-O Globo
Era um teste, e o governo passou. O primeiro leilão de concessão calhou de ser justamente na semana em que a temperatura da crise política subiu muito. Houve disputa entre empresas europeias, ágio sobre o preço estabelecido e todos os quatro aeroportos passam a ter novos concessionários. Os vencedores são operadores com experiência e atuação em vários países.
O fato de o governo ter conseguido arrecadar R$ 1,5 bilhão para pagamento imediato, além do que os vencedores pagarão ao longo da concessão, e a qualidade dos grupos que disputaram os aeroportos de Fortaleza, Salvador, Florianópolis e Porto Alegre confirmam a avaliação de que o leilão conduzido pela Anac foi bem sucedido. A alemã Fraport arrematou dois aeroportos, sendo o de Porto Alegre por 837% de ágio, e tem presença espalhada por vários países do mundo. Além de Frankfurt, um dos grandes do mundo, é administrador dos aeroportos de Lima, de dois na China, de Nova Delhi, São Petersburgo, entre outros em diversos países. A Vinci, francesa, e a Zurich, suíça, são também operadores importantes.
O professor Paulo Fernando Fleury, da Ilos Supply Chain, lembra que os do Nordeste têm virado pontos importantes de turismo, pelos voos diretos que unem capitais europeias às nordestinas.
— As possibilidades de crescimento dos aeroportos no mundo são muito grandes, pela intensificação do tráfego e do comércio. Esses investidores olham o longo prazo do país, e não a crise atual — diz.
Mesmo assim, é difícil abstrair da crise de um país que está em recessão há dois anos e vive uma confusão política sem data para acabar. Na véspera do leilão, e com desistência de grupos brasileiros e fundos de investimento, houve manifestações de rua em vários estados contra as reformas que se dispõem a enfrentar a crise fiscal.
O movimento feito pelos grupos foi o de quem quer entrar no mercado brasileiro, o que significa que podem apostar em mais crescimento na área, nem que seja comprando participações em empreendimentos já licitados. Os primeiros leilões, feitos no governo Dilma, contemplaram os principais aeroportos do país, mas vários estão com problemas.
Em Guarulhos, a OAS deve entregar sua participação na Invepar para credores. A Odebrecht está negociando com um grupo canadense a venda da participação dela no Galeão. A Engevix vendeu sua participação no aeroporto de Brasília para seus sócios argentinos. As empreiteiras que estavam investindo pesado no setor de logística estão enfrentando seus próprios problemas.
O professor Paulo Tarso Vilela de Resende, da Fundação Dom Cabral, diz ter ficado com um otimismo cauteloso em relação ao resultado do leilão. Ou seja, há motivos para comemorar, mas também fontes de preocupação:
— O que me deixa cauteloso é que nos leilões anteriores nós tivemos três aeroportos com 11 grupos, depois, três aeroportos e cinco grupos, e agora quatro aeroportos e apenas três grupos. Ao mesmo tempo, nenhum deles deu vazio (leilão em que não aparece comprador) e tivemos a presença de grupos estrangeiros. Isso é que me deixa otimista.
Resende acha que o Brasil tem que melhorar o marco regulatório e precisa abrir o diálogo com as companhias interessadas antes do leilão para explicar a conjuntura econômica e política. Mesmo assim, acha que algumas mudanças já contribuíram para melhorar o clima.
— O governo Temer conseguiu melhorar em relação ao governo anterior. Ter tirado a obrigatoriedade de a Infraero ser sócia dos projetos foi um grande avanço — diz o professor da Dom Cabral.
Há uma série de investimentos a fazer no Brasil na área de logística. Portos para serem entregues ao setor privado, ferrovias para serem licitadas, ampliadas e construídas, além da enorme e deficiente malha rodoviária. A disposição que os grupos europeus demonstraram na disputa de ontem é um bom sinal.
O Brasil encolheu o PIB e o tráfego aéreo, perdeu o grau de investimento e aumentou a dívida pública. Tem uma situação política de extrema incerteza. Nada disso afastou investidores que entraram em concessões de 25 e 30 anos. Eles estão vendo as tendências de ampliação do mercado no país.
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