quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Ascânio Seleme: O PT voltou

- O Globo

Não durou muito a frente democrática proposta pelo PT durante o segundo turno, como tentativa de reunião de partidos e lideranças de centro e centro-esquerda para se opor à candidatura de Jair Bolsonaro. Dois dias depois da derrota nas urnas foram suficientes para Fernando Haddad perder o centro da mesa para Gleisi Hoffmann, a estrela vermelha substituir a bandeira verde -amarela, e o discurso radical tomar o lugar do diálogo para o entendimento.

O PT retomou o seu ímpeto e, pelos primeiros movimentos depois de domingo, já dá para dizer como vai ser a sua oposição ao governo Bolsonaro. Será feroz. Dura e feroz. E, como sempre, o partido vai usar e abusar de palavras como ódio, intolerância, violência, entreguismo, fascismo. Suas lideranças já falam, dois meses antes da posse do presidente eleito, como se vivêssemos no limiar do apocalipse. E o tom é exatamente igual ao que o PT promete atacar.

Em 2014, quando o derrotado Aécio Neves pediu ao TSE a cassação da chapa vitoriosa de Dilma Rousseff e Michel Temer, o PT acusou o tucano de mau perdedor e antidemocrático. Agora, ataca o recém-eleito presidente com a franqueza do péssimo perdedor. Parlamentares discursam na Câmara e no Senado repetindo serem donos de “milhões de votos dos brasileiros que votaram no PT e contra o fascismo”. O líder do partido, deputado Paulo Pimenta, anunciou que vai “resistir ao consórcio Temer/Bolsonaro”.

O partido, que já mandou subir outra vez as placas de “Lula livre”, também anunciou que vai fazer “dura oposição ao projeto da reforma da Previdência”. E, nem precisaria anunciar, sabe-se que se oporá a privatizações, ao corte de gastos e a toda medida que signifique redução do Estado. Embora ainda defenda a “frente ampla democrática”, é claro que o PT voltou a ser o PT. Sua pauta está de volta e sua forma de fazer oposição, reinaugurada.

O modelo petista de se opor aos governantes, bem conhecido de Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique e Temer, não poupa adjetivos e tampouco se preocupa com boas maneiras. Apesar de quase sempre passar do tom, a oposição do PT não deixa dúvidas, não tergiversa, vai direto ao ponto. E o ponto petista normalmente é entre a canela e a linha de cintura. O fato novo é que agora quem vai levar as caneladas também costuma dar as suas.

Apesar da virulência, não resta dúvida de que a oposição petista ao governo Bolsonaro deverá fazer bem à democracia. Até agora, apesar do discurso de Ciro Gomes, oposição mesmo só o PT tem feito. E Ciro, além de Bolsonaro, fará oposição ao PT. O que será meio esquizofrênico. Você pode dizer que é cedo para se opor, e eu sou obrigado a concordar; afinal, o novo governo nem começou ainda. Mas é assim que a política funciona. Muitos foram derrotados por Bolsonaro, PSDB, MDB, PDT, Rede e outros. Mas o PT foi o último. Por isso faz sentido ser o primeiro a ir para a oposição.

Claro que o novo governo terá que buscar alianças para aprovar as suas pautas. A agenda econômica, com reformas importantes, será objeto da permanente artilharia petista. Nessa pauta, contudo, com o apoio de PSDB, Novo e Centrão, Bolsonaro tem chances de atropelar a oposição e aprovar muita coisa. Já em outros pontos que serão objeto de medidas do novo governo, o PT poderá atrair partidos ou parlamentares em número suficiente para frear Bolsonaro.

A oposição a medidas como a que o senador Magno Malta tentou aprovar ontem na CCJ do Senado, que qualifica como terrorismo ações de grupos como o MST e o MTST e criminaliza os manifestantes, terá obviamente maior adesão. Certamente, o PT também terá parceria de centro robusta no combate a possíveis projetos que mexam com leis que regulamentam as relações sociais ou que alterem questões de costume já debatidas pela sociedade.

O fato é que governo sem oposição pode muito. E isso é ruim. Oposição fraca ou inibida, como a liderada pelo PSDB durante os governos petistas, permite que o governo navegue em velocidade acima da legal, onde medidas são aprovadas de roldão, sem debate, sem que se conheça o contraditório. Melhor uma oposição dura, mesmo que ela signifique confronto sistemático ao governo, que oposição nenhuma.

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