações. Essas duas esquerdas – a da estadolatria e a do revolucionarismo – são o que há de mais equivocado, atrasado e anacrônico.

II
· A velha direita tanto quanto a nova procuram reduzir o Estado ao mínimo;

· Ambas defendem a propriedade privada;

· Querem desmantelar o Estado;

· Crêem que a organização dos interesses dos trabalhadores é ruim, por isso é inimiga dos sindicatos;

· Querem o Executivo ultrapassando o Legislativo em matéria de legislação sem garantir previsibilidade e estabilidade democrática;

· Querem a Justiça e as Leis racionalizadas a partir de valores de mercado.
III
· A Esquerda Democrática não acredita que a expansão das despesas públicas seja a salvação para todos os males. Entende as vantagens das finanças públicas ordenadas e de uma dívida pública redimensionada em relação a riqueza do país. Objetiva maior responsabilidade da sociedade civil e de suas representações, inclusive fora dos tradicionais canais dos partidos. Promove o princípio da descentralização, fortalecendo os governos municipais a partir de uma visão federativa. Persegue democratização maior das decisões públicas.

· Procura uma “nova economia mista” e defende a intervenção do Estado, não como proprietário direto de atividades econômicas, mas como árbitro da concorrência, regulador eficiente do mercado. Um Estado que reduza sua presença em setores que são mais inerentes ao mercado e ao mesmo tempo concentre seus esforços na regulação, nas políticas antimonopólios; objetive alcançar níveis satisfatórios de investimentos e de cuidados em relação aos bens e serviços públicos coletivos;

· Vê o Estado como instrumento de solidariedade e de igualdade de oportunidades, universal, vinculado aos direitos dos cidadãos, e exatamente por isso a ser construído de modo que venha a ser flexível e sustentável. E ao lado dele, um Estado específico e não genérico, orientado para as efetivas situações das necessidades humanas fundamentais. Um Estado voltado para investimento em capital humano, que tenha como centro das suas atribuições a qualidade da vida dos cidadãos e dos trabalhadores;

· Vê nos sindicatos de trabalhadores um elemento essencial de democracia e de organização social. Sabe que para conjugar crescimento e equidade é necessário a negociação. Compreende os benefícios de uma inflação baixa, mas tem clareza de que, para manter a inflação baixa sem golpear as camadas mais frágeis, apenas a política monetária não é suficiente: são necessários também o consenso social e uma política de rendas;

· Não se contenta com uma visão puramente monetária do crescimento econômico, o qual não está inteiramente refletido na medida quantitativa dos produtos. O crescimento não é suficiente se não acarreta uma redução das desigualdades e um aumento das oportunidades de escolha e de vida para todos os cidadãos;

· Não pode limitar-se a avaliar o país à base do índice das Bolsas de Valores, nem os sucessos nacionais à base do PIB. O PIB não leva em conta o estado de saúde das pessoas, dos cidadãos, homens, mulheres, crianças e idosos, da qualidade da sua educação e da alegria de seu lazer.

Esses índices são indiferentes às condições de trabalho de nossas empresas, fábricas, escritórios, escolas, hospitais e à segurança nas ruas, casas e apartamentos. Não contempla a beleza da nossa música, poesia, teatro e cinema, a inteligência dos nosso debates políticos e culturais ou a honestidade de nossos funcionários públicos – médicos, professores, economistas, administrativos, trabalhadores da saúde. Não leva em conta nem a justiça de nossos juizes, tribunais, nem a fraternidade e solidariedade das relações entre os cidadãos.

· Recusa a idéia purista de que o mundo vai se organizar a partir dos movimentos sociais, de que é possível chegar a ser dirigente e dominante sem cumprir a lógica política, sem se unir. Só que é exatamente na política que os diferentes interesses encontram uma maneira de expressão comum. É justamente na política que estão as formas concretas de transformação. Esquerda que acha que fazer aliança é se contaminar, adquirir infeção por contato foi derrotada três vezes, em 1989, 1994 e 1998. A Esquerda Democrática tem que se orientar pela política de alianças amplas e buscar, como núcleo dessa política, o centro democrático;

· Tem o desafio de fazer da subjetividade dos indivíduos o motor de uma nova e grande política democrática. Com o desmoronamento dos mitos do coletivismo autoritário as respostas às carências humanas não podem ser encontradas no individualismo e na luta do homem contra o homem, mas de afirmar ideais de liberdade com responsabilidade aliada à idéia de solidariedade. É neste sentido profundo que a Esquerda Democrática fala de democracia como meio e fim. Este desafio exige um esforço enorme, porque só encontrando-se, dialogando e não fechada, idéias e culturas diferentes poderão contribuir para o novo projeto de libertação: um humanismo moderno;

· Não pode falar de humanismo moderno sem cair no abstrato se não ajustar contas com o capitalismo moderno o qual pelas lógicas de seu funcionamento – finanças, concentração de poder não só econômico, uso distorcido da ciência e tecnologia –, prisioneiro da própria espontaneidade, está cada vez em menos condições de superar as contradições dilacerantes das desigualdades de um país de milhões de cidadãos que não podem ser incluídos no modelo de consumo atual;

· Reconhece que no Brasil nunca houve uma revolução, mas sim uma modernização conservadora “pelo alto” e que não há no horizonte nenhuma revolução. Quer fundar um Novo Reformismo cujos valores de igualdade e liberdade não sejam contrapostos como no passado. O desafio é recompor valores que entraram em crise na sociedade brasileira: do meio ambiente, da justiça, da cultura, da saúde, da segurança. Reinventar a relação entre crescimento e bem estar regulado através de uma programação democrática definida como moldura para decisão, avaliação e transparência das políticas públicas.

Rio de Janeiro, 28 de novembro de 1999

* Membro do Diretório Nacional do PPS , Executiva Estadual do Rio de Janeiro e do Conselho Diretor do Instituto Astrojildo Pereira.

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