Chanceler enfrentava desgaste e será substituído por embaixador na ONU
Ação para trazer ao Brasil, sem salvo-conduto, senador que estava asilado há 15 meses na embaixada em La Paz foi considerada desastrosa pelo Palácio do Planalto e abriu crise com o governo de Evo Morales
Irritada com a operação que trouxe para o Brasil o senador boliviano Roger Pinto Molina, após 455 dias asilado na embaixada em La Paz, a presidente Dilma Rousseff determinou que o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, deixasse o cargo. Ele trocará de cargo com Luiz Alberto Figueiredo, embaixador na ONU. A fuga do senador boliviano, com auxílio do diplomata brasileiro Eduardo Saboia, provocou uma crise com o governo boliviano. A ação foi vista pelo Planalto como desastrosa, e a participação do diplomata, como quebra de hierarquia. Patriota vinha se desgastando com a presidente, que só foi informada sobre a fuga depois que o senador cruzou a fronteira, no sábado passado.
Fuga derruba Patriota
Chanceler troca de cargo com o embaixador na ONU, Luiz Alberto Figueiredo, após crise aberta por operação que trouxe senador boliviano para o Brasil
BRASÍLIA - A operação que trouxe para o Brasil o senador boliviano Roger Pinto Molina, sem que o governo da Bolívia concedesse um salvo-conduto, custou o cargo do ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota. A demissão do chanceler foi anunciada ontem à noite pelo Palácio do Planalto. No lugar dele, assumirá o atual embaixador brasileiro na ONU, Luiz Alberto Figueiredo. Oficialmente, Patriota pediu demissão num encontro com a presidente Dilma Rousseff ontem à noite. Mas foi a presidente quem pediu para o diplomata deixar o posto depois de ficar irritada com o caso Roger Molina.
"A presidente Dilma Rousseff aceitou o pedido de demissão do ministro Antonio de Aguiar Patriota, e indicou o representante do Brasil junto às Nações Unidas, em Nova York, embaixador Luiz Alberto Figueiredo, para ser o novo ministro das Relações Exteriores. A presidente agradeceu a dedicação e o empenho do ministro Patriota nos mais de dois anos que permaneceu no cargo e anunciou a sua indicação para a Missão do Brasil na ONU", diz a nota divulgada pelo Palácio do Planalto.
A operação foi vista pelo Palácio do Planalto como um verdadeiro desastre, contaram pessoas próximas a Dilma. Patriota já vinha enfrentando uma série de desgastes com a presidente, e o episódio envolvendo o encarregado de negócios da Embaixada do Brasil na Bolívia, Eduardo Saboia, foi considerado uma quebra de hierarquia, de confiança e, principalmente, do princípio internacional do asilo. Um auxiliar da presidente disse que isso era inaceitável e não havia como o comandante - no caso Patriota - deixar de responder pela operação.
- O Patriota é um excelente diplomata, mas não foi um bom ministro - comentou um subordinado da presidente.
Irritação no planalto
Dilma só foi informada de que o senador boliviano, de oposição ao presidente Evo Morales, havia fugido para o Brasil com o auxílio de um diplomata brasileiro quando ele já havia cruzado a fronteira. Ao saber que a alegação para a retirada do político era que sua saúde corria graves riscos, a presidente pediu para verificar que cuidados médicos haviam sido providenciados quando ele chegou no Brasil. A resposta foi a de que ele não fora levado a nenhum hospital ou médico. A irritação no Palácio ficou ainda maior com Pinto Molina dando entrevistas sem aparentar qualquer fragilidade de saúde.
A operação de retirada do senador boliviano, condenado por corrupção em seu país, também foi considerada altamente temerária e arriscada. Como não aconteceu nada mais grave no trajeto, afirmou um assessor da presidente, ficou parecendo que a fuga foi muito bem calculada. Mas o risco foi imenso.
- Imagina o que aconteceria se o comboio fosse atacado no meio da estrada e o senador fugisse ou fosse sequestrado - acrescentou o assessor.
Outro ponto que deixou o Palácio do Planalto desconfiado foi o fato de a operação ter sido realizada num período em que o posto de embaixador do Brasil na Bolívia está desocupado. O ex-embaixador Marcel Biato está indo para Estocolmo, na Suécia, e seu substituto, Raymundo Santos Rocha Magno, ainda aguarda formalidades burocráticas da Bolívia para assumir o posto. A ordem da Presidência é para que todo o caso seja investigado. Um processo administrativo disciplinar (PAD) será aberto para apurar as responsabilidades.
Sobre a situação de Patriota, auxiliares de Dilma afirmam que a atuação do agora ex-chanceler deixou a presidente insatisfeita em algumas ocasiões. Mais recentemente, no episódio envolvendo a detenção por policiais britânicos do brasileiro David Miranda - companheiro do jornalista americano Glenn Greenwald, autor de reportagens que divulgaram documentos secretos americanos - por quase nove horas no aeroporto de Heathrow, em Londres, a expectativa do Palácio era de que o Ministério das Relações Exteriores reagisse de forma mais contundente. O tom utilizado foi considerado diplomático, mas exageradamente ameno. O governo esperava uma posição mais afirmativa para o Brasil por parte do Itamaraty. O caso envolvendo a Bolívia neste fim de semana trouxe novos constrangimentos internos, comprometendo a escala de comando do ministério e sua subordinação à Presidência, assim como a comunicação entre o Itamaraty e o Palácio do Planalto; e externos, com a imagem do país afetada por cobranças públicas do governo boliviano de descumprimento de acordos internacionais.
Comissão ouve Pinto Molina
Roger Pinto Molina está abrigado na casa do advogado Fernando Tibúrcio em Brasília. Ontem, ele apareceu por três vezes na porta da residência e posou para fotógrafos. O boliviano recusou-se a responder perguntas sobre seus planos; limitou-se a dizer "amo o Brasil" ao ser abordado por jornalistas. Segundo Tibúrcio, não há risco de o senador ser deportado ou extraditado:
- Só (será extraditado) se acontecer uma coisa heterodoxa, que acho que não tem o menor sentido - disse. - Ele é um asilado político. Foi concedido asilo a ele. A mesma situação que tem o (ex-técnico da CIA Edward) Snowden na Rússia e o (fundador do WikiLeaks, Julian) Assange no Equador, é a mesma dele.
Pinto Molina pediu refúgio político no Brasil ao chegar em Corumbá (MS), no domingo. Ele já tinha status de asilado político desde junho do ano passado, mas decidiu melhorar as condições de permanência no país. O refugiado político tem direto a trabalhar e a recorrer à rede pública de saúde. O asilo é concedido pela presidente da República ou pelo Itamaraty, e depende de aprovação do Comitê Nacional para os Refugiados, vinculado ao Ministério da Justiça.
A Comissão de Relações Exteriores (CRE) do Senado vai ouvir o senador boliviano hoje. A ideia é convidar todas as partes envolvidas no caso, incluindo representantes do governo da Bolívia. Integrantes do colegiado defenderam o ato do diplomata Eduardo Saboia, que tomou a decisão de retirar o político da embaixada brasileira. Apenas a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM)criticou a ação, alegando que houve quebra de hierarquia e que Molina seria condenado se fosse "de esquerda".
Os senadores que defenderam a atitude de Saboia, que são maioria, alegam que ele tomou a decisão que o governo brasileiro deveria ter tomado há tempos, já que Roger Molina estava há 455 dias em situação precária na embaixada. Para esses parlamentares, o diplomata agiu com base em preceitos humanitários e, por isso, não deve ser retaliado pelo Itamaraty, que anunciou abertura de inquérito para apurar as circunstâncias da operação. Em nota, eles afirmaram que tomarão medidas administrativas e disciplinares em relação ao caso.
- A presidente da República devia saber da situação penosa em que vivia o senador boliviano, porque também já foi perseguida, presa e até torturada. Não podemos aceitar esses desatinos que vêm ocorrendo na América Latina - afirmou o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), vice-presidente da CRE.
A senadora Ana Amélia (PP-RS), também integrante da comissão, a atitude do diplomata se justificou por se tratar de "circunstâncias da extrema gravidade do risco de vida do senador boliviano". Ela defendeu também o apoio dado pelo presidente da CRE, Ricardo Ferraço (PMDB-ES).
- Entre manchar com sangue de um senador nas circunstâncias que estavam se apresentando e uma atitude humanitária, que foi decisão do diplomata, a atitude sensata tomada por ele, o presidente da CRE tomou a decisão correta - disse a senadora.
O líder do PSDB no Senado, Aloysio Nunes (SP), sustenta que Eduardo Saboia agiu de acordo com a Constituição, em defesa da dignidade da pessoa humana. O senador afirmou que a CRE acompanhará de perto os desdobramentos do inquérito no Itamaraty para evitar que o diplomata sofre retaliações.
- Este diplomata brasileiro agiu de acordo com a consciência universal, não com regulamentos. Uma pessoa perseguida por suas ideias, atuação política, merece asilo - declarou o senador.
Fonte: O Globo
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