Jornada e salário menores
• Governo lança medida que prevê recursos do FAT para compensar corte no rendimento
Geralda Doca, Martha Beck e Cassia Almeida – O Globo
BRASÍLIA, RIO e SÃO PAULO - Na tentativa de estancar o desemprego, em especial no setor automotivo, e em busca de apoio para enfrentar a mais grave crise política do seu governo, a presidente Dilma Rousseff editou ontem medida provisória criando o Programa de Proteção ao Emprego (PPE). A medida permite a redução da jornada de trabalho, com corte dos salários em até 30%, em momentos de crise. Mas, para o trabalhador, o corte efetivo será de 15% do salário, já que o governo se compromete a usar recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para bancar metade da parcela do salário que for cortada. O gasto estimado em um ano de vigência, prazo máximo do programa, é de cerca de R$ 112,5 milhões.
A proposta - defendida pelos sindicatos dos trabalhadores das montadoras - não contou com o apoio do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, voto vencido nas discussões dos últimos dias. Isso porque, o programa vai elevar as despesas do FAT no momento em que a equipe econômica tenta reduzir essas despesas, restringindo o acesso ao seguro-desemprego e estendendo o pagamento do abono salarial. Segundo interlocutores, a maior preocupação do ministro é que a medida sinalize que o ajuste fiscal pode ser afrouxado, especialmente depois que o Congresso aprovou medidas de forte impacto sobre os gastos, como o aumento do Judiciário e a extensão da regra de reajuste do salário mínimo para todos os aposentados do INSS.
A condução e finalização do novo programa, coube ao Ministério do Planejamento, com auxílio da Secretaria-Geral da Presidência da República. Antes do anúncio, a MP foi detalhada para as lideranças sindicais.
- É um projeto ganha-ganha. Ganham os trabalhadores que mantêm o seu emprego, ganham as empresas que conseguem preservar uma mão de obra qualificada e retornar rapidamente o seu nível de produção, e ganha o governo na medida que assegura o nível de emprego e preserva receitas importantes do ponto de vista fiscal - disse o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Miguel Rossetto.
Os setores que poderão aderir ao programa serão definidos nos próximos 15 dias por um comitê gestor, formado por vários ministérios. Em princípio qualquer empresa em crise financeira poderá participar, desde que se comprometa em manter os empregos na vigência programa. A adesão poderá ser feita até 31 de dezembro de 2015, por seis meses, prorrogáveis por mais seis. E dependerá negociação com o sindicato da categoria, mediante acordo coletivo.
O FAT vai complementar até 50% do corte salarial, limitados a 65% da parcela do seguro-desemprego (R$ 900,84). Segundo estimativas do governo, quem ganha R$ 2.500, passará a receber R$ 2.125, sendo que a empresa responderá por R$ 1.750 e o governo por R$ 375). Para uma remuneração de R$ 5 mil, o novo contracheque ficará em R$ 4.250, sendo que a firma pagará R$ 3.500 e o governo mais R$ 750. Os cálculos consideram corte de 30%.
O programa se assemelha ao mecanismo do Lay-off, que consiste na suspensão temporária do contrato de trabalho por até cinco meses. Nesse período, os trabalhadores afastados recebem as parcelas do seguro-desemprego.
O professor da Unicamp Claudio Dedecca, especialista em mercado de trabalho, diz que essas medidas são comuns em outros países, mas ele estranha que o FAT para compensar as perdas dos empregados:
- No momento em que o governo faz uma alteração no seguro-desemprego, acreditando que isso ajuda no equilíbrio orçamentário do FAT, toma uma medida que claramente sobrecarrega o fundo, por outro lado.
O problema para o economista é a falta de estratégia de geração de emprego, salário e produtividade. Para ele, o governo toma iniciativas "tópicas, sem um norte, apagando incêndios".
- É só uma reação de um governo com baixa popularidade, com a corda no pescoço, que não pode sofrer um desgaste ainda maior decorrente da deterioração social no país.
O ministro Miguel Rossetto destacou que o programa é mais inteligente (que o Lay-off), porque permite a manutenção do emprego.
- É mais inteligente colocar os recursos públicos para manter os empregos do que financiar o desemprego - disse Rossetto.
Segundo ele atualmente há 20 mil trabalhadores utilizando o sistema do Lay-off.
- Essa medida é melhor do que o Lay-off Porque preserva os empregos - reforçou o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa.
Segundo Barbosa, o programa vai ajudar no ajuste fiscal à medida em que assegura a arrecadação com as receitas previdenciárias, com o imposto de renda e o FGTS.
Para o presidente da Anfavea, Luiz Moan, o programa vem em boa hora, sobretudo para o setor automobilístico:
- É um instrumento fundamental de ultrapassagem de qualquer crise que possa vir - disse.
O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Rafael Marques, disse que a medida anunciada no "olho do furacão" cumpre seu papel e deverá ter grande adesão.
Diretor superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), Fernando Pimentel afirmou que ainda é preciso ter segurança de que como a Justiça vai lidar com pedidos de trabalhadores para recuperar seus salários:
- Essa é uma questão que parece interessante. No entanto, nós não fomos consultados e não conhecemos o teor da MP. É algo que faz sentido num momento de crise, você preservar o funcionário, mas precisamos ver como a Justiça do Trabalho vai encarar, se houve ou não alguma negociação prévia, para que lá na frente não venham ações na Justiça no sentido de recuperar as perdas.
Para José Silvestre, coordenador de Relações Sindicais do Dieese, o programa é melhor do que a política de lay-off , que suspende o contrato de trabalho e o salário fica limitado ao teto do seguro-desemprego. Ele diz que a capacidade de o programa frear as demissões vai depender da adesão das empresas.
- A tendência é que o programa seja implantado mais na indústria e, particularmente, na metalúrgica.
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