- O Globo
O relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre as pedaladas fiscais mostra os riscos que o país acumulou quando o governo tentou esconder o mau desempenho das contas públicas nos últimos anos. Passam de R$ 40 bilhões só os créditos concedidos pelos bancos públicos ao Tesouro. Esses empréstimos são proibidos. O TCU revela que eles realmente aconteceram.
O minucioso relatório de 96 páginas exibe dois tipos de problemas: as confusões na contabilidade e as operações que estão proibidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Tudo tornou o registro das receitas e despesas mais opaco, mas é muito mais grave quando os bancos públicos, como Caixa Econômica, Banco do Brasil e BNDES, pagam obrigações do Tesouro e demoram a receber. Essa espera de meses caracteriza, segundo o TCU, uma operação de crédito.
A Caixa pagou Bolsa Família, abono salarial e seguro-desemprego; o Banco do Brasil pagou equalização de taxas de juros no financiamento agrícola; o BNDES cobriu os custos do Programa de Sustentação de Investimento (PSI); o FGTS arcou com custos do Minha Casa, Minha Vida. Normalmente, eles são agentes pagadores dessas programas, mas o Tesouro tem que repassar os recursos antecipadamente. A Caixa teve que esperar seis meses para receber R$ 1,7 bilhão. O que é isso? Empréstimo ao Tesouro, porque são gastos orçamentários que o banco não tem que assumir.
A Lei de Responsabilidade Fiscal incluiu essa proibição por um bom motivo. A confusão nas contas públicas deixada pelos governos militares levou uma década e meia para ser arrumada. Um dos piores ralos era o de bancos públicos financiando seus controladores, que não os pagavam nem contabilizavam como dívida. Isso quebrou muito banco estadual e exigiu fortes capitalizações na Caixa e no Banco do Brasil. As instituições financeiras dando dinheiro para os governos foram uma grande central de fabricação de esqueletos. Para que isso não voltasse a acontecer, a LRF baniu esse tipo de operação.
O que o TCU concluiu, após o estudo de demonstrações financeiras do Banco do Brasil e BNDES e em documentos obtidos da Caixa por meio de auditoria, foi que, de forma velada, o governo fez exatamente isso. Não foram poucos os alertas dos especialistas em contas públicas para o que estava acontecendo. O Ministério da Fazenda e a Secretaria do Tesouro do primeiro mandato ignoraram o aviso de que eles haviam atravessado o sinal perigosamente. Nos anos de 2013 e 2014, a equipe econômica dedicava-se à alquimia fiscal. Números eram alterados, dívidas sumiam, receita não recolhida era registrada como se tivesse sido arrecadada. Tudo isso tira a credibilidade dos dados do governo, aumenta os riscos inflacionários. Mas banco público financiar Tesouro é mais do que má administração, é um desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal.
O número pode ter chegado a ser até maior do que R$ 40 bilhões, porque atrasos de repasse ao Finame não foram registradas nessa conta. O TCU perguntou ao Banco Central sobre isso e recebeu como resposta que o Finame, Financiamento de Máquinas e Equipamentos, um braço do BNDES, não é uma instituição financeira.
Na radiografia que o Tribunal fez, ele registrou no item 428: "Foram listados achados em relação aos seguintes aspectos: dívidas não registradas nas estatísticas fiscais; despesas primárias não registradas nas estatísticas fiscais; realização de operação de crédito com inobservância de condição estabelecida em lei; atrasos de repasses a Estados e Municípios e ao INSS."
O trabalho do TCU é uma oportunidade. Não falo aqui da discussão política em torno do mandato da presidente Dilma. O que o país pode tirar de bom desse relatório é impedir a corrente de pedaladas que poderia ameaçar a estabilização da moeda, que foi tão difícil conquistar. É exatamente assim que se estimula a inflação. O país deve seguir os princípios da responsabilidade fiscal para garantir a moeda, sem a qual nenhum projeto é sustentável.
O ministro Joaquim Levy mostrou de forma coerente que não quer repetir esse passado, o que é um alívio. Mas é preciso saber exatamente qual foi a confusão que fizeram no mandato passado.
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