- O Globo
A mediana das previsões de inflação do ano chegou a 7%. A gasolina subiu, a energia subiu e sabe-se lá quando e onde vai parar. A água veio pesada. A falta de chuvas pode afetar o preço dos alimentos. Tudo isso fará a inflação estourar de novo o teto da meta. A presidente Dilma finge que não vê a confusão que ela criou na energia ou será que é ainda o marqueteiro pintando e bordando no Palácio?
São duas as crises, e a presidente as mistura numa estratégia de marketing imaginada para confundir. Há uma criada pela falta de chuvas, que afeta também o abastecimento de água. Nesse ponto, os governadores é que são culpados pela falta de medidas, principalmente o de São Paulo, Geraldo Alckmin.
A outra é da energia e vai além da água. Sobre ela, tenho falado desde o final de 2012, quando a presidente aprovou a MP 579 em época de baixo nível de água nos reservatórios. Reduziu o preço de um bem que se tornava escasso. Os números mostram que em janeiro de 2013, um mês depois das mudanças no setor, o nível de água estava em 37% no Sudeste/Centro-Oeste, contra 76% de um ano antes. Naquele momento, as medidas de contenção de consumo poderiam ter sido suaves, com racionalização, campanhas, convocações à indústria, ao comércio. Isso pouparia duas coisas: água nos reservatórios e dinheiro no nosso bolso. Nada foi feito e o percentual em janeiro deste ano caiu para 16,8%.
A culpa do tarifaço de 2015 tem nome, sobrenome e endereço. Não fica no céu, não se chama São Pedro. O endereço é bem mais terreno, ainda que seja no Planalto. A presidente é que desorganizou o setor de energia. O marqueteiro João Santana é que a levou pela mão e a fez declamar o que seria uma peça publicitária a ser usada na campanha: que ela estava reduzindo o preço da energia. Que bondosa.
Vieram erros sucessivos de gestão: leilão de oferta mal administrado, que deixou empresas expostas ao mercado de curto prazo; uso de todas as térmicas, até as mais caras indo para o preço futuro; empréstimos concedidos a empresas com desequilíbrio financeiro, causado pela queda demagógica dos preços. Tudo virou uma bola de neve que vai rolar até encontrar a sua conta de luz. A falta de chuvas piorou tudo e foi impossível esconder o mal feito.
A presidente resiste a quem lhe diz a verdade. Não há saída a não ser o racionamento, porque em janeiro a água nos reservatórios caiu mais de três pontos percentuais. E janeiro é mês de recarga, quando o nível aumenta pelas chuvas. O ministro da Energia, Eduardo Braga, foi impedido de repetir que com 10% de água as turbinas podem parar. Mas o que disse é a verdade. Braga não pode aparecer nas coletivas onde se fala da crise hídrica e energética. Só Izabella Teixeira pode falar, porque assim fica parecendo que a falta de chuvas causou a crise. Culpa da natureza.
A verdade é que a chuva apenas agravou o que já era grave, por falta das decisões tomadas na hora certa, na medida certa. Agora, um ano depois, o que o governo tem que fazer é montar um gabinete de crise, administrar a escassez, pensar em saídas, estudar todos os cenários, manter diálogo com o setor, fazer campanha junto aos consumidores, combater todo desperdício.
O que o ministro Eduardo Braga falou no fim de semana faz sentido. Só que é pouco. Pediu para quem tiver geradores - indústria, comércio, shopping centers - usá-los entre 14h e 17h. Isso é caro, o Brasil é importador de óleo diesel, e o preço sempre tem um destino: o distinto consumidor de qualquer bem ou produto.
A crise de energia é uma das razões para os economistas preverem queda do PIB e inflação a 7% este ano. Como há 11 meses pela frente, tomara que as previsões melhorem. O racionamento de água, inevitável em estados como São Paulo, também vai impactar o PIB.
Nos dois casos, poderia ter havido planos de contingência que evitassem deixar as coisas chegarem no ponto que chegaram. Os governadores não podem mais adiar medidas para proteger o abastecimento futuro de água, a presidente da República não pode mais fugir de suas responsabilidades.
Ouvir o marqueteiro é inevitável na campanha. Mas, na hora de governar, é um risco para os governados. A presidente precisa entender a gravidade do que está acontecendo: pouquíssima água nos reservatórios, previsões de que este ano a chuva continuará abaixo da média, termelétricas já batendo pino de tanto serem exigidas ao limite. É hora de ouvir a prudência e não o marketing.
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