sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Merval Pereira: A crise na fronteira

- O Globo

Tudo indica que o Brasil não endossará uma ação militar contra Maduro. Estratégia continuará a ser pressioná-lo

O ministro da Defesa da Venezuela, general Vladimir Padrino López, que, ao lado de sua cúpula militar, classificou de “golpe de Estado” a proclamação do líder da oposição Juan Guaidó como presidente interino, esteve no Brasil no governo Temer e teve uma reunião com o então ministro da Defesa, general Joaquim Silva e Luna, na qual fez dois pedidos: que o Brasil não apoiasse uma ação militar no seu país, e não participasse de uma eventual força multinacional de “ação humanitária”, pois ela seria só o início de uma intervenção, estimulada pelos Estados Unidos. E pediu o apoio do Brasil para que os EUA suspendessem as sanções econômicas contra a Venezuela.

O governo interino foi reconhecido pela Organização dos Estados Americanos (OEA), pelos Estados Unidos, pelo Brasil e mais vários países, inclusive na Europa, mas a situação continua indefinida, pois o ditador Maduro ainda tem o apoio dos militares e de parte minoritária da população, o que lhe garante permanecer no governo apesar da pressão internacional.

Tudo indica que o Brasil não endossará uma ação militar para derrubá-lo, e a estratégia continua sendo pressioná-lo através de declarações e apoio ao interino Guaidó. Um dos atos para legitimar-se será a nomeação de embaixadores em diversos países, especialmente Estados Unidos e Brasil.

Em uma reunião das cúpulas do Itamaraty e da Defesa, o então ministro da Defesa, Raul Jungmann, frisou que vivíamos, diplomaticamente, uma “paralisia frenética”, e que tínhamos esgotado nosso arsenal de medidas diplomáticas.

Esse ritmo que classificou de “agônico” da crise da Venezuela se explica, para Jungmann, em grande parte pelo fim da Guerra Fria, e a inação brasileira está deixando com que novamente Estados Unidos e Rússia (além da China) disputem a influência política em uma região em que o Brasil deveria ser a força hegemônica.

Há quem considere, no meio militar, que o Brasil está perdendo a liderança de fato na região, deixando que a crise traga para cá disputas como essa. Não é previsível que a ação desses países se transforme em tentativa de invasão, e consequente defesa da Venezuela, levando a uma guerra que não tem importância geopolítica tão grande quanto na Síria, por exemplo.

Mas teria importância capital para o Brasil, que tem dois mil quilômetros de fronteira com a Venezuela. A questão, para o ex-ministro da Defesa, é que não dispomos de excedentes de poder (econômicos, tecnológicos, militares), para fazer frente a uma crise dessa dimensão e natureza no nosso subcontinente e fronteiras.

Para ele, a estratégia do Itamaraty, baseada no soft power (cultivado em oposição ao hard power), permanece importante, mas o caso da Venezuela exige mais que isso. Inclusive porque o conflito entre o regime de Maduro e o governo brasileiro chegou a um ponto, na gestão de Bolsonaro, em que, tanto um quanto o outro partiram para ataques pessoais, através de discursos e das redes sociais, que impedem uma negociação.

Raul Jungmann teme que o Brasil perca a capacidade de influir em sua região, em que é o líder natural, por falta de demonstração de força dissuasória. Ele cita como exemplo a criação do Grupo de Lima, que reúne 14 países das Américas (Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Guiana, Honduras, México, Panamá, Paraguai, Peru, Santa Lúcia) unidos com o objetivo de tratar da crise na Venezuela.

O fato de se chamar Grupo de Lima já mostra, para Jungmann, que o Brasil perdeu a hegemonia política. Para confirmar isso, agora em Davos, quando o grupo reconheceu o governo interino de Guaidó, o presidente Bolsonaro foi o segundo a falar.

A preocupação com a “crise humanitária” no país vizinho, destacada no documento fundador do grupo, preocupa o governo de Maduro, que vê no termo usado uma tentativa de legitimar uma ação militar, estimulada pelos Estados Unidos, que faz parte como observador do Grupo de Lima.

O fato de que no governo Bolsonaro existam diversos generais que chefiaram a força de paz da ONU no Haiti e no Congo, considerados combatentes treinados em situações desse tipo, leva à tentação de apoiar uma ação nesses moldes na Venezuela, mas, por enquanto, não há clima para isso.

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