A condução da política econômica no Brasil está dando sinais de estar passando por mudanças importantes. Os analistas precisam incorporar os efeitos de uma eleição presidencial - que se mostra hoje mais difícil do que as que consolidaram a hegemonia do PT no quadro político brasileiro - em suas previsões. Vou dividir com os leitores do Valor algumas observações que tenho sobre esse tema, embora deva ressaltar que ainda são ideias iniciais e que só os próximos meses poderão robustecê-las.
Em primeiro lugar, é preciso lembrar que o PT é um partido que segue os princípios do cientista político italiano Antonio Gramsci, adaptado ao cenário brasileiro ao longo dos últimos dez anos. E nesse quadro de princípios a manutenção do poder é um de seus principais itens. Em outras palavras, para o PT e sua liderança política, eleição é uma coisa muito séria que justifica tudo, inclusive a mudança de posições consolidadas ao longo do tempo. A própria presidenta nos lembrou, recentemente, desse fato ao dizer que em época de eleições faz-se o diabo para ganhá-las.
Um segundo ponto que gostaria de desenvolver diz respeito a uma observação feita pelo ex-governador Paulo Hartung - outro político que também leva a questão de eleições a sério - em recente conversa. Para ele as eleições presidenciais do próximo ano serão as mais difíceis que o PT enfrentará na sua fase "poder". As razões são várias, mas as mais importantes me parecem as seguintes:
Alta da Selic e uma valorização do real mostrarão até onde o governo pretende ir pela reeleição de Dilma
1 - a economia em 2014 não será a maravilha que vivemos em 2006 e 2010;
2 - a se confirmarem as candidaturas que estão postas hoje, a presidente Dilma terá que enfrentar no Nordeste um político local e de grande visibilidade como Eduardo Campos e que certamente vai roubar muitos votos do PT;
3 - em Minas Gerais (outro curral eleitoral do PT nas últimas eleições) a presença do ex-governador Aécio Neves vai alterar de forma importante a distribuição dos votos;
4 - Marina Silva também pode representar uma alternativa eleitoral interessante para eleitores que votaram nos candidatos do PT nas últimas eleições;
5 - Em um eventual segundo turno entre Dilma Rousseff e Eduardo Campos os riscos de derrota aumentam muito;
Por tudo isso o governo e o PT sabem que o estado da economia vai ter um papel importante no comportamento do eleitor. E os resultados dos dois últimos anos não garantem que um cenário de céu de brigadeiro vá acontecer em 2014. Essa é a razão porque acredito que vamos assistir a algumas mudanças significativas na condução da política econômica nos próximos meses. A direção desses movimentos será nitidamente no sentido de reduzir o mau humor do setor privado em relação ao governo em função de traços claros de um autoritarismo estatal - que não ocorreu nos anos Lula - nas suas decisões.
A presidenta Dilma mudou de forma clara o soft econômico herdado de Lula, reduzindo o espaço e a liberdade da dinâmica privada na economia e aumentando as intervenções do governo, principalmente via regulação e ações de empresas estatais. A presidenta acredita em um modelo econômico em que o Estado deve liderar as ações na economia, inclusive interferindo em contratos em vigor como aconteceu recentemente com o setor elétrico. Por outro lado o governo tem demonstrado pouca disciplina na gestão das âncoras macro que herdou dos governos Fernando Henrique e Lula.
Com isso vem perdendo o apoio de amplas faixas do setor privado, tanto no Brasil como no exterior. Hoje o Brasil é visto com desconfiança pelos mercados financeiros, apesar ainda de ser um polo importante de investimentos de empresas que querem participar do fortalecimento do mercado de consumo nos próximos anos.
Por essa razão, apesar do mau humor dos investidores meramente financeiros, o volume de investimento direto do exterior continua forte, na faixa dos US$ 60 bilhões anuais. Mas o peso dos chamados mercados na construção do clima de negócios em um país emergente como o Brasil é suficiente para que, como acontece agora no Brasil, ocorra uma redução dos investimentos privados. A realidade do PIB do ano passado, com uma queda expressiva da formação bruta de capital, deve ter mostrado aos dirigentes do PT e ao governo a necessidade de restabelecer uma ponte de credibilidade com os mercados.
Alguns sinais dessa nova postura começam a aparecer em decisões do governo e, principalmente, no vazamento pela imprensa de comentários de fontes oficiais. No caso das concessões de serviços públicos parece que o governo vai aceitar que os leilões sejam realizados com taxas de rentabilidade compatíveis com os riscos envolvidos. Também nas negociações sobre a MP dos Portos essa postura, mais realista e favorável ao capital privado, parece estar ocorrendo.
Mas virão das decisões do Copom e das intervenções no mercado de câmbio nos próximos meses as indicações mais importantes destas mudanças. A dimensão e a velocidade da elevação dos juros Selic diante de uma inflação perigosa - inclusive para as eleições - e uma valorização maior do real nos mercados de câmbio mostrarão até onde o governo pretende ir para fortalecer a reeleição da presidenta Dilma.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.
Fonte: Valor Econômico
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