quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Só latino-americanos mantêm otimismo

Ação coletiva é lenta, dívida soberana assusta e reforma financeira se arrasta; crise financeira deve afetar, mas não paralisar a região

Rolf Kuntz

DAVOS - Sem solução à vista para a crise europeia, com os bancos cortando empréstimos e diante do risco de um novo solavanco na economia global, os latino-americanos são um dos poucos focos de otimismo na reunião do Fórum Econômico Mundial, abertana quarta-feira, 25, em Davos.

As avaliações do quadro financeiro continuam tétricas. Sem ação coletiva não haverá estabilidade financeira global, disse o presidente do Banco da Coreia, Kim Choong-Soo, resumindo um ponto de vista muito repetido e pouco levado em conta na prática, apesar da pregação insistente do Fundo Monetário Internacional (FMI) e de outras instituições, incluída a Comissão Europeia.

Nem mesmo a reforma bancária, com adoção de novos padrões de segurança recomendados por entidades internacionais, vem sendo implementada na mesma velocidade em todos os países. Enquanto isso, os bancos se tornam mais seletivos e mais cautelosos, dificultando a recuperação das economias em crise e agravando, por tabela, a situação dos Tesouros mais endividados. O risco de um desastre europeu já está incorporado no planejamento bancário. "Como eu poderia não ter um plano de contingência para a zona do euro?", perguntou um dos maiores banqueiros do mundo durante um debate reservado sobre o contexto financeiro.

Um sistema bancário capitalizado e sujeito a uma disciplina muito mais estrita que a dos bancos americanos e europeus continua sendo um dos fatores de segurança do Brasil e de outros países latino-americanos. A América Latina passou bem pela crise de 2008 e poderá enfrentar sem grande estrago um novo solavanco na economia global, segundo avaliam economistas, empresários e funcionários latino-americanos presentes em Davos.

O impacto recessivo será sentido, se houver uma retração no mundo rico, mas não haverá crise financeira. Além disso, a região dispõe de reservas cambiais e de contas públicas muito mais sólidas do que nos anos 70 e 80.

Os governos podem ter menos munição que em 2008, porque estímulos monetários e fiscais já foram adotados, mas os latino-americanos continuarão razoavelmente seguros. No caso do Brasil, resta ainda, além do bom volume de reservas, algum espaço de manobra na política monetária: o Banco Central pode cortar os juros e reduzir o depósito compulsório dos bancos, observou à Agência Estado o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, um novo participante do Fórum de Davos.

Modelo esgotado. Fundamentos macroeconômicos mais sólidos são o produto de um longo aprendizado e de muitas crises. O modelo de crescimento dos anos 60 e 70 esgotou-se e deixou como resíduo muita instabilidade, mas algumas lições preciosas foram absorvidas, concordaram os participantes de um painel sobre América Latina coordenado pelo economista venezuelano Ricardo Hausmann, professor de Harvard e conhecido crítico do presidente Hugo Chávez.

Falta aplicar uma das lições aprendidas em outros períodos de crescimento econômico, observou Enrique Iglesias, chefe da Secretaria Geral Ibero-Americana, com sede na Espanha, ex-secretário-geral da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), ex-presidente do Banco Interamericano do Desenvolvimento (BID) e respeitadíssimo guru quando se trata da economia da região. Essa lição é simples: para garantir crescimento mais sólido e sustentável, os latino-americanos precisam investir mais em produtividade e inovação e depender menos dos preços dos produtos básicos.

Muito mais prudente, segundo Iglesias, é aproveitar as fases da alta dos produtos básicos para investir na modernização da economia, na inovação e nos ganhos de eficiência.

O painel sobre América Latina incluiu uma rápida incursão por um dos assuntos mais complicados da reunião deste ano, o futuro do capitalismo. A experiência latino-americana com o capitalismo de Estado pode ser uma contribuição ao debate, disse o Ministro de Minas e Energia da Colômbia, Maurício Cárdenas.

Essa pode ter sido uma contribuição limitada, mas o debate realizado de manhã sobre o futuro do capitalismo também não foi muito longe. A secretária-geral da Confederação Internacional de Sindicatos, a australiana Sandra Burrow, falou sobre o alto desemprego e a crescente desigualdade econômica e acusou a comunidade empresarial de ter perdido a bússola moral. Foi contestada por um financista, David Rubenstein, dirigente do Grupo Carlyle, uma firma de private equity.

Se depender do Fórum Econômico Mundial, o capitalismo, pelo visto até agora, não será reformado. Em contrapartida, também não será destruído, se isso depender do Fórum Social de Porto Alegre.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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